quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Crítica: Os Suspeitos

Em clima de tensão, longa aborda as reações de seus personagens a tenebroso crime

Por Pedro Strazza

O filósofo Thomas Hobbes já diz há muito tempo que o ser humano é uma criatura má por natureza. Com poder de violência ilimitado, o inglês acreditava em sua época que essa brutalidade era para o homem a única maneira pela qual ele poderia conseguir atingir seus objetivos, sejam eles danosos a outros ou não. Para evitar isso, seria necessário a figura do Estado na vida cotidiana da população, cuja maior autoridade seria capaz de conter essa selvageria natural nossa em prol do bem da sociedade. Mas e quando somos levados a nossos limites pelo desespero ou medo e acabamos por perder o controle de nossas ações?

As consequências da resposta para essa pergunta são personificadas na figura de um carpinteiro de Boston chamado Keller Dove (Hugh Jackman) em Os Suspeitos. Quando sua filha e uma amiga desaparecem no dia de Ação de Graças, Dove começa a criar suas próprias medidas para encontrar as crianças, entrando em rota de colisão com o departamento de polícia da cidade e o jovem detetive (Jake Gyllenhaal) que lidera as investigações.

Os caminhos tomados pelos dois protagonistas e seus desgastes morais ao longo da história são o principal foco do canadense Denis Villeneuve em seu interessante exercício de Macguffin. No ambiente frio, desolador e intimidador do interior de Boston e lembrando bastante os filmes de David Fincher (A Rede Social, Zodíaco), o diretor procura filmar as reações de seus personagens conforme novas peças se encaixam no quebra-cabeça que é o rapto das duas garotas, captando também as sensações das outras pessoas com as quais Dove e o detetive interagem, ao invés de focar nos desdobramentos do mistério em si. Da mãe traumatizada ao garoto com retardo mental, todos sofrem com os impactos de cada nova descoberta ou mistério, criando uma tensão estarrecedora no público.

A abordagem da religião também contribui para a criação desse clima pesado desde a primeira cena, onde um veado é morto por Dove e seu filho depois de um pai-nosso. A fé vira uma interessante válvula de escape para o pai se conter em suas ações, evidenciando o quão humano ele é. O protagonista, afinal, não está ali porque quer ou precisa descarregar sua brutalidade, mas sim devido ao contexto e seu desespero para reaver a filha. E nada ficará entre ele e seu objetivo.

O uso de um elenco poderoso também vem muito bem a calhar. Contando com astros como Viola Davis, Paul Dano, Maria Bello, Terrence Howard, Melissa Leo e os próprios Jackman e Gyllenhaal, Villeneuve dosa sabiamente e de maneira apropriada o tempo de tela de cada ator (talvez exceto pelas mães vividas por Bello e Davis, ganhando menos espaço em relação aos outros), que entregam aqui atuações de qualidade e peso. Principalmente o último, fazendo de seu detetive um de seus melhores papéis na carreira.

Por não estar dedicado ao mistério principal e, principalmente, preferir abordar a linha tênue que separa o homem selvagem do civil, Os Suspeitos acerta em cheio nas suas intenções. Respeitando a inteligência de seu público, o primeiro longa de Villeneuve nos EUA traz uma abordagem tão interessante de seus personagens quanto das peças que compõem a situação. Não é à toa portanto que os rumos tomados pelos dois protagonistas tornam-se no final tão importantes para o espectador: O caminho, e não o final, é o principal objetivo.

Nota: 10/10

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