domingo, 23 de fevereiro de 2014

Crítica: 12 Anos de Escravidão

Filme explora escravidão sob nova perspectiva

Por Pedro Strazza

A trajetória do diretor Steve McQueen em longa-metragens é ainda recente, mas bastante prodigiosa. Realizador de curtas até então, McQueen fez sua estréia no mundo dos filmes de longa duração em 2008 com Hunger, que lhe rendeu de cara, entre outros vários troféus, a Caméra d'Or em Cannes, o primeiro do Reino Unido (seu país de origem) na história da premiação. Esse vigor cinematográfico continuou três anos depois com Shame, apesar de não lhe trazer tantos prêmios quanto sua obra anterior - ganhando, porém, várias nomeações a prêmios importantes. Suas duas primeiras obras, entretanto, não conseguiram nem metade do prestígio que seu terceiro trabalho, 12 Anos de Escravidão, alcançou na temporada 2013/2014.
Baseando-se no livro autobiográfico homônimo de 1853, McQueen volta seus olhos para a história da população negra nos tempos da escravidão - momento não só o mais humilhante desse povo, como também da humanidade - pelos olhos de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem livre que acabou sendo enganado, afastado de sua família e escravizado por longos doze anos. Nesse período sofrível, Solomon perde tudo (inclusive o nome) e sofre das mais variadas torturas, físicas e psicológicas, dos mais variados senhores, se apegando apenas à esperança de um dia voltar a ver sua mulher e filhos.
A trama de 12 Anos já é sozinha um palco perfeito para que um melodrama óbvio e desinteressante sobre os escravos se inicie, mas a mão de seu diretor transforma o filme num retrato de época emocionalmente pesado das condições opressivas enfrentadas por esse povo. O objetivo de McQueen, entretanto, não é o de apontar quem são os culpados de inventar esse sistema tão deplorável, mas sim de apresentar o lado dos negros e suas dores e perdas no meio desse processo, centrando, claro, na figura de Solomon. O protagonista, inclusive, passa a perceber que não é o único a ser privado de viver, e ele passa a enxergar isso nos seus companheiros de trabalho, como a mãe Eliza (Adepero Oduye) ou a colhedora de algodão Patsey (Lupita Nyong'o, fazendo uma estréia brilhante no mundo cinematográfico) - a primeira é separada de seus próprios filhos, e a segunda, de sua liberdade de amar.
Para criar esse ambiente de aprisionamento e devastação humana, McQueen utiliza de planos quase sempre fechados na hora de filmar seus personagens, evocando no espectador assim a clausura vivida pelo protagonista, e alterna logo em seguida para as belas paisagens da região na qual a história se passa, geralmente visualizando alguma forma de submissão a um homem branco. Esse sentimento só se intensifica nas cenas noturnas, onde as velas são a única referência visual para o público ver mesmo o que acontece - quando um dos escravos é assassinado no navio, por exemplo, só se entende a ação ocorrida no momento em que vemos a faca à luz de uma lanterna. A técnica de McQueen na hora de filmar, por sinal, é um dos pontos fortes de 12 Anos, a exemplo do espetacular plano-sequência de cinco minutos envolvendo as personagens de Chiwetel, Michael Fassbender e de Lupita.
O elenco escolhido pelo diretor é outro diferencial. Recheado de atores conhecidos do grande público, como Brad Pitt, Benedict Cumberbatch, Paul Giamatti e Quvenzhané Wallis, McQueen vai utilizando o seu vasto casting em pequenas e cruciais pontas, conseguindo extrair de cada um o ponto mais forte de sua atuação - A participação de Pitt, por exemplo, é ridiculamente mínima, mas sua performance não deixa de ser muito boa.
Mas se nos coadjuvantes McQueen soube dosar muito bem, com o protagonista e o elenco de apoio principal ele acerta em cheio. Os desempenhos de Ejiofor, Nyong'o e Fassbender são felizes pois não polarizam suas personagens em figuras caricatas de bem ou mal: Enquanto o último constrói ao cruel senhor de terra Edwin Epps uma crença de que o que ele faz é certo, Chiwetel e Lupita trazem em Solomon e Patsy todo o sofrimento causado neles - principalmente ela, cuja dor em ser um objeto de desejo do mestre é sentido a todo momento.
Marcado pelo sentimento da dor e da perda, 12 Anos de Escravidão é um triste relato de uma situação ainda (e infelizmente) atual - o próprio filme sofreu desse mal na Itália. A sofrida história de Solomon Northup não só não pode ser esquecida como deve ser lembrada e refletida pelo público na hora de abordar assuntos como o preconceito, o racismo ou a escravidão em seu cotidiano. E Steve McQueen soube como ninguém trazer esse tema com respeito e sem cair no clichê ou no exagero.

Nota: 10/10

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