quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Crítica: Nebraska

Um triste olhar sobre o passado e suas decisões

Por Pedro Strazza

[Esta resenha talvez possua alguns leves spoilers sobre a trama do filme. Nada muito pesado, mas se quiser ver o filme como ele o é talvez seja melhor deixar este texto para depois da sessão.]
A vida não foi feliz para Woody Grant (Bruce Dern). Veterano da guerra da Coreia e dependente pesado do álcool, esse humilde mecânico sempre fez questão de ajudar amigos e família, mesmo que isso o arruinasse financeiramente. E agora que está aposentado, sua passagem pelo planeta não parece mais apresentar quaisquer surpresas e novidades, até o momento em que chega em sua casa uma carta afirmando que ele ganhou um milhão de dólares.
A partir deste momento, a vida de Woody ganha um novo e simples objetivo, e Nebraska, o novo filme do diretor Alexander Payne, se inicia. A carta é claramente uma propaganda e a família do ex-mecânico tenta a todo custo demovê-lo da ideia, mas Woody, teimoso como é, não acredita na verdade dita por seus filhos e esposa e começa a tentar ir a pé de Billings, Montana, até Lincoln, Nebraska, para reclamar o "dinheiro", fracassando a cada nova tentativa. Mas como ele parece não desistir nunca do projeto, seu filho mais novo, David (Will Forte), resolve realizar a viagem com Woody, sossegando-o definitivamente e conseguindo, talvez, passar um tempo com seu pai.
Claramente uma história de descobrimento envolvendo pai e filho, Nebraska consegue ser algo mais em seu roteiro (escrito pelo estreante Bob Nelson) do que um clichê filme melodramático. Com auxílio da fotografia preto e branco e da paisagem bucólica, Payne promove aqui uma jornada auto-reflexiva e melancólica de seus personagens diante das mudanças criadas em suas vidas por uma variável inesperada - nesse caso, o falso enriquecimento para Woody e a viagem até a cidade natal dos pais para David -, característica essa bastante usual de seus filmes. Essas mudanças, entretanto, não são feitas no exterior, mas sim no interior dos protagonistas, que ganham novos olhares sobre as pessoas ao seu redor e sobre si mesmas.
Em Nebraska, esse processo ocorre em duas pessoas: O cada vez mais desgarrado da realidade Woody, que já descrevi no começo; e o pacato e mal-sucedido David, cujo fim do relacionamento, a demência progressiva do pai e a inveja profissional pelo irmão Ross (Bob Odenkirk) o consomem diariamente. Juntos nessa viagem, os dois não terão suas vidas mudadas pelos eventos do filme, mas terão, cada um à sua maneira, uma espécie de acerto de contas com o passado.
A construção de personagens nesse momento é importantíssima, e o trabalho de atuação de Dern e Forte complementa esse processo com vigor. Se o último, oriundo do Saturday Night Live, prova ao público que também sabe fazer drama, Bruce traz a Woody toda a derrota causada na vida, seja na abertura exagerada das pernas no andar ou na própria personalidade avoada e perdida, respondendo a qualquer pergunta com um seco "Quê?".
Mas se o filme tem um lado mais emocional e triste por um ângulo, por outro apresenta momentos cômicos impagáveis (também uma outra marca do diretor), e essa faceta ocorre a partir do momento em que a cidade natal de Woody descobre a sua vitória financeira e começa, obviamente, a tirar uma vantagem disso. É nesse momento, inclusive, que a atuação de June Squibb como Kate Grant aparece com força, usando de todo ácido possível para afastar familiares e falsos amigos do "tesouro" do marido.
Com atuações fortes e roteiro introspectivo, Nebraska possui um interessante desenvolvimento do lado humano de seus personagens extremamente falhos. O passeio final de Woody e David pela cidade natal, onde o primeiro faz uma última despedida daqueles que conviveu e ajudou e o último consegue criar alguma conexão com o pai, representa a consolidação de um ciclo de mudanças em seus interiores, feito dessa vez da mais dolorosa e melancólica forma possível.

Nota: 8/10

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