quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Crítica: Amantes Eternos

Sobre a imortalidade e o tempo

Por Pedro Strazza

Inicialmente concebidos pela ficção moderna como criaturas imortais de alta educação e com poderosa sede por sangue humano, os vampiros ganharam ao longo do tempo várias obras (sobretudo as de horror e suspense) que se dispunham a explorar primordialmente a selvageria e irracionalidade proporcionadas pela segunda característica. Amantes Eternos, novo filme do diretor e roteirista Jim Jarmusch, opta porém por centralizar sua narrativa sobre o outro aspecto básico de tais criaturas, concebendo uma história que prefere se guiar pela perpetuidade destes enigmáticos seres ao invés de por seus personagens ou trama.
Esta peculiar opção do cineasta se faz visível em diversos momentos do longa. Conforme o enredo (de curta duração temporal) vai sendo contado, vários eventos importantes se desenrolam nas vidas dos perpétuos Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton); suas atitudes, entretanto, em nada soam como se importassem com estes acontecimentos - e nem deveriam. Aqui, o espectador (tal qual o diretor) não possui interesse na maneira como estes seres reagirão às mudanças em suas vidas ou saber em que profundidade emocional ou física estas o afetarão. Estes episódios, afinal, são um pequeno ponto na extensa vida destes vampiros.
O grande foco do filme torna-se, então, saber o que estes dois indivíduos vivenciaram e o que pensam da humanidade - referida por eles sempre pela palavra "zumbis". Admiradores respectivamente da música e da literatura, Adam e Eve parecem estar a todo momento em um eterno estado de observação acerca dos feitos dos homens e de sua História (culturalmente interferida em alguns pontos por eles próprios), refletindo de forma pessimista sobre estes e seu futuro. E os momentos em que o casal protagonista exprime este sentimento não são poucos, a exemplo da inconformação de Adam com o fato de toda a sociedade não ter aceitado Darwin ou de o ser humano ter conseguido contaminar o próprio sangue - sem contar, claro, o fato do vampiro morar na falida e decadente Detroit.
A relação dos vampiros com este tecido do corpo humano parece, por sinal, ser o único aspecto destas criaturas que permanece visível no filme de Jarmusch. Lembrete notável da animalidade primordial de tais seres, o diretor realça em vários momentos sua tensão psicológica quando em contato visual direto com seu único alimento, que desperta uma notável impulsividade em seu interior. E quando estes finalmente bebem o "nutritivo" líquido, a câmera foca no prazer instantâneo proporcionado no animal interior e irracional de cada um.
Além das conversas entre si sobre a humanidade, o casal tem seu relacionamento saudosista com o mundo enriquecido pelas interações com os "zumbis" e outros de sua própria espécie. O jeito como Adam trata o jovem amigo humano Ian (Anton Yelchin), por exemplo, evidencia uma última tentativa do vampiro em, ainda que de forma depressiva, tentar se conectar com o homem, ao passo que os diálogos entre os protagonistas e a irmã de Eve, Ava (Mia Wasikowska) traz um paralelo interessante entre o passado rico e cada vez mais esquecido e o presente superficial e decadente.
Pautado ainda por uma trilha sonora eficaz e uma fotografia elaborada, Amantes Eternos é um filme que usa com excelência do tema da imortalidade para discutir os mais variados temas universais e atemporais como o amor, a vida e a passagem do tempo. Profundo em suas intenções, a história traz um lado que até o momento tinha sido pouco explorado na mitologia do vampiro moderno, que infelizmente vive nos tempos atuais uma superficialidade tão grande quanto a personalidade da irmã de Eve.

Nota: 10/10

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