segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Crítica: Mesmo Se Nada Der Certo

Pela música, John Carney dirige um filme de arranjos belos

Por Pedro Strazza

É noite em Nova York. Em um barzinho qualquer, um jovem e pobre cantor realiza um pequeno show acústico a um público desinteressado para ganhar alguns trocados a mais, mas subitamente resolve interromper sua performance para permitir que uma amiga estrangeira toque algumas de suas canções. De passagem pela cidade e visivelmente envergonhada de estar fazendo aquilo, ela então resolve cantar aos presentes uma música que dedica àqueles que já se sentiram solitários na grande cidade, e acompanha sua meiga voz apenas de um violão simples e sem floreios quaisquer. Ao final desta, a mulher sai do pequeno palco embaraçada e preocupada de ter feito o papel de ridícula, mas nem percebe que naquele exato momento ela acabara de salvar a vida de um homem.
Com este início estranho e com poucos movimentos de câmera, Mesmo Se Nada Der Certo já de cara começa a apresentar ao espectador vários de seus elementos que irão reaparecer por toda a sua trama. Em toda a cena descrita acima, a lente comandada pelo diretor John Carney revela aos poucos e sem muito destaque a figura de Dan (Mark Ruffalo), que aplaude com entusiasmo a performance da moça e aparenta ser o único no local a ver algum talento nela.
Dali, o filme volta algumas horas para mostrar naquele mesmo dia a vida do sujeito, um produtor musical antigamente respeitado e que nos dias atuais mostra-se um derrotado tanto na profissão como nos assuntos íntimos. Seus sucessivos fracassos neste dia, porém, revelam-se crescentes, e quando um Dan nitidamente bêbado chega ao bar temos a nítida sensação de que ele decerto está pensando em cometer o suicídio. Ele entretanto não contava com Gretta (Keira Knightley) e sua atuação musical no palco, que desperta em seu interior seu até então perdido "sexto sentido de produtor".
Deste ponto em diante, o filme conta as difíceis histórias de Dan e Gretta através de uma bem trabalhada narrativa pautada por flashbacks. De início arriscada, esta estratégia logo se mostra controlada por Carney, que aplica o recurso narrativo em tempos bem espaçados e de forma cada vez mais natural. Dessa maneira, os retornos temporais que no começo são apresentados com alguma artificialidade logo deixam de possuir esta característica e são introduzidos com sutileza por objetos como câmeras e computadores - mérito este da montagem e de seus belos retoques.
Outro personagem narrativo importante aqui é a própria música. Ao contrário de outras produções, Mesmo Se Nada Der Certo usa de sua excelente trilha sonora para guiar sua trama em alguns momentos ao invés de mantê-la como um pano de fundo na história de seus personagens. E isto é perceptível em vários momentos, a exemplo da mensagem de celular mandada por Gretta ao namorado ou da aproximação de Dan com sua filha pelos acordes de seus instrumentos.
Mas se o longa é sagaz no uso destas duas ferramentas auxiliares, na principal ela prefere se manter no básico. O roteiro usa, afinal, de personagens e elementos planos - o namorado rockstar que cai em desgraça própria por causa do sucesso, o produtor musical endurecido pelo tempo, a filha rebelde que carrega um A de anarquia na mochila... - para analisar os seus dois protagonistas - que mesmo apresentando alguma profundidade se mantém ainda a um perfil raso - e passar ao público a falsa impressão de que narrou ali duas histórias de superação e aceitação. O texto de Carney na verdade segue pelo caminho da jornada do despertar da consciência de si próprio,  tema este bem menos glamuroso para o espectador, mas igualmente interessante.
Mesmo Se Nada Der Certo é daqueles filmes que encanta não pelas características habituais do cinema, e sim por seus elementos periféricos bem elaborados. Com um roteiro básico e sem quaisquer maiores pretensões, John Carney evidencia o quão legal pode se tornar um longa (assim como a própria vida) através de algo tão simples quanto a música.

Nota: 6/10

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