sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Crítica: Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo

Bennett Miller cresce como diretor em filme sobre a derrocada estadunidense

Por Pedro Strazza

O esporte é um tema que é visto pelo cinema das mais diferentes maneiras. Muitas vezes utilizado por diretores e roteiristas como base para a clássica história de superação pelo protagonista - seu maior exemplo sendo, claro, a franquia Rocky -, as práticas esportivas de forma geral são tratadas nas telonas como algo saudável e positivo ao ser humano, seja pela aplicação no dia-a-dia ou em seus torneios. É neste último que o cineasta encontra, inclusive, uma maneira de glorificar a conquista e a consagração, através das vitórias de seus personagens em um contexto de pura dedicação pessoal e suor.
Assim posto, é curioso ver como o diretor Bennett Miller filma com frieza o esporte em Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo. Vencendo ou perdendo os campeonatos de luta greco-romana, os protagonistas do longa aparentam estar sempre com uma carga maior que o necessário em seus emocionais, impedindo-os de desfrutar plenamente da posição adquirida. Isso porque há algo maior em jogo aqui, e os três personagens principais sabem muito bem disso.
Baseado em eventos reais, Foxcatcher reconta a amizade dos irmãos lutadores Mark (Channing Tatum) e Dave Schultz (Mark Ruffalo) com John du Pont (Steve Carell), herdeiro da família mais poderosa dos Estados Unidos na época, e seus trágicos desenrolamentos. Apaixonado pelo esporte, du Pont procura e contrata os dois medalhistas olímpicos para que treinem em Foxcatcher, sua gigantesca propriedade, e representem os EUA e seu clã nos Jogos Olímpicos de Seul de 1988, buscando com isso reerguer o país, seus valores e seus heróis perdidos. A presença do milionário, porém, mostra-se aos poucos cada vez mais destrutiva para seus contratados, e aos poucos ele revela suas verdadeiras intenções com o projeto.
Mesmo que seja um falso objetivo de du Pont, o patriotismo é o grande tema abordado por Miller no filme. Muito mais incisivo e crítico que em seus dois primeiros trabalhos (os também ótimos O Homem que Mudou o Jogo e Capote), o diretor apresenta nos planos filmados uma visão decadente dos Estados Unidos, através de minimalismos contundentes como as diversas bandeiras estadunidenses hasteadas que nunca surgem tremulantes. Neste contexto, a trilha sonora de Rob Simonsen emana um falso nacionalismo, e é levantada para tornar dúbios os poucos momentos de glória da produção.
Mas qual seria a causa maior para a queda do antes poderoso império norte-americano? Na visão crítica de Miller, é a presença de famílias como a du Pont que, agindo por interesses próprios, contribuem para o esvaziamento da alma do país. John, por exemplo, avança pelo mundo do esporte por causa de uma vontade puramente mesquinha (que, por ser um grande spoiler do filme, não será revelado neste texto), e faz questão de exibir isso ao colocar o nome da propriedade da família em todos os uniformes utilizados por ele e sua equipe comprada. E como seu poder político e econômico é imensurável, nada o impedirá de realizar seus corrompidos desejos.
Para tornar visível este deterioramento, o filme conta com um elenco primoroso. Se Carell transmite, embaixo da pesada maquiagem que o deforma, todas as emoções vividas por seu John du Pont sem precisar mexer seu rosto ou sua postura (ambas sempre impassíveis e austeras), Tatum e Ruffalo surgem como contrapontos importantes ao evidenciar, a partir de atos simples, a pouca consciência de seus personagens com o gravíssimo panorama ao qual vivem. Quando Dave percebe, por exemplo, que feriu sem querer o emocional de John, Ruffalo deixa claro em sua performance a inocência do lutador, um homem tão simples e preocupado apenas com sua família - representada por seu irmão Mark (ainda mais inocente, visível principalemente no valor ao qual se vende a du Pont), sua mulher (Sienna Miller, desperdiçada) e seus filhos pequenos.
Por meio de uma história de conquistas pouco enaltecidas e derrotas impactantes, Bennett Miller invoca um alegoria das mais profundas acerca dos Estados Unidos e sua queda, dando com isso um passo importantíssimo em sua carreira como diretor. No subtexto bem trabalhado de Foxcatcher, o interesse privado venceu, e a América livre foi esvaziada de qualquer sentido maior.

Nota: 9/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

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