quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Crítica: Livre

Reese Whiterspoon tenta, mas não consegue salvar filme de seu diretor

Por Pedro Strazza

Os filmes de sobrevivência, conhecidos lá fora como survival films, dependem de alguns elementos específicos para que funcionem propriamente. Levando aos limites a vida de seus personagens, tais obras precisam provocar no espectador, por exemplo, a sensação de isolamento vivida pelo protagonista (ou protagonistas, de vez em quando) naquele momento, elevando com isso a tensão natural dos fatos apresentados. Outro ponto bastante necessário é a presença do intérprete, que tem de ser capaz de trazer o público para dentro da situação e fazer com que este torça por ele em sua luta pela vida. É um papel que muitas vezes requer talento, e por isso talvez faça do subgênero um bom caminho a temporada de premiações nas categorias de atuação.
Depois de vermos atores como Tom Hanks, James Franco e Robert Redford se aventurarem sozinhos nessas histórias de superação própria em meio à iminente morte, é a hora de Reese Whiterspoon provar que também consegue fazer parte deste grupo de sobreviventes - ou morrer tentando, pelo menos. Em Livre, a atriz ganhadora do Oscar interpreta Cheryl Strayed, uma mulher que resolve percorrer a Pacific Crest Trail, uma das trilhas mais difíceis dos Estados Unidos, em homenagem à sua falecida mãe (Laura Dern), ao qual glorifica como modelo de vida. Solitária nesta jornada, ela terá de enfrentar perigos e obstáculos complicados, como comida fria, cobras, montanhas, botas pequenas e...
...uma produção de gosto duvidoso. Conduzido pelo diretor Jean-Marc Vallée, o filme - que é baseado em fatos reais - parece querer impedir o espectador de se conectar com sua protagonista em seu duro caminho trilhado, através dos inúmeros personagens secundários (e terciários, quartenários, etc.), que aparecem para socorrê-la nos momentos mais difíceis, ou da desequilibrada montagem de Martin Pensa e do próprio Vallée, que além de uma voz da consciência realiza cortes rápidos para flashbacks e sonhos muitas vezes desnecessários. Desta forma, a jornada empreendida por Cheryl torna-se rapidamente uma chatice previsível, já que seus maiores desafios quase sempre serão solucionados por outro.
Mas se a direção é equivocada, a atuação de Whiterspoon é eficiente. Quando não está sendo prejudicada por seu diretor ou pelo roteirista Nick Hornby, a atriz entrega à Strayed uma personalidade tocante, capaz de nos poucos momentos disponíveis realizar o movimento de aproximação com o espectador. E Reese faz isso com sutilezas interessantes, a exemplo de sua relação com a gigantesca mala que carrega em suas costas - um simbolismo convincente para os problemas em sua vida - ou de seu relacionamento com sua mãe, bem trabalhada na mão de Dern.
A relação maternal e o trabalho do elenco principal não escondem do filme suas fraquezas, porém. A mão de Vallée, tão boa em Clube de Compras Dallas, pesa muito mal para o longa, que aqui e ali encontra respiros e momentos mais dignos. E paara um filme intitulado Livre, é irônico que falte a solidão e a sobrevivência características deste perfil.

Nota: 4/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

0 comentários :

Postar um comentário