sábado, 18 de outubro de 2014

Crítica: Pássaro Branco na Nevasca

Análise social e feminista é perdida para resolver principal mistério da trama

Por Pedro Strazza

Baseado no livro homônimo e escrito por Laura Kasischke, Pássaro Branco na Nevasca já traz em seu início vários elementos de qualidade que facilmente poderiam o tornar uma obra-prima: a trama curiosa, o mistério instigante, a protagonista profunda, o elenco talentoso. Estes componentes, porém, são mal direcionados na mão do diretor e roteirista Gregg Araki, que escolhe focar em temas e situações nada interessantes, e a produção transforma-se em algo inconveniente e aborrecido. Mas me precipito.
A trama é simples. Kat (Shailene Woodley), uma adolescente de 17 anos, tem a sua vida alterada profundamente quando sua perturbada mãe Eve (Eva Green) desaparece de forma misteriosa, deixando para trás nenhuma pista de sua localização. Com o sumiço da genitora, Kat ganha mais liberdade em casa, mas logo começa a ser obrigada a confrontar a dura realidade que a permeia e envolve pessoas próxima dela como seu pai Brock (Christopher Meloni), seu namorado Phil (Shiloh Fernandez) e o detetive Scieziesciez (Thomas Jane).
O estranho desaparecimento é utilizado por Araki na primeira metade do longa como um fio condutor eficiente. É a partir desse, afinal, que Pássaro Branco começa a arranhar a superfície de uma crítica à sociedade, realizando-o de fato através dos flashbacks que revelam o problemático relacionamento entre Kat e Eve. Apesar das discussões acaloradas e das brigas constantes, mãe e filha possuem o mesmo perfil de mulher poderosa e em crise com seu futuro pré-estabelecido de dona-de-casa, algo natural se pensarmos no contexto de ascensão do feminismo ocorrido no final dos anos 80 e começo dos 90, justamente a época em que se passa o filme.
Mais curioso, porém, é a maneira como o mundo é encarado por essas duas protagonistas. Pela fotografia quase sempre fixa e o design de produção recheado de cores berrantes, Pássaro Branco na Nevasca revela aos poucos em sua primeira parte uma sociedade repleta de homens unidimensionais e enfraquecidos, dominados por mulheres de futuro promissor e muito mais profundas em seus desejos. Não à toa, os três principais seres masculinos que circundam Kat - Brock, Phil e Scieziesciez - são claramente superficiais em seus desejos e ambições, buscando encontrar apenas uma vida feliz e livre de preocupações.
Mas essa construção crítica do social tão bem apresentada e elaborada pelo roteiro é logo sabotada pelos próprias estruturas primordiais do filme. De sua metade até seu encerramento, o longa abandona uma interessante análise de gênero sobre o mundo para solucionar o mistério que deu início a esta, e faz isso com a ajuda de clichês óbvios e sem graça. A narrativa perde o controle, a direção de Araki se desequilibra e as performances de seu elenco são afetadas seriamente, tornando caricatas atuações antes concisas e equilibradas de Green e Woodley.
Ao subjugar a trama a este processo enfadonho, Pássaro Branco na Nevasca sabota sua própria construção e transforma sua complexidade em algo bobo e desnecessário. E o desfecho da obra, tão anti-climático e mal conduzido, é a prova maior do erro cometido.

Nota: 4/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

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