domingo, 26 de outubro de 2014

Crítica: Relatos Selvagens

Fúria irracional e cômica permeia antologia do cotidiano

Por Pedro Strazza

Se violência gera violência, o mundo de hoje está perdido, e o argentino Damián Szifrón sabe muito bem disso. Em Relatos Selvagens, seu terceiro longa-metragem como diretor, o cineasta traz na série de pequenos contos a agressividade do cotidiano, que acontece nos mais diferentes níveis e por diferentes razões. Elas carregam, entretanto, uma característica em comum: Todas foram geradas pelo ser humano e seus atos egoístas.
O egocentrismo de fato é um tema presente em todas as seis histórias escritas por Szifrón. Do pequeno prólogo que envolve uma série de coincidências absurdas em um avião até o desfecho em um casamento fadado ao fracasso, o filme traz em sua rica variedade de personagens a constante do privilégio aos próprios objetivos, e ensaia em alguns momentos um discurso de que a sociedade estaria em queda justamente pelo descaso com o próximo. O segmento Bombita, estrelado por Ricardo Darín, é o que mais evidencia essa tendência crítica da obra ao evidenciar a violência gerada pela relação submissa que o povo de forma insatisfatória tem com a corrupção.
Sob este aspecto, o problema maior do trabalho de Damián é a necessidade em precisar pontuar violentamente (ah, a ironia) a narrativa com pequenas lições de moral a cada novo capítulo mostrado. Sem sutilezas, o texto ácido do cineasta discorre críticas a diversos setores da sociedade, apontando-os como supostos culpados do estado agressivo que a humanidade vive. Discurso este que, claro, irá encontrar simpatizantes em vários espectadores insatisfeitos com o modelo atual de governo ou com os rumos da sociedade.
Digressões teóricas à parte, Relatos Selvagens é incrível pela maneira como constrói e evolue as suas cenas cotidianas de violência para causar humor. Sempre vindo de longe - repare como Szifrón mostra o perigo chegando ao personagem de Leonardo Sbaraglia e seu carro em O Mais Forte -, a fúria irracional é levada ao extremo pelo diretor e roteirista em cada um dos contos, e suas consequências desproporcionais aos eventos iniciais geram um humor negro dos mais risonhos. Não à toa, portanto, que as histórias dos motoristas e do casamento se destaquem com naturalidade das outras (também excelentes e muito interessantes) quatro, pois seus desfechos são os mais absurdos e hilários.
É na capacidade de fazer rir pelo exagero da violência cotidiana que o filme ganha força em sua narrativa e cria interesse nas histórias que conduz com sagacidade e bom ritmo, e não pelo discurso subtextual construído nestas. O grande truque empreendido por Szifrón aqui, porém, é o de oferecer em Relatos Selvagens os dois caminhos simultaneamente, sem prejudicar um ou outro no processo. Violência gera muita violência, mas isso não quer dizer que não possamos rir um pouco dela.

Nota: 8/10

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