sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Crítica: Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência

Roy Andersson, o comediante filósofo (ou é o contrário?)

Por Pedro Strazza

O humor é uma forma curiosa de se interpretar e criticar a sociedade e o ser humano. Pelo riso, diversos cineastas já trouxeram às telonas diversos temas sociais e filosóficos sob os mais variados ângulos, empregando a estes sua própria visão (geralmente com muito sarro) do assunto. E quando bem trabalhado, este processo "analítico-risonho" iniciado pelo "humorista" pode gerar um impacto estarrecedor no espectador.
No mundo do cinema, existem vários mestres do riso conhecidos por essa maneira pensante de fazer o público rir, e um deles é Roy Andersson. Sueco, ele é responsável por este Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência, filme que lhe rendeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza e encerra a sua trilogia "sobre ser um ser humano", iniciada por Songs From the Second Floor e Vocês, os Vivos.
O longa apresenta desde seu primeiro minuto todas as características de Andersson como diretor e roteirista. Pautada por vinhetas, a narrativa traz em meio à várias subtramas a história de Jonathan (Holger Andersson) e Sam (Nils Westblom), dois vendedores "de entretenimento" que procuram sobreviver da melhor maneira possível na fria e complicada Sué...
Ok, pra falar a verdade isso não interessa tanto. O que de fato importa (e impressiona) em Um Pombo é a maneira como Roy filma suas situações bizarras e as excêntricas pessoas envolvidas nestas, e como ele une todas elas para criar sua "teoria" sobre nós, seres humanos, e a existência. É pelos planos estáticos que forçam a evidência do ponto(s) de fuga - e que consequentemente fazem saltar à tela os cantos das paredes - dos cenários de cores frias e de seus personagens de duro movimento e faces pálidas, afinal, que o cineasta trabalha o seu pensar filosófico sobre a humanidade e suas problemáticas universais e eventualmente tira do público alguma risada alta ou disfarçada, fazendo-o refletir sobre aquilo que lhe é apresentado. Aqui, Andersson dá a impressão de ser um teórico disfarçado de humorista - ou pior, ser um humorista disfarçado de teórico! -, e parece transformar sem pudor algum a tela em um palco de teatro sueco (ou não) para alcançar seus objetivos.
O jeito como o diretor liga tudo isso, porém, é o grande atrativo de sua obra. Através da peculiar estrutura descrita acima, Andersson forma a sua narrativa por meio de elementos e personagens que como o refrão de uma música voltam para emendar os segmentos mostrados de forma sutil e risonha, a exemplo dos arrulhos de pombos que nunca aparecem ou da afirmação "Fico feliz de saber que você está bem", repetida cada vez mais dolorida pelas pessoas em cena. A recorrência da figura do pombo, por sinal, parece trazer à tona uma comparação curiosa entre a ave e o homem, como se nós, mesmo com toda a nossa complexidade, fôssemos tão ridículos e inúteis quanto o pássaro.
Deu pra ver o poder de reflexão do filme nesta última afirmação? Pois é isto mesmo que Roy Andersson procura e atinge em Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência. Na loucura e na comicidade, o sueco atinge uma profundidade filosófica invejável sobre o universo e todo o mais, e faz sair pensativo da sessão até o mais superficial dos homens. Ou assim ele espera.

Nota: 10/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

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