segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Crítica: Winter Sleep

Vencedor da Palma de Ouro traz visão desoladora da humanidade enquanto desconstrói seu protagonista

Por Pedro Strazza

Aydin (Haluk Bilginer) é um homem solitário. Mesmo sendo o dono de um pequeno hotel na fria e desértica Anatólia Central e que viva em companhia da jovem esposa Nihal (Melisa Sözen) e da irmã Necla (Demet Akbag), o ex-ator aparenta estar sempre isolado do mundo, e demonstra isto em sua postura encurvada e nas grandes olheiras presentes em seu rosto.
A tônica depressiva descrita no breve parágrafo acima é só um indício do quão desolador será Winter Sleep. Ganhador da Palma de Ouro, o novo trabalho do diretor turco Nuri Bilge Ceylan parte do dia-a-dia de Aydin para trazer à pauta complexos temas existencialistas da humanidade, ao qual discute em verborrágicas conversas entre seus personagens. Estes debates, porém, em nenhum momento trazem esperança ou sequer um lado positivo, refletindo-se de forma emocionalmente impactante naqueles que o debatem.
Mas as pessoas que aparecem em cena e cercam a vida do protagonista só tem sua personalidade afetada por essas discussões por justamente trazerem nessa um perfil falho e deveras machucado por seus erros passados, ao qual maquiam para conseguir viver bem consigo mesmas. Não à toa, Ceylan insiste em filmar seus personagens pelas costas, denotando uma clara necessidade destes em esconder seu verdadeiros medos e anseios do resto do mundo.
O real brilhantismo do filme, entretanto, é o de alinhar esse jogo social com a análise de Aydin e sua própria personalidade falha. Realizado substancialmente em três grandes temas - o problema com o inquilino, a briga com a recém-divorciada irmã e o problemático casamento com Nihal -, o longa desconstrói seu protagonista para revelar sua faceta contraditória, a de um homem que vive das glórias do passado de estrela e não consegue se decidir sobre qual caminho tomar no presente. E a atuação de Bilginer só torna ainda mais evidente os problemas de Aydin ao dar a este uma atitude não muito batalhadora e que pouco se importa com os outros - apesar de tentar demonstrar esta última levianamente em vários momentos da projeção.
O desenvolvimento narrativo de Winter Sleep é algo incrível ao conseguir juntar o questionamento existencial com uma análise de personagem contundente, mas é prejudicada de maneira severa pela própria direção e montagem da produção. Os diálogos, que chegam a levar mais de 20 minutos para serem concluídos, ganham um peso desnecessário na mão de Ceylan, tornando-os parados e monótonos. A edição, por outro lado, é arrastada e contribui para deixar a obra bastante cansativa em suas quase três horas e meia de duração.
Com um elenco excelente e um roteiro denso, Winter Sleep é um filme pessimista sobre a humanidade e seu protagonista, ao qual denota um perfil falho e irremediável. Mesmo lento em seus extensos diálogos, o longa traz através destes uma perspectiva depressiva sobre o ser humano, gerando impacto sobre o espectador. E nenhuma comparação com a humanidade é mais gritante que a visão de um cavalo escapando de uma poça de lama, mas incapaz de prosseguir depois de salvo.

Nota: 7/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

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