sábado, 1 de novembro de 2014

Crítica: Boyhood - Da Infância à Juventude

Novo trabalho de Richard Linklater encanta pela abordagem sensível e sutil de tema complicado

Por Pedro Strazza

O tempo é uma entidade poderosa em nossa existência. É ele que presencia todas as histórias criadas e desenvolvidas, acompanhando o nascimento, o crescimento e o fim de cada uma das vidas humanas. Seu maior poder, entretanto, é a sua continuidade eterna, que por não parar oferece a nós, seres humanos, poucas oportunidades de olhar para trás e compreender o quão rápido nos modificamos em um curto período de... tempo. Pois afinal, quem não mudou seu perfil, mesmo que levemente, após um ano (ou um mês, ou uma semana, ou um dia...) de existência?
Esta reflexão existencial nada discreta deve ter sido um dos motivos para o diretor e roteirista Richard Linklater ter começado, no fim da década de 90, a produção de Boyhood - Da Infância à Juventude. De início com um pequeno elenco, o cineasta filmou nesses últimos doze anos a história sobre a infância e adolescência de Mason Jr. (Ellar Coltrane), assistindo em consequência o crescimento e envelhecimento natural de seus atores e atrizes. O resultado final de tal experiência cinematográfica é uma epopeia cotidiana sobre o tempo e seus efeitos, que são tratados por Linklater com cuidado e sutileza impecáveis.
Para alcançar tal graciosidade, o cineasta se utiliza de estruturas narrativas leves e muitas vezes clichê, mas se guia no processo somente pelo protagonista e as histórias que o cercam. Isso porque o filme, assim como a vida, é uma sequência de arcos intercalados e simultâneos: Grandes ou pequenos, eles são muitas vezes apresentados a Mason Jr. (e o espectador, com isso) em segundo plano, e ganham destaque e maior relevância a cada ano passado. E isso se observa principalmente em coadjuvantes como o professor Bill Welbrock (Marco Perella), cujo casamento com Olivia (Patricia Arquette) e o problema com a bebida vão do auto-controle feliz ao desastre completo em questão de minutos no longa.
O grande destaque de Boyhood, porém, são os arcos desenvolvidos por Mason Jr. e sua família, construídos psicologicamente por Linklater com tanta eficácia. Sem nenhum alarde, o filme evidencia o perfil do protagonista e seus membros familiares mais próximos pelos pequenos atos e detalhes, como o carro que o pai Mason (Ethan Hawke) usa na grande maioria do longa, as desastrosas escolhas de marido feitas pela mãe Olivia após o primeiro casamento ou até o comportamento mais rebelde da irmã Samantha (Lorelei Linklater) quando criança. É destes minimalismos que o diretor guia o espectador na passagem do tempo e suas mudanças, e o faz aceitar com naturalidade as escolhas tomadas pelos personagens.
Mas a compreensão do caminho tomado é bem mais fortalecida no protagonista, interpretado com excelência por Ellar Coltrane. Sendo a pessoa que mais sofre alterações físicas e emocionais, a trilha percorrida por Mason Jr. é captada pela obra com sensibilidade suficiente para que o público se envolva com ele e sinta suas dores e vitórias conforme cresce. O acerto maior da produção, entretanto, é a capacidade de manter no personagem, da infância à juventude, o mesmo perfil doce e calmo, tornando-a uma constante em toda a metamorfose temporal realizada.
A maneira como o filme faz passar o tempo é outro ponto muito bem elaborado. Sem precisar pontuar de forma clara através de uma legenda ou coisa do gênero, Linklater torna perceptível a mudança de ano por meio da própria mudança física das pessoas que acompanha (o cabelo de Mason Jr., por exemplo) ou de diálogos, objetos e eventos bastante temporais, como músicas, videogames, lançamentos de livros e campanhas políticas - e inclui, em um clássico papo pai-e-filho, até uma não planejada ironia bem humorada com o futuro de Star Wars.
Com discussões sobre assuntos universais e uma narrativa leve e tocante, Boyhood - Da Infância à Juventude é uma experiência cinematográfica fascinante, capaz de discursar sobre o tempo e a humanidade com sensibilidade. Com uma história do cotidiano e sem nenhuma grande reviravolta, Linklater traz à tona uma obra-prima que aborda com delicadeza do tempo, um tema tratado tantas vezes com peso pelo cinema. E a prova maior do sucesso da produção é o próprio espectador, que termina o filme com a sensação de querer ver mais da vida de Mason Jr. e sua família.

Nota: 10/10

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