domingo, 9 de novembro de 2014

Crítica: Interestelar

Falta encantamento com o universo em novo trabalho de Christopher Nolan

Por Pedro Strazza


Christopher Nolan se destaca como diretor no contexto cinematográfico atual por trazer lucro aos estúdios que o financiam com filmes autorais, algo bastante complicado de se realizar. Em menos de dez longas, Nolan construiu uma bem estabelecida reputação de "grande cineasta" através de verdadeiras obras-primas como A Origem, O Grande Truque e, claro, a trilogia O Cavaleiro das Trevas, trabalhando em todas com seu agora reconhecido estilo de fazer cinema.


Este seu procedimento de direção, porém, pode às vezes não contribuir como deveria às suas intenções, e Interestelar prova isso da maneira mais dolorida possível. O roteiro e outros aspectos deveras interessantes do nono trabalho do diretor, afinal, sofrem demais com as escolhas tomadas por ele para captar os acontecimentos retratados, tornando a obra irregular e em alguns momentos até incoerente com sua narrativa previamente estabelecida. E as consequências disso são severas.

Prometido desde sua concepção como inovador e brilhante, a trama de Interestelar parte de uma base não muito original: A extinção da humanidade. Após anos e anos de exploração da Terra, o planeta em que vivemos finalmente cobrou seu preço, e agora a sociedade alimenta-se apenas de milho e sobrevive a tenebrosas tempestades de poeira. Nesse mundo de dias contados vive Cooper (Matthew McConaughey), um engenheiro pai de dois filhos que vive com o pai Donald (John Lithgow) em uma fazenda do interior dos Estados Unidos. Preocupado com o futuro das crianças, ele aceita participar da missão final de uma combalida Nasa para, junto da Dra. Brand (Anne Hathaway) e dos especialistas Romilly (David Gyasi) e Doyle (Wes Bentley), atravessar um buraco de minhoca e verificar se três planetas localizados em outra galáxia tem potencial para ser habitados.

É uma ideia simples, mas que é desenvolvida no roteiro por Nolan e seu irmão Jonathan com uma complexidade fascinante em seus dois primeiros terços. Utilizando-se das teorias desenvolvidas pelo físico Kip Thorne e de conceitos básicos da física quântica, o longa encanta o espectador ao explorar o universo em um tom realista, através da visão de formações estelares impressionantes (não é todo dia que se vê um buraco-negro no cinema, convenhamos), e brincar de forma responsável com essas noções científicas. A história, assim, ganha a força e o peso ideais para progredir com vigor.

Outro ponto bastante positivo em Interestelar é a maneira como este se esforça em desenvolver suas relações humanas. Nolan, que sempre desprezou este lado em suas produções, traz visível preocupação em mostrar na primeira parte, por exemplo, a forte conexão emocional entre Cooper e a filha Murph (Mackenzie Foy quando criança, Jessica Chastain na fase adulta), cuja ligação é central no roteiro e importante para determinados segmentos da trama, através de atos isolados, como a perseguição ao drone. E mesmo que soe artificial em alguns momentos, a dramaturgia é suficiente para o público se conectar aos personagens e seus dilemas superficiais.

O acerto destes dois aspectos da produção, entretanto, não escondem os seus inúmeros defeitos técnicos e narrativos, gerados em sua maioria pelo estilo do próprio diretor. Isso porque algumas das características do cinema de Nolan acabam por se chocar com conceitos da ficção científica, e isso sublima pontos excelentes do filme. Dessa maneira, a necessidade do cineasta em abusar de diálogos expositivos subtrai das cenas o encantamento com o espetáculo visual oferecido aos personagens, enquanto o uso incessante de planos fechados e focados somente na reação dos atores entra em conflito direto com a belíssima trilha sonora de Hans Zimmer, que do uso de órgãos busca tirar do universo uma contemplação quase religiosa do que (não) é mostrado.

Mas o grande problema do longa sem dúvida é o seu terceiro e derradeiro ato, sabotado principalmente pelo absurdo narrativo que expõe. A pesada estrutura armada por Nolan, preparada em terreno racional, desaba quando trai seus conceitos físicos para elaborar um desfecho pautado no emocional, uma área que o diretor mostra dificuldade e é amparada somente pela sensível atuação de McConaughey. Incoerências são geradas, e a sensação final é de estranhamento.

Talvez pelos vícios de seu diretor, talvez pela promessa exacerbada, Interestelar é um filme que fracassa em suas ambições e tentativas bem intencionadas. É um fracasso, porém, bastante entretivo e curioso, do qual Nolan consegue emular bons momentos mesmo com todos os seus problemas. É um tropeço significativo na carreira do cineasta, sem dúvida alguma, mas não tão grave para o público perder a confiança nele e quebrar sua reputação.

Nota: 6/10

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