sábado, 14 de fevereiro de 2015

Crítica: Cinquenta Tons de Cinza

O prazer sexual visto pelo machismo contido da contemporaneidade.

Por Pedro Strazza.

Embora seja uma indústria pautada pela liberdade de expressão, Hollywood ainda hoje se mantém um pouco mais conservadora em determinados temas, restringindo pela censura sua exibição nas obras cinematográficas que produz. Dentre estes tabus, o sexo surge em destaque, e em quase todos os casos é responsável por uma produção acabar com uma censura mais alta, mesmo que ela apenas toque no assunto por meio de um seio exibido ao fundo de uma cena. É algo que não deixa de ser curioso, se pensarmos no ato em si como parte de nossa essência natural.

É esse medo de mostrar mais deste nosso lado animalesco que tem grande parcela de culpa (mas não total, como explicarei adiante) no resultado final da adaptação de Cinquenta Tons de Cinza para o cinema. A história que começou como uma fan-fiction de Crepúsculo e terminou como uma trilogia erótica de sucesso nas livrarias - e agora muito possivelmente nas bilheterias - é tratada pela roteirista Kelly Marcel e a diretora Sam Taylor-Johnson com toda as restrições possíveis, geradas talvez por um conteúdo mais "picante" que o normal no cinema tradicional estadunidense. Com isso, o longa lima de sua narrativa o quesito com maiores chances de chamar a atenção do público para as salas de cinema e que o marketing do projeto fez questão de assinalar em suas peças publicitárias.

Não que o sexo esteja ausente no filme (porque se estivesse seria certo a indignação dos fãs), mas sua exibição é fria e mecânica. Nos poucos momentos em que é mostrado, o ato luxurioso é desprovido de alma ou sensualidade pela direção, que mesmo usando de todos os elementos possíveis para fazer o inverso prefere retratar o erótico como errado. É como se a transa exercida por Anastasia Steele (Dakota Johnson) e Christian Grey (Jamie Dornan) fosse apresentada ao espectador por um religioso ao mesmo tempo conservador radical e fã da carnalidade das músicas de cantoras como Madonna, Lady Gaga ou Beyoncé - esta última inclusive presente na trilha sonora e responsável por tentar trazer volúpia a um desses momentos "errados" da carne.

A sensação proibitiva imposta, porém, não se restringe apenas ao coito. A própria relação entre Anastasia e Christian surge nesse contexto, e é tratada pelo último como impossível de acontecer. O motivo? Seu lado negro escondido na dominação, o sexo abusivo que o tenta seguidas vezes a tomar a mulher com exclusividade para si e controlar todos os atos de sua vida, punindo-a se não aceitar sua demanda. Seria um ato bonito, se não fosse todo o machismo enraizado na mente doentia de tal personagem.

Porque Cinquenta Tons de Cinza é de fato uma obra conservadora e anti-feminista ao extremo, e isso só fica mais evidente na confusão que faz ao transpor o prazer sexual gerado quiçá pela relação entre dominador e submisso para o dia-a-dia dos dois. Enquanto Grey é um homem rico, poderoso, desejado por todas as mulheres e que "não faz amor, mas fode com força", Anastasia é a representação suprema da moça virginal, e é não somente tímida e ingênua como também desejosa apenas do príncipe encantado que a comande em todos os passos de sua vida - e Grey, para seu alívio, aparece galante e assustador na ameaçadora e imponente floresta de prédios de Seattle para satisfazer sua meta.

É um argumento fraco e sem sustentação, que logo se tornaria uma comédia de absurdos nas mãos certas. O problema é que este lado humorístico não é percebido e utilizado pela produção, e com rapidez se torna uma aborrecida sequência de diálogos supérfluos. No final, Cinquenta Tons de Cinza é uma longa, chata e conservadora discussão de uma relação, sendo provavelmente uma das mais duradouras da história do cinema.

E olha que eles nem estavam num relacionamento sério.

Nota: 1/10

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