domingo, 22 de março de 2015

Crítica: Dívida de Honra

Tommy Lee Jones desconstrói papel da mulher no Velho Oeste estadunidense.

Por Pedro Strazza.

Não chega a ser mistério para ninguém que o faroeste seja um dos gêneros com maior disposição a emitir machismos em suas histórias. A expansão para o Oeste realizada nos Estados Unidos entre os séculos XVIII e XIX foi comandada e executada por homens, e à mulher não sobrou muito para fazer além do cuidado da casa e o útero capaz de alimentar a conquista do terreno "selvagem" de mais soldados - e isso foi repercutido à exaustão por grande parte das produções do consagrado cinema de John Ford e Howard Hanks.
A situação da mulher em um ambiente tão insalubre, porém, não deixa de ser uma questão interessante e digna de problematização e análise no movimento revisionista do gênero, e é exatamente isto que Tommy Lee Jones faz em Dívida de Honra, seu segundo longa-metragem como diretor.
Baseado na obra homônima de Glendon Swarthout, o filme conta a história de Mary Bee Cuddy (Hilary Swank), uma fazendeira solteira de um vilarejo localizado no meio do Nebraska que recebe a tarefa de levar três mulheres enlouquecidas (Grace Gummer, Miranda Otto e Sonja Richter) para a Costa Leste, onde serão tratadas e reintroduzidas à sociedade pela paróquia do local. E para ajudá-la nessa nada habitual tarefa (normalmente dada a homens), Cuddy tem apenas empregado o posseiro trambiqueiro George Briggs (Jones), que tem a dívida do título com ela por ter sua vida salva por Mary Bee.
Por mais que use em essência uma estrutura clássica do faroeste - a famosa jornada de travessia -, de resto a obra dirigida por Jones sai por completo dos clichês e maneirismos da categoria. Não existem aqui grandes, misteriosos e masculinos mocinhos para fazer justiça aos mais fracos ou vilões recorrentes que sempre estão de preto; em seu lugar, surgem seres humanos combalidos, rechaçados pelo sistema impiedoso da época e que fazem a viagem inversa de seus compatriotas após verem frustradas suas esperanças de novas oportunidades nas terras inexploradas do continente.
E quem melhor para representar essa falta de chances na América do Velho Oeste que a mulher? Além das três loucas carregadas como objeto na carroça, todas elas esposas levadas a esse estado após verem sua função primordial naquela sociedade destruída de maneira arrasadora, a própria Mary Bee Cuddy também traz em seu ser a desesperança de seu gênero, já que é uma fêmea adulta sem marido para cuidar. Não à toa, seu arco no roteiro escrito por Jones, Kieran Fitzgerald e Wesley A. Oliver é o de enlouquecimento, feito por justamente se ver forçada a retornar fracassada ao lar.
Mas o estudo do feminino não se faz sem voltar essa desconstrução do papel para o homem da época analisada. Assim, Tommy Lee Jones (um ator conhecido pelos personagens patrulheiros e rangers) encarna o lado oposto dessa balança sem equilíbrio e faz de seu Briggs a testemunha deste sofrimento da mulher, que mesmo conscientizado da dor infligida a esse gênero nada tem a fazer sobre o cenário que vive.
Ainda que tenha problemas claros de narrativa - Tommy Lee Jones se demora demais para estabelecer no início a teatralidade de sua história a partir do reforço de linhas em planos frontais e laterais - e alguns momentos mal encaixados, como a passagem no hotel do personagem de James Spader, Dívida de Honra é primordialmente uma revisão de um estereótipo presente em um gênero. E mesmo não sendo feminista ou inédito, ele não deixa de ser um trabalho importante.

Nota: 8/10

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