sábado, 14 de março de 2015

Crítica: Golpe Duplo

Novo trabalho de Glenn Ficarra e John Requa sofre sem confiança do espectador.

Por Pedro Strazza.

É interessante analisar a trajetória do farsante na História do cinema. Figura clássica, esse tipo de personagem nunca sofreu grandes alterações em sua essência, mantendo (e no máximo retocando com sutileza) as características básicas presentes nos mais diferentes gêneros e épocas. Seja em Golpe de Mestre, Onze Homens e Um Segredo ou até em As Loucuras de Dick e Jane, o mentiroso mantém a irreverência e o charme, pronto para aplicar o seu golpe na primeira oportunidade oferecida - esta planejada aos mínimos detalhes muito antes do processo começar.

Em Golpe Duplo, esses aspectos primordiais do ladrão são novamente repetidos pelos diretores e roteiristas Glenn Ficarra e John Requa para brincar com os clichês das engenhosas artimanhas e amores improváveis do nicho. A história protagonizada por Nicky (Will Smith) e Jess (Margot Robbie), afinal, não esconde do público sua predisposição em seguir toda a cartilha de reviravoltas presentes nessa categoria de filme, mas também mostra estar confortável em apenas entreter sem reflexões maiores.

A posição tomada pela obra tanto funciona quanto prejudica sua estrutura. Se em alguns momentos o longa oferece ótimos momentos de descompromisso e rasicidade, como na relação desenvolvida entre os dois personagens principais - mistura-se aprendizado com paixão sem nenhuma parcimônia, mas ninguém na produção ali parece preocupado em trabalhar isso direito -, em outros ele parece se embananar ao ter que contar sua própria trama de golpe.

Isso ocorre porque a própria narrativa de Golpe Duplo é incoerente com seu gênero. Já com a negativa de centrar suas atenções em protagonistas extremamente unidimensionais - e que nada oferecem para Smith e Robbie trabalharem suas atuações -, o filme busca sem motivo algum realizar dois grandes estratagemas em dois momentos distintos de seu enredo despretensioso. O resultado é óbvio: com a confiança traída na primeira artimanha (ocorrida na metade da duração do longa), o espectador não consegue ter sua atenção levada para aonde Ficarra e Requa querem que ela vá, e fica curioso apenas em quando (e não como) a virada de roteiro irá acontecer na (demasiada extensa e repleta de coadjuvantes dispensáveis) segunda parte.

Isso não significa, porém, que a obra errou por completo dentro de seu gênero. Mesmo enquadrada como problema maior na construção da história e com explicações nada plausíveis, a primeira artimanha é muito bem elaborada ao criar no público a sensação de irritação com os clichês oferecidos em seu início (o problema de Nicky com o jogo, o azar contínuo que geralmente surge nesse momento da trama, etc), feitos para desviar a atenção do observador e logo depois surpreendê-lo com o que de fato está acontecendo naquela situação.

Ainda com uma fotografia acertada quando lhe é permitida a originalidade (as duas inversões de perspectiva geradas por Xavier Grobet são deliciosas de se presenciar), Golpe Duplo é um filme que fracassa ao estabelecer a simplicidade e depois buscar a ambição. Junto do casal protagonista, Ficarra e Requa fazem no começo uma história sem maiores anseios, mas esquecem disso lá para o meio dela e complicam tudo para atingir nada.

Nota: 5/10

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