sábado, 2 de maio de 2015

Crítica: Entre Abelhas

Comédia dramática problematiza menos e brinca mais com alienação progressiva da sociedade atual.

Por Pedro Strazza.

Bruno (Fábio Porchat) não está no melhor momento de sua vida. Seu casamento com Regina (Giovanna Lancellotti) foi por água abaixo sem motivo aparente, obrigando-o a voltar a viver na casa da mãe (Irene Ravache); o amigo Davi (Marcos Veras), apesar de preocupado com ele, tem problemas maiores para lidar que a "libertação" do camarada; e pra piorar tudo, Fabio inexplicavelmente começou a deixar de ver as pessoas.
Esse evento sobrenatural, típico de obras como a do falecido José Saramago, é o pontapé inicial de Entre Abelhas, e sua falta de sentido é o que conduz a narrativa desenvolvida pelo diretor Ian Sbf, que assina ao lado de Porchat o roteiro do filme. É uma doença, uma consequência do stress, um defeito do cérebro? Nenhuma interpretação racional dos fatos consegue trazer para a realidade a condição de Fabio, que dia após dia vê menos a sociedade a seu redor e começa até a não enxergar mais amigos, parentes e pessoas próximas.
Usada sem maiores elaborações como crítica ao alienamento do ser humano nos tempos atuais, o mistério da "cegueira humana" é desenvolvida aos trancos na comédia dramática, sendo muito mais utilizada para fins cômicos que qualquer outra coisa. Explica-se assim a estrutura esquemática da produção, feita para facilitar a construção das cenas humorísticas encadeadas uma atrás da outra, e a sensação de incompletude criada no desfecho da história. Falta ao longa uma maior ambição, que não subestime o potencial de sua curiosa premissa e capaz de levá-la para caminhos inusitados ao espectador.
A sorte de Entre Abelhas é que quem o conduz seu humor, tanto pelo lado técnico quanto de atuação, tem experiência no assunto. Assim como em seus trabalhos no Porta dos Fundos, Ian e Porchat sabem bem como evitar o uso simples do exagero e do estereótipo típicos da comédia nacional, e emprega-os de maneira inteligente nas situações concebidas no filme. Exemplos claros disso são os personagens de Davi e Nildo (Luis Lobianco): Enquanto o primeiro diverte pela caricatural postura preconceituosa e não pelos impropérios que dispara, o atendente de pizza não é motivo de risos pela aparência ou a condição social (algo que com certeza seria usado em mãos menos cientes), mas pelas loucuras ao qual é obrigado a passar para ajudar a curar o protagonista.
Enquanto isso, Porchat encanta pela maneira sóbria com a qual interpreta Bruno. Muitas vezes exagerado nas comédias que participa, aqui o humorista faz um personagem de poucos sorrisos, sem esperanças nas mudanças abruptas ocorridas em pouco tempo e incapaz de perceber a existência do próximo, fisicamente ou emocionalmente. Sua participação cômica nunca é estourada, e depende quase sempre dos diálogos protagonizados.
No fim, não chega a ser surpresa que Entre Abelhas se revele uma simples história de amor. Com poucas pretensões no tema que problematiza e muito mais interessado em questões de gênero cinematográfico, o filme frustra aqueles atrás de uma reflexão maior na trama contada por sua simplicidade, mas entretém o suficiente para que essa decepção passe tão desapercebida quanto a sociedade para o protagonista.

Nota: 6/10

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  • Ela: A mesma temática, só que com uma problematização maior e mais eficiente.
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