segunda-feira, 8 de junho de 2015

Crítica: A Espiã que Sabia de Menos

Filme questiona machismo sem esquecer de divertir.

Por Pedro Strazza.

O humor funciona muito bem como elemento questionador de valores presentes nas histórias mais tradicionais, e os filmes de espionagem parecem ter voltado com tudo à pauta deste processo de desconstrução. Depois de Kingsman realizar sua homenagem paródica aos clássicos, é a vez de Paul Feig empregar a sua filosofia do "girl power da chacota" para demolir de vez em A Espiã que Sabia de Menos os pilares que sustentam o mundo dos espiões cinematográficos.

Mas enquanto o longa de Matthew Vaughn se basta em reverenciar com um sorriso o espião do passado, Feig não demonstra o mesmo respeito e vai na jugular do machismo inerente a essas histórias, característica presente no subgênero desde sua gênese. Nas aventuras vividas por James Bond e outros agentes secretos, afinal, há uma glorificação quase exagerada da figura masculina e uma consequente depreciação da feminina, relegada quase sempre à posição de bela secretária ou interesse amoroso superficial.

Assim, não chega a ser surpresa que A Espiã que Sabia de Menos apresente como protagonista uma antítese desse perfil, a pouco atraente e invisível Susan Cooper (Melissa McCarthy). Agente da CIA que trabalha atrás das mesas, ela cumpre sua função de "olhos e ouvidos" do galante e bem sucedido espião Bradley Fine (Jude Law) quase de maneira submissa, auxiliando-o em suas missões e resolvendo seus problemas domésticos sem pedir nada em troca. Mas quando Fine é morto na tentativa de resgate de uma ogiva nuclear e nenhum agente de campo pode cumprir a tarefa, é Cooper que assume o trabalho e sai de sua condição de inexistência para salvar o dia, tendo que enfrentar na mesma medida perigosos criminosos e a resistência de seus colegas.

É justamente desse choque com o sistema que o filme tira o humor da produção. Dos combates e perseguições às humilhações vividas por Susan, o longa usa do arco de crescimento vivido pela personagem para debochar das presunções do subgênero e da própria sociedade, retratando como imbecis rasos os agentes idealizados - papéis de Law e Jason Statham, este último acertadamente caricato para compor seu herói das lendas nunca vistas - e passando o protagonismo verdadeiro às mulheres. E essa mudança de papéis não é feita sem o prazer da descoberta, como bem indica as sucessivas surpresas do tipo "Uau, eu também posso fazer isso?" que as personagens femininas de McCarthy, Mirand Hart e Rose Byrne descobrem ao longo da história.

A comédia que o diretor e roteirista propõe fazer, porém, encontra problemas na própria escatologia. Ainda que esteja controlado, o humor gráfico de Feig ainda não encaixa como deveria na sua proposta, e soa por vezes artificial na sua execução - especialmente nos combates, onde surge para encerrar a cena apenas para dar maior ênfase cômica às situações apresentadas.

Nos dois primeiros trabalhos de sua parceria (Missão Madrinha de Casamento e As Bem Armadas), Feig e McCarthy ainda não entendiam muito bem como alinhar a sua história de viés feminista com a comédia por equivocadamente acreditar que o humor de tipos - o gordo é engraçado pela sua fisiologia, a mulher solteira é ranzinza, etc. - seria o caminho certo. Em A Espiã que Sabia de Menos, a dupla parece ter achado um rumo mais certo, pois encontra no subgênero ao qual ri tão descaradamente um material mais amplo e espaçoso para trabalhar sua questionadora inversão de gêneros, sem esquecer de entregar um bom entretenimento no processo.

Nota: 7/10

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