quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Crítica: Califórnia

Filme de coming of age sofre na indecisão da proposta.

Por Pedro Strazza.

Já se percebe o tom autoral de Califórnia logo nos primeiros segundos de tela da protagonista Estela. Interpretada por Clara Gallo, a moça é visualmente uma versão adolescente perfeita da diretora Marina Person, e a maneira como o quarto e os pertences da personagem são filmados pela cineasta, com todo o ar solene e de preciosidade, acaba com a dúvida em rápidos segundos.
Isso talvez não chegue a ser uma grande surpresa. Estreia de Person em longas de ficção, ela parece usar aqui dos filmes sobre adolescência e coming of age para realizar uma volta ao passado e sua própria juventude, vivida no meio dos anos 80 e da transição da ditadura militar para a democracia. O que ela busca com esse retorno é na verdade a grande pergunta da obra, que acompanha o lento despertar sexual de seu alter-ego em simultâneo com o retorno do tio da personagem (vivido por Caio Blat) da Califórnia.
O estado californiano assume na obra um quê de paraíso, um lugar onde o ápice da juventude parece ser eterno e gratificante. Não à toa, o tio de Estela é tratado pela garota com toda a reverência possível no primeiro ato por ter ido e vivido no local, mas mesmo conforme os porquês de sua volta ao Brasil serem explicados e sua condição decair aos poucos a região não perde no longa o seu quê de paraíso adolescente. Na realidade, ele se aproxima mais e mais, adquirindo quase um tom ameaçador em sua inevitabilidade.
Sim, a Califórnia é a grande metáfora de Person para o crescimento, e a paleta de cores cada vez mais colorida na narrativa atesta isso. A questão a ser problematizada aqui, porém, é se esse desenvolvimento consegue atingir o público sendo um arco particular e autobiográfico de sua própria autora.
Esse problema permeia a trama inteira do filme. Ao mesmo tempo em que o roteiro escrito por Person, Francisco Guarnieri e Mariana Veríssimo estende a mão ao jovem (seu público-alvo, óbvio) se identificar com a história e os personagens, a diretora interioriza a protagonista atrás de uma metáfora para sua evolução como cineasta, com poucas brechas para o espectador se conectar. É um conflito de visão básico, mas que cujo atrai-repulsa acaba sendo determinante para sua eventual fragmentação e aos poucos começa a afetar esses tipos de produção, indecisos entre permanecer no lado universal ou seguir pelo caminho da jornada autoral.
No fundo, Califórnia acaba por funcionar mais como um retrato indireto da geração de jovens desse começo de século que qualquer outra coisa. Embora passado em 1984 e longe de avanços tecnológicos como o celular e o computador, o longa traz saudosismos e modismos que ainda permanecem nos jovens dos dias de hoje, que ainda veem David Bowie como ídolo e dizem ter curtido os irmãos Coen "antes deles serem cool".

Nota: 5/10

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