terça-feira, 20 de outubro de 2015

Crítica: Sicario - Terra de Ninguém

Exercício de gênero, novo trabalho de diretor de Os Suspeitos faz do literalismo estrela-guia.

Por Pedro Strazza.

A princípio, Sicario - Terra de Ninguém soa como mais um dos suspenses com tons de sadismo do diretor Denis Villeneuve. A invasão de uma unidade do FBI a uma típica casa do interior do Texas, que termina em uma reviravolta digna dos filmes de terror, apresenta todas as características de direção do canadense (planos fechados, claustrofóbicos, enervantes por essência) em uma paleta de cores claras, baseada em um bege claro e forte. Mas como o twist destes primeiros quinze minutos, nada é exatamente o que parece.

A bem da verdade, o longa escrito por Taylor Sheridan é mais um típico faroeste contemporâneo, que situado na guerra do narcotráfico busca tirar do conflito a mesma noção ensinada em clássicos do gênero sobre a questão indígena: o banho de sangue provocado pelas brigas de território sempre envolvem no fim a rivalidade entre grandes famílias que na realidade dependem uma da outra. No caso de Sicario, esse conceito é tão abstrato quanto os domínios territoriais do crime ou os corpos nas paredes de casa, esta última a primeira das muitas metáforas levadas ao pé da letra pela obra.

Aqui bastante íntimo das questões de imigração, essa disputa territorial é tratada pelo filme com todo o ar de inédito, mas no fim acaba por vomitar na tela os lugares-comuns habituais do tema. O estrangeiro como ameaça à família tradicional estadunidense, o uso do mal para derrubar outro mal, a falta de espaço para a pureza e suas noções ingênuas (representadas na solitária figura feminina de uma Emily Blunt exausta)... os clichês se acumulam desordenadamente, entregando a produção a convenções narrativas previsíveis.

O que salva Terra de Ninguém de ser esse "apenas mais um no monte" e traz de fato alguma novidade ao faroeste é Villeneuve, que aproveita da tensão natural da história para fazer seus sets de suspense. Menos inspirado em relação a outros trabalhos (Os Suspeitos continua seu melhor exercício neste quesito) e embalado por uma trilha pouco eficaz de Jóhann Jóhannsson, o diretor é capaz de enervar o ânimo do espectador ao jogar com a incerteza do que está acontecendo. O ápice vem, claro, na ação dentro dos túneis que é o clímax do terceiro ato, onde o clima de insegurança concebido é complementado pelo ótimo jogo de sombras desenvolvido pela fotografia de Roger Deakins - pontuado no início dessa sequência por um belo plano de "mergulho" às trevas.

Também contribui para o filme o ótimo elenco, que mesmo sendo em teoria encabeçado por Emily Blunt reside toda a sua força no personagem de Benicio Del Toro. Cavaleiro solitário da vez, o suspeito agente federal do mexicano carrega todos os tiques da figura consagrada na Trilogia dos Dólares de Sergio Leone, voltadas agora para toda a velha brincadeira do bem com tons de cinza e uma roupa de black ops da história. E se Blunt surge apagada como o contraponto ingênuo de sua existência (a mulher mais uma vez presa a esse velho clichê do faroeste), Josh Brolin é o federal arrogante, a figura de autoridade que somente deseja preservar os valores tradicionais de sua sociedade pela aniquilação da outra.

É curioso que, para um filme que se preze novo e instigante, Sicario seja um exercício de gênero com pinceladas de outro sobre uma discussão que no fundo é um grande Fla-Flu maniqueísta, legitimado na última cena com uma partida de futebol - mais um desses literalismos que a obra parece incapaz de evitar. Villeneuve e Sheridan até tentam propor uma visão do outro lado pelas cenas envolvendo as interações do personagem de Maximiliano Hernández com sua família, mas o moralismo inerente à trama impede qualquer tipo de reflexão maior no âmbito.

Nota: 7/10

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