segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Crítica: Boi Neon

Gabriel Mascaro aposta na imagem para falar do social.

Por Pedro Strazza.

Tornou-se meio que um clichê mal assumido do cinema brasileiro que o Nordeste rural serve ao país como exportador interno de mão-de-obra e recursos para as grandes cidades. Quase sempre retratado como uma terra sem grandes oportunidades e algumas vezes desolada, essa região é considerada por muitos uma base necessária e não reconhecida da economia brasileira, fornecendo os elementos necessários à economia sem contudo pedir algo equivalente em troca.

Esta presunção equivocada é posta em questão em Boi Neon, longa cujos valores são o de justamente evidenciar ao público a existência desta reciprocidade. É de apropriação e combinação que vive afinal o filme escrito e dirigido por Gabriel Mascaro, e nada é mais gritante que cenas como a da construção de um shopping "do futuro" ou a de um homem catando manequins em um lamaçal que serve como lixão. Aqui, o jogo de contrastes é a principal regra a ser seguida.

Na história, acompanhamos Iremar (Juliano Cazarré), homem viril que trabalha no cuidado do gado que serve aos espetáculos de rodeio no interior do Pernambuco. Morando na estrada com Galega (Maeve Jinkings) e a pequena Cacá (Alyne Santana), ele sonha em trabalhar no mercado da moda como grande estilista de roupas femininas, e busca realizar esse sonho do jeito que pode, produzindo vestidos pela coleta de materiais despejados e os desenhando nos corpos das mulheres que protagonizam os ensaios das revistas masculinas.

Já se percebe nesta última atividade do protagonista a apropriação a ser estabelecida por Mascaro na narrativa, e não faltam exemplos para consolidar essa imagem. Representação visual e quase literal do que se chama "homem do campo", Iremar desempenha em Boi Neon uma jornada de tentativa de ascensão social, quase dita impossível pela sociedade ao seu redor apesar de nas aparências ela dar indícios do contrário. E como bem indica o título da obra (que por sua vez desemboca numa cena bastante representativa deste processo), ele encontra na combinação do rural com o urbano a única forma de fazer tal escalada e se tornar o "leite que vira sorvete" tão estranhado por Cacá.

Nesse ponto, a atuação de Cazarré é fundamental para a efetuação desta imagem de tentativa de transformação. Filmado por Mascaro com todo o ar de veneração à sua figura masculinizante ideal, consolidada pela cena do banho coletivo que nas sombras destaca o físico nu do ator, Juliano emprega uma brutalidade animalesca com toques de sensibilidade a seu Iremar, sem deixar este exalar uma sensação de violência ao seu perfil ou de revelar sua sexualidade de maneira explícita. Essa dúvida sobre a orientação sexual do protagonista, inclusive, é conduzida pelo diretor até os últimos instantes, que terminam numa cena de sexo que vem para consolidar essa atitude de apoderamento combinativo de Iremar.

Ainda que acabe preso à necessidade de mostrar os resultados do processo, Boi Neon é eficiente nesse esforço de materializar os efeitos da apropriação do rural sobre o urbano e sua suposta superioridade, em cenas que de maneira simples ilustram a complexidade desta mistura sócio-cultural. Falta levar esse contexto à algum lugar, claro, mas só o imagético da coisa já é suficiente para encantar e questionar.

Nota: 7/10

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