terça-feira, 3 de novembro de 2015

Crítica: A Bruxa

Terror de isolamento é enfraquecido por viés religioso em história dominada por 8 ou 80.

Por Pedro Strazza.

A Bruxa começa com um ato de expulsão. Por motivos nunca explicados, a família do religioso William (Ralph Ineson) é obrigada pela comunidade de peregrinos puritanos que integram a sair da cidade, condenados a viverem dos próprios meios na floresta inóspita. O plano que pontua essa introdução é emblemático: o clã e todos os seus pertences em uma carroça, que aos poucos se distancia da câmera e adentra o ameaçador desconhecido representado pelas matas fechadas.

Mesmo curto, esse prólogo consegue explicar muito bem qual o tipo de filme que o longa dirigido e roteirizado pelo estreante Robert Eggers deseja ser. Os tormentos ao qual a família devota será submetida remete diretamente aos terrores de isolamento social popularizados por The Evil Dead. Estão lá a solidão imposta, a natureza hostilizante e o elemento sobrenatural, aqui representado por uma bruxa que vive na floresta e que começa a atormentar o grupo formado pelo pai William, a mãe Katherine (Kate Dickie) e os filhos Caleb (Harvey Scrimshaw), Jonas (Lucas Dawson), Mercy (Ellie Grainger), a mais velha Thomasin (Anya Taylor-Joy) e um bebê, raptado pela criatura logo no início.

A comparação com o filme de Sam Raimi não é à toa. Além de ambos serem trabalhos de início de carreira, A Bruxa é bastante influenciada por The Evil Dead no que consta ao uso da deterioração psicológica de seus personagens para causar o terror. Aliado a uma noção de culpabilidade (nenhum dos integrantes parece ser capaz de assumir os próprios erros), o progressivo enlouquecimento do clã é o principal ator na construção do terror buscado por Eggers, que o realiza em um ritmo lento, eficaz e auxiliado pela trilha de Mark Korven.

O erro de A Bruxa, porém, é na maneira como ele alia isso à religião, em teoria o principal alvo de críticas aqui. Usando como base relatos e depoimentos reais da época, o roteiro e a narrativa elaborada não deixam dúvidas de que o filme culpa a devoção cega de tais cerimonialismos, mas a produção encontra dificuldades em demonstrar esse teor acusativo em simultâneo com a construção de seu horror. A fé, a bem da verdade, é usada apenas como mero conduíte por Eggers, e nunca assume de fato a condução do terror.

E é aí que mora o problema, pois ao não se tornar protagonista real da construção a religião acaba por mais prejudicar que auxiliar. Seja no perfil 8 ou 80 de seus personagens - principalmente na mãe interpretada por Dickie, capaz de lidar com tantas viradas de humor somente pela caricatura - ou nos animais de íris coloridas dos animais "demoníacos", o longa não consegue escapar do exagero em suas figuras por causa do comentário religioso, que dá peso à estrutura e chega a tornar risonhos alguns de seus esforços para aterrorizar.

O que salva A Bruxa de se tornar esse desastre, no fim, é a obsessão estética de seu diretor, que emerso do setor de design de produção encontra na obra bastante espaço para obter uma agressiva fidelidade histórica com as vestimentas da época, e a eterna nuvem de incertezas, esse recurso do gênero pelo qual mergulha-se o espectador na dúvida sobre o que vê acontecer na tela e é mais e mais uma muleta narrativa. Ainda falta pulso a Eggers para adequar o tipo de crítica que quer fazer à sua estrutura de horror, algo que só será corrigido com o tempo e experiência.

Nota: 6/10

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