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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Crítica: Evereste

Com dificuldades para lidar com grande elenco, relato ganha fôlego somente nos minutos finais.

Por Pedro Strazza.

Filmes de sobrevivência são conhecidos por conseguirem aproximar com maior facilidade o espectador de seus protagonistas, numa lógica batida de que o sofrimento passado pelo personagem pode ser repercutido para quem o assiste desde que este tenha a oportunidade de conhecer e entender suas motivações e desejos. O emocional, falando-se em obras deste nicho, é um pilar bastante importante a ser respeitado por quem busca se aventurar neste tipo de trama, independente de suas intenções com o projeto.
No caso de Evereste, porém, tal característica vital parece ter se perdido ao longo da produção, que reproduz na tela os acontecimentos da tragédia ocorrida sobre três expedições ao pico mais alto do mundo em maio de 1996, quando foram pegas por uma fortíssima tempestade de neve enquanto escalavam a montanha. Preocupado demais com o plano geral da história, o longa dirigido pelo islandês Baltasar Kormákur esquece de dedicar tempo aos alpinistas e às pessoas envolvidas na situação, e no fim acaba por pagar um preço alto.
Já se percebe os equívocos cometidos pelo filme no primeiro ato, momento em que apresenta ao público os personagens que irão acompanhar pelas próximas duas horas. Além de indeciso na questão do protagonismo de cena - dividido entre os papéis de Jason Clarke e Josh Brolin, a dúvida ainda perdura durante todo o percurso da escalada - Kormákur e os roteiristas William Nicholson e Simon Beaufoy dão claros sinais de não conseguirem lidar com o vasto e rico elenco em mãos (é muito estranho ver nomes como Michael Kelly, John Hawkes, Emily Watson, Keira Knightley, Robin Wright e Jake Gyllenhaal em posições coadjuvantes para baixo na história), criando um constante desequilíbrio de tempo entre eles e incapazes de desenvolvê-los o suficiente.  Isso mais tarde se torna prejudicial à curva de destruição pelo qual os alpinistas passam na montanha, sendo que até algumas das mortes passam batidas pela ausência de um mínimo fator emocional.
Se a má elaboração das peças prejudica o processo, o pouco aproveitamento do tabuleiro acentua ainda mais os problemas. Na fotografia escura e de muitos planos aéreos de Salvatore Totino, o Evereste do filme é reduzido a um espectador do desmoronamento humano ao invés de ser explorado como real ameaça, banalizado pelos avanços do turismo agressivo em suas inclinações e regiões congeladas. "O Evereste é uma criatura completamente diferente" diz de início o líder de uma das expedições, mas no fundo o que parece realmente assustar os mais experientes em escalar a montanha é o número de clientes e grupos dispostos a encarar tal tarefa.
Apesar de problemático para os objetivos do longa na questão de gênero, esse viés do excesso de consumo como grande responsável pela tragédia funciona com algum sucesso no esforço de garantir ao terceiro ato o peso dramático necessário às consequências sofridas pelas vítimas. Nesse momento, Kormákur se aproveita bastante dos efeitos da estadia prolongada dos sobreviventes em uma região inabitável e da morte dolorosa dos últimos falecidos para enfim provocar no espectador alguma emoção pelos personagens. Um esforço quase hercúleo e pouco disfarçado, pois além de demorado essa vinda vem em tons pesadamente melodramáticos.
O problema é que enquanto o desfecho não chega Evereste se encontra inoperante, com dificuldades para encontrar tarefas para desempenhar na narrativa. O marasmo de sua jornada de poucas ações torna dessa maneira pouco recompensador os fins dados aos seus múltiplos personagens, que destituídos de propósito maior são mais vítimas da narrativa que da montanha em si.

Nota: 5/10

domingo, 27 de setembro de 2015

Crítica: A Pele de Vênus

Roman Polanski vai da metalinguagem ao sentimento de culpa no sexo em filme teatral.

Por Pedro Strazza.

Celebrado por alguns como a expressão máxima da sétima arte, o cinema de autor é conhecido por expressar em suas histórias uma enorme variedade de temas universais através das angústias e dos dilemas enfrentados interiormente por seus diretores. Em um típico processo de trabalhar o interior pela exteriorização, o cineasta geralmente faz de produções do tipo um verdadeiro divã, transformando o espectador num psicólogo silencioso que escute suas impressões sobre diferentes aspectos do cotidiano - e basta a visita a algumas das obras de Woody Allen para entender esse lado mais egocêntrico do cinema.
Considerado isso, é natural o julgamento inicial de que A Pele de Vênus se trate apenas de mais um exemplar da classe voltado à questão do próprio fazer artístico. Adaptação da peça off-Broadway escrita por David Ives (também roteirista do longa) que por sua vez segue um diretor de teatro em busca de uma atriz para protagonizar sua releitura do livro homônimo e famoso por ter cunhado o termo masoquismo, o filme serve para o cineasta Roman Polanski deixar transparecer sua visão sobre o assunto, mas vai muito além deste olhar metalinguístico. O polonês busca aqui também expor ao espectador, na verdade, sua relação de culpa com o sexo, que no mundo real encontra paralelos com o caso de estupro que realizou e até hoje mal resolvido na Justiça estadunidense.
Este olhar interior empreendido por Polanski se torna evidente na construção narrativa que faz em cima dos diálogos protagonizados pelo diretor Thomas (Mathieu Amalric) e a atriz Vanda (Emmanuelle Seigner, quarta e atual esposa do cineasta), única força presente no desenvolvimento da trama. Clara alusão à relação entre autor e musa (que aqui também adquire em alguns momentos a simbologia de obra), o debate empreendido pelos dois personagens em um pequeno anfiteatro é elaborado pelo roteirista e diretor num âmbito de dominância, a princípio dado ao criador para no fim se revelar pertencente à criação. Aos poucos, porém, o polonês alinha essa reflexão sobre a arte com as próprias aflições pelo sexo, de uma maneira orgânica e que não torne a mudança artificial.
É neste momento de combinação que A Pele de Vênus sai do convencional e alcança um patamar interessante de autoanálise, pois a simultaneidade de duas linhas oferece ao longa um conjunto de possibilidades interessantes. Da musa que é ao mesmo tempo uma inspiração e um carrasco ao autor à desconstrução, no terceiro ato, do ideal masculinizante e subentendido no processo criativo (e que conta até com um cacto fálico e crucificante), o diretor tira das falas e dos atos performados por Amalric e Seigner uma vasta gama de entendimentos, que vão do sexual à metalinguística em poucas palavras. Os dois atores inclusive encontram-se bastante à vontade, exibindo controle invejável sobre suas interpretações.
Polanski em nenhum momento esquece, no entanto, do valor teatral que permeia a obra, e leva isso como diretriz para contar a história. No seu jogo de câmeras ilustrado pela trilha sonora do sempre minimalista Alexandre Desplat, o polonês faz questão de aproximar o espectador dos dois personagens, em planos que privilegiam os atores em detrimento do cenário - este quase uma brincadeira à eventual banalização da arte. O objetivo parece ser bastante claro: tomando como comparação os intérpretes que reencenam a peça para uma plateia vazia, o diretor quer que suas angústias sejam expressas para um público, e torna a aproximação com o espectador (elemento que deveria ser vital em produções do tipo) um norte a ser seguido.

Nota: 9/10

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Crítica: Nocaute

História clichê de boxe ganha fôlego graças a seus momentos intimistas.

Por Pedro Strazza.

Ao longo de Nocaute, parece ser constante a sensação incômoda de que a história a se desenrolar na tela é idêntica a de outros milhares de filmes que tomam o boxe como tema principal, e isso não ocorre por acaso. No que diz respeito aos ringues, o novo trabalho do diretor Antoine Fuqua segue com fervor os caminhos e clichês do subgênero, como se tomasse para si a missão de ser a representação máxima deste particular grupo de produções. Do arco de superação primordial ao ator principal esforçado, o longa não esconde seus intentos do princípio.
Dessa maneira, somos apresentados logo no início ao protagonista Billy Hope (Jake Gyllenhaal), selvagem lutador profissional do esporte que defende a várias partidas o título de campeão na categoria de peso médio somente para o bem da sua mulher Maureen (Rachel McAdams) e da filha Leila (Oona Laurence). Tudo vai pelos ares, porém, quando a esposa é morta durante uma briga dele com um adversário e a rebenta, pouco depois de Billy perder o cinturão, é afastada legalmente de sua pessoa. Mergulhado na depressão e destituído de tudo, o boxeador então começa um processo de redenção para reaproximar-se da filha, e pra isso contará com a ajuda do lendário treinador Tick Wills (Forest Whitaker).
O que Nocaute realiza a partir daí é o velho arco de normalização do indivíduo, com direito a discursos pra levantar a moral e cenas de disciplinamento. Da abertura apresentando um Billy Hope completamente animalizado, Fuqua e o roteirista Kurt Sutter - que em sua estreia em longas-metragens traz a violência brutalizada e a relação com a morte que tanto fizeram seu nome em Sons of Anarchy - aos poucos devolvem ao personagem sua condição humana conforme este é reintroduzido à sociedade. O diretor inclusive usa de um plano dos telhados da casa de Hope (um verdadeiro castelo visto por cima) para acentuar o aspecto quase mágico de sua vida antes de desmoronar, além de tratar as lutas de boxe como puro e trivial espetáculo - como bem denotam as narrações dos locutores ou a postura canastrã ao qual 50 Cent incorpora ao agente do protagonista.
Nesse quesito, o elenco acha bastante espaço para manobrar com conforto suas interpretações, e isso diz respeito principalmente a Gyllenhaal. Já no físico musculoso demonstrando seus esforços com o papel, o ator torna realidade a passagem de besta a humano de seu papel, em caras e bocas que saem do exagero para chegar ao contido quando efetiva a posição de pai de família. É nesses momentos mais intimistas, inclusive, que o longa consegue respostas mais imediatas do espectador, pois o ator e a pequena Oona Laurence encontram-se afiados na execução de suas tarefas.
Clichês e relações familiares à parte, o filme traz ideias interessantes a partir do contato de Billy com Tick Wills (interpretado com tranquilidade por Whitaker) e sua academia. Nas mãos de Fuqua, a ligação entre treinador e lutador ganha um viés de marginalização no sistema e da incapacidade de reconhecimento sobre esta de um ponto de vista racial, já que o protagonista, enjaulado sobre luzes e holofotes, só consegue observar as mazelas dos outros quando está na mesma posição. Quando Gyllenhaal encontra o personagem de Whitaker lamentando sobre eventos envolvendo um dos garotos de sua academia e no princípio parece incapaz de reagir ao que vê, talvez tomado pela surpresa daquilo que presencia, resume bem essa noção da obra.
Tomado por personagens femininos totalmente objetificados (em tempos de personagens femininas fortes é impossível não se incomodar com cenas como a de Rachel McAdams conversando com o marido enquanto de quatro na cama), Nocaute é uma obra que se conforma demais com o genérico e o rotineiro para poder funcionar sozinho. Seu elenco, porém, consegue levantá-lo o suficiente para torná-lo relevante o suficiente e apresentar ao público suas boas ideias que surgem ora ou outra na narrativa convencional.

Nota: 6/10

domingo, 13 de setembro de 2015

Crítica: Férias Frustradas

Reinício da franquia evita nostalgia e prefere esquetes ao road trip.

Por Pedro Strazza.

Dos muitos elementos temporais que marcam o primeiro Férias Frustradas, o mais evidente é a crise do pai de família que acomete o protagonista Clark Griswold (Chevy Chase) em sua tentativa de tirar a esposa e os filhos da mesmice por meio de uma excursão a um parque de diversões do outro lado do país. Além de servir como guia para o roteirista John Hughes e o diretor Harold Ramis criarem a narrativa cômica do longa, acompanhar as frustrações do patriarca decorrente de seus planos fracassados em animar seu clã durante a longa viagem funcionavam também por denotar a crise pela qual a instituição da família já passava na época. A fúria psicopata que toma o personagem principal ao ver o estabelecimento fechado para reformas no clímax do terceiro ato, portanto, vai além do ápice cômico, se tornando um ato desesperado em busca de uma resolução para um problema sem solução.  
Passado mais de trinta anos depois desta primeira aventura, o novo Férias Frustradas começa sua jornada consciente de que os tempos são outros. Antes o filho homem da família, o agora adulto e pai Rusty (Ed Helms) quer levar os filhos e a esposa em uma viagem de carro até o Wally World não somente no intuito de uni-los e salvá-los do tédio, mas principalmente para reanimar o seu casamento com Debbie (Christina Applegate), cuja relação está em crise por ter entrado na tão temida rotina aborrecida.
Assim, o que impera na sequência de desastres escrita e narrada por John Francis Daley e Jonathan M. Goldstein é a lógica da decadência da instituição do matrimônio, sob um viés mais cômico e ora ou outra degradante. Enquanto Rusty sofre em se perceber limitado para sua mulher, Debbie encontra-se incomodada com sua opção por um casamento conformista e de poucos luxos, olhando sempre invejosa para o aparente sucesso dos outros amigos casados. A jornada empreendida pelos dois protagonistas torna-se uma verdadeira terapia de casal, que inclui até revelações sobre o passado e experimentações no sexo para reanimar o relacionamento.
Daley e Goldstein, enquanto isso, se divertem (e muito!) com as possibilidades geradas a partir desse quadro. Na rota contrária do original, os diretores deste Férias Frustradas privilegiam no road trip de esquetes o último em cima do primeiro, dando destaque às situações embaraçosas que acometem os Griswolds ao invés de construírem uma escala que culmine em um clímax tão explosivo quanto o original, muito em parte porque a terapia, como nos filmes de estrada, se resolve enquanto acontece e não em seu destino final. Quem mais sofre com essa mudança é o próprio Walley World, que sem a catarse torna-se apenas mais um elo da viagem.
Outros à deriva na crise do casamento são os filhos interpretados por Skyler Gisondo e Steele Stebbins, mas estes pelo menos encontram refúgio na contextualização temporal do filme. O new parenting e suas dificuldades surgem, afinal, como um muito bem-vindo escape à situação vivida por Rusty e Debby, pois conseguem tanto envolver os irmãos na narrativa quanto resgatar uma característica fundamental da franquia (que no fim se tornou essa grande piada sobre famílias), em cenas de humor simples e bastante eficaz - a melhor de longe é a situação na piscina do motel à beira da estrada, que com uma leve mudança de tom e postura de Helms transforma um pai disposto a ajudar o filho em um pedófilo assustador.
Com pouca disposição à nostalgia - restrita à cena da garota na estrada e às aparições especiais de Chase e Beverly D'Angelo, cuja participação é quase um oásis para o casal protagonista - e muita em criar novos caminhos, o novo Férias Frustradas consegue soar atual apesar de no fundo fazer graça dos mesmos tipos de personagens e de algumas situações. E isso não ocorre apenas porque Daley e Goldstein estão atentos ao panorama social mas também por eles arriscarem prever aqui e ali novas tendências culturais, e a prova cabal disso é a emoção que Rusty sente ao ouvir o rádio tocar Kiss From a Rose e lembrar de Batman Eternamente, uma nostalgia noventista ainda rara de se ver no cinema estadunidense.

Nota: 8/10

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Crítica: Ricki and the Flash - De Volta pra Casa

Comédia dramática se entende melhor na superfície que no subtexto.

Por Pedro Strazza.

Engana-se quem acredita que Ricki and the Flash - De Volta pra Casa seja em essência um filme sobre mães e filhas. Embora tenha aproveitado da real relação materna entre Meryl Streep e Mamie Gummer para se vender e use do tema como ponto de partida, o novo trabalho do diretor Jonathan Demme e da roteirista Diablo Cody é antes de tudo um ensaio sobre a família tradicional estadunidense nos panoramas políticos atuais. A tão conhecida relação entre republicanos e democratas é aqui interiorizada ao âmbito familiar, em um movimento bastante similar em proposta ao que vem se desenrolando no cinema sul-americano nos últimos anos.
O filme conta a história de Ricki (Streep), cantora da banda do título que há muito tempo abandonou a família em Indianápolis para se dedicar à carreira musical e ir atrás do grande sonho de se tornar uma estrela do rock. Estabelecida em um bar no estado da Califórnia, ela decide retornar ao lar onde criou seus filhos quando seu ex-marido Pete (Kevin Kline) liga informando que sua filha Julie (Gummer) acabou de se divorciar. Ao chegar, porém, ela se depara com uma situação completamente diferente da qual esperava, incluindo uma Julie depressiva e suicida e a rejeição de todos os três filhos que tanto ama.
Bastante parecido em estrutura a Jovens Adultos, outro trabalho de Cody que propõe drama pelo retorno às origens em tempos de crise, o longa faz o caminho natural de produções sobre famílias despedaçadas em tentativa de reparação, desde o choque inicial à uma redenção pelo amor. A diferença aqui é que o grande responsável por tal desmembramento deixa de ser o pai e vira a mãe, figura cuja atribuição no geral é a de mantenedora da unidade familiar em períodos atribulados.
Essa mudança de valor, assim como a própria identificação republicana da protagonista, não é feita à toa em Ricki and the Flash, e serve para construir esse painel simbólico em torno da família da roqueira. É perceptível no texto de Cody (e na narrativa elaborada por Demme, consequentemente) uma insistência em abordar o contexto atual da relação entre os dois maiores partidos estadunidenses sob uma chave mais materna, em que os republicanos são considerados grandes vilões e buscam compensar os erros cometidos no passado enquanto os democratas - os mocinhos - parecem estar ausentes no cotidiano. Quem paga o preço no fim são os filhos desse relacionamento tão conflitante, e a cena em que uma Ricki vestida com uma única toalha confronta a madrasta Maureen (Audra McDonald) no quarto acerca da questão dos filhos é a que melhor sacramenta esta afirmação quase idealista.
Mas enquanto ensaio político disfarçado de drama de relações, De Volta pra Casa chama muito mais a atenção por este seu lado tratado como superficial, que é afinal uma especialidade de Demme. Momentos como o jantar em família ou mesmo o clímax no casamento de Josh (Sebastian Stan) e Emily (Hailey Gates) são felizes ao ressaltar o desarranjo familiar criado pela saída da matriarca e por deixar o espectador indeciso em seu julgamento sobre Ricki. O íntimo aqui parece funcionar sem qualquer tipo de significância maior, e a produção parece inconsciente de tal fato.
Chega a ser curioso, portanto, que Ricki and the Flash sirva melhor como história de reconciliação simples quando busca na trama uma correlação política que a recheie. Essa aparente contradição entre camadas serve tanto como cilada teórica quanto benefício inesperado, pois permite a Meryl o espaço que ela precisa para trabalhar confortavelmente a sua já característica amabilidade no interior de um personagem de aspecto dúbio. E se ela vai de encontro à lógica estabelecida por Cody e Demme isso parece pouco importar.

Nota: 6/10

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Crítica: A Entidade 2

Perdeu-se a magia do terror.

Por Pedro Strazza.

Enquanto terror atmosférico, A Entidade é uma obra excelente para desfazer o mito da eternidade da instituição familiar em tempos de crise econômica. A jornada de decadência ao qual o desesperado escritor vivido por Ethan Hawke se submete em busca de uma redenção que salve sua família da falência era capaz de aterrorizar o espectador por trazer no fundo um fato inquestionável: não importa o que se faça, o valor tradicional irá se desfazer pelas mãos das novas gerações. O Mr. Boogie, a entidade do título, vinha no fim apenas para sacramentar esta morte do passado.
No papel, o rumo que A Entidade 2 dá à esta história então é o mais correto possível. Com a família tradicional deposta e executada, a que assume a posição de vítima não poderia ser mais desestruturada, tendo não apenas um pai violento e uma mãe em fuga como também filhos em constante conflito. Mas se a crise familiar já está instaurada, aonde que a criatura (agora intitulada Bagul) entra para criar maior caos nesse âmbito?
Esse é um dilema que a continuação infelizmente não consegue resolver, e o filme acaba obrigado a explorar o lado mitológico de sua criatura ao invés de continuar a seguir pelo teórico. E isso é péssimo, se considerarmos que o maior charme de Bagul era de fato o mistério em torno de sua figura e metodologia.
Dirigido por Ciarán Foy, o longa não esconde suas tentativas quase infantis de sacramentar a entidade do título como novo ícone do terror. Da aparição nas sombras do armário logo no início (que no resultado lembra muito à de Jason, incluindo na ausência de uma boca) às menções feitas a sua pessoa pelas crianças que tomou, Bagul deixa de ser uma figura simbólica para tentar se tornar um ícone do terror, com uma presença física muito maior na sequência e mais disposta aos sustos que ora ou outra sucumbia no original.
Para alcançar esse status mitológico, o roteiro de Scott Derrickson e C. Robert Cargill (autores do primeiro capítulo) busca expandir o perfil de sua criatura, conferindo a ela uma cronologia e lógica assassina mais bem esclarecidas. Seja pelas crianças amaldiçoadas ou pelo professor Stomberg (Tate Ellington, substituindo Vincent D'Onofrio por claros motivos de custo), não faltam explicações de como a criatura norueguesa(!) age ou detalhes sobre como o ritual para invocar sua presença é praticado, e o efeito de tal medida é mais prejudicial que benéfico. Por melhor desenvolvido que seja, trazer alguma luz para o enigma de Bagul tira o personagem de sua névoa de incerteza, onde melhor pode-se trabalhar seu terror, e o torna em um figura infantil, cuja maior força reside nos imediatismos oriundos do gore ou de movimentos repentinos na escuridão.
A propensão ao valor instantâneo do terror, vale acrescentar, não é a única a assumir o protagonismo na estrutura executada por Foy. Povoado por personagens caricaturais (o pai de família nunca esteve tão ridicularizado), A Entidade 2 carrega inclusive no protagonista uma figura rasa, já que transforma o ex-policial So & So (James Ransone, único ator que retorna para a continuação)  num alívio-cômico dos mais forçados. Mesmo a dinâmica exercida entre os irmãos Zach (Dartanian Sloan) e Dylan (Robert Daniel Sloan), fundamental na narrativa do longa, é uma relação simplificada, incapaz de ir além do tão conhecido jogo de Caim e Abel.
Ainda assim, não faltam oportunidades para Ciarán Foy aqui e ali mostrar algum olhar mais inspirado. Suas tentativas em mostrar uma hereditariedade das relações abusivas - a semelhança entre camisas de pai e filho nas novas filmagens, por exemplo - ou de até tornar Bagul em um ser maior que a proposta, porém, se perdem no mar de pretensões e insistências desnecessárias que permeiam A Entidade 2. Pois não há maior sinal de que algo está errado quando uma morte ouvida pelo rádio é mais aterradora que o filme ao qual pertence.

Nota: 2/10

domingo, 6 de setembro de 2015

Crítica: O Agente da U.N.C.L.E.

Lado canastra da espionagem ganha homenagem à altura.

Por Pedro Strazza.

Não é preciso muita reflexão para entender qual o objetivo do diretor Guy Ritchie com O Agente da U.N.C.L.E., já que este aparece revelado de uma maneira quase descarada nos papéis dados a seu elenco multinacional. O caráter nacionalista da espionagem, ponto importante da esmagadora maioria das produções do subgênero, é completamente dissolvido pelas mãos do cineasta, que transforma atores britânicos em personagens estadunidenses, faz estadunidenses se passarem por russos, traz franceses como italianos e assim por diante.
Esta "brincadeira" é um indício do quão disposta a adaptação cinematográfica do seriado homônimo criado por Sam Rolfe está a se guiar pelo lado superficial de sua história que empreender um raciocínio mais aprofundado em cima desta. No mesmo ano em que Matthew Vaughn busca homenagear em Kingsman o subgênero em seu aspecto mais roteirístico, Ritchie faz um ato reverencialista similar em direção a esses tipos de história e seus ícones de ação, mas por sua faceta mais visual e de poses. Porque se há uma coisa que James Bond e seus colegas de profissão sabiam fazer no passado era aparecer bonito na foto.
Na trama escrita pelo diretor e Lionel Wigram, acompanhamos o charmoso Napoleon Solo (Henry Cavill) e o muscular Ilya Kuryakin (Armie Hammer), agentes respectivamente da CIA e da KGB que no auge da Guerra Fria são obrigados por suas agências a trabalhar juntos para deter os planos de um rico casal de simpatizantes nazistas em construir sua própria bomba nuclear. Para isso, eles precisarão de Gaby Teller (Alicia Vikander), uma russa jovem, bela e experiente com mecânica de carros cujas conexões com o cientista responsável pela criação do aparato serão decisivas para o cumprimento da missão.
A exemplo das descrições dadas acima aos personagens, o superficial se faz em O Agente da U.N.C.L.E. uma lei máxima da narrativa, e se baseia sem muitos rodeios nos ideais pregados pela cultura estadunidense: Se o Napoleon Solo de Cavill surge como a representação perfeita do celebrado herói bandido com sex appeal intensa e de tiques britânicos pouco sutis, o Ilya Kuryakin de Hammer é a máquina de matar descerebrada produzida pela demonizada União Soviética, cujos esforços ainda assim não são capazes de esconder dele o grande e apaixonado coração. O que impede a obra de ser danificada por isso é que Ritchie assume essa faceta canastrona sem medo para ela, em um esforço quase admirável de voltar aos tempos onde essa característica era regra.
É aí que o filme encontra sua maior força, mesmo que a muitos trancos e barrancos. Enquanto homenagem ao passado do subgênero, o longa encanta ao abraçar todo esse universo de estereótipos e trazê-las envoltas em ambientes aos quais foram criadas para funcionar (as festas luxuosas, as locações exóticas), mas em momento algum ele esconde do espectador esse seu lado de espetáculo raso. É na honestidade de sua futilidade, inclusive, que Guy Ritchie arranca o humor de sua produção, como prova a cena em que traz o personagem de Cavill na posição do público enquanto ele assiste a explosiva tentativa de fuga do colega russo com uma calma indiferente.
Mas enquanto O Agente da U.N.C.L.E. funciona para comédia ao admitir seus problemas, ele também entendia por não fazer da canastrice seu referencial. E nesse ponto, é extremamente claro no longa a falta do elemento recompensador em fundações vitais como a ação ou romance, que são sublimadas pelo diretor ao optar pelo imediato da coisa e o abandono de uma significação maior a sua estrutura. Mesmo o terceiro ato, momento onde os filmes de espionagem habitualmente marcam o espectador, se perde aqui em edições rápidas e de dinâmicas banalizadas, como se a obra se desinteressasse em apresentar o próprio desfecho.
É nos personagens, porém, que Guy Ritchie traz o ápice e o fundo do poço de sua aventura, com seus melhores momentos na divertida relação exercida por seus protagonistas, trabalhados com a canastrice necessária e planejada por Cavill e Hammer, e seus piores na tentativa frustrada de tirar o elemento feminino de sua posição antiquada em tais obras - e por mais que Vikander encante e sua participação na história seja interessante, sua situação princesa-no-castelo não passa nem um pouco despercebida. São eles, em última análise, que por bem ou mal sustentam O Agente da U.N.C.L.E., uma obra cujo senso de respeito em relação ao subgênero é vazio em essência.

Nota: 5/10