domingo, 31 de janeiro de 2016

Crítica: Anomalisa

O amor nos tempos da amargura.

Por Pedro Strazza.

Filmes que se usam da animação para contar suas histórias são famosos por possuírem um alto controle sob todo e qualquer tipo de elemento visual que empregam em cena, e isso tende a aumentar quando a metodologia é o stop-motion. Anomalisa, segundo longa-metragem do roteirista Charlie Kaufman como diretor e debute de Duke Johnson na função, segue à risca esse processo, aproveitando o perfeccionismo inerente à técnica para imprimir na narrativa o emocional instável de seu protagonista. A maneira como isso é realizado, porém, não necessariamente traz aquilo que os diretores planejam a princípio.

Baseado na peça de mesmo nome que Kaufman escreveu em 2005, o filme é protagonizado por Michael Stone (David Thewlis), um famoso escritor e analista de serviço de atendimento ao cliente que viaja a Cincinnati para dar uma palestra sobre o tema. Melancólico, Michael sente-se em um mundo uniforme e impessoal, onde todos à sua volta parecem ter a mesma atitude, rosto e voz, mas suas esperanças se reacendem quando conhece Lisa Hesselman (Jennifer Jason Leigh), uma típica garota do interior que parece ser a única a ter alguma personalidade no universo do hotel.

Levemente disfarçada de romance, a temática central da trama é trabalhada pelo filme com sutileza encantadora, e não apenas por causa de seus elementos de efeito mais imediato ao qual tanto se aproveita, como o fato de todos os personagens em cena à exceção do casal protagonista possuírem a mesma identidade visual e serem dublados por Tom Noonan. Kaufman e Johnson são simples na organização espacial dos cenários se comparados aos trabalhos de estúdios como a Aardman ou a Laika, mas se aproveitam muito bem do stop-motion para dar a estes a artificialidade necessária, que compõe o mundo paranoico de Michael nas coisas pequenas (o balde de gelo, a revista que vende chili na capa) e grandes (a sex shop e a divertida uniformidade de seus consolos).

É uma atmosfera delicada e impressionante, mas não tão bem utilizada pelo roteiro. Em muitos momentos soando como uma história curta que foi esticada para ocupar os noventa minutos de um longa-metragem, Anomalisa não demora muito a repetir sem criatividade os maneirismos de Kaufman, que refaz sua estética depressiva em um trabalho de maior controle. E se o maior domínio por um lado permite ao diretor executar seu roteiro como bem entende, ele também impede a obra de alçar voos maiores por estar preso a seus mecanismos.

Neste quesito de dominância, a comparação com Sinédoque, Nova York, primeiro trabalho do cineasta, permite uma maior elucidação do caso. Também um típico trabalho de roteirista no comando, o filme protagonizado por Philip Seymour Hoffman com velocidade se entrega a jogos metalinguísticos complexos, e o eventual descontrole que se sucede na narrativa é o que o permite se expandir em temáticas mais difíceis e existenciais. Em Anomalisa, o sufocamento provoca o contrário, particularizando a trama em temas que apesar de sugeridos nunca chegam a ser explorados de fato pelo roteiro.

E se o particular em outras obras trabalha a favor, aqui ele só ressalta o estranho viés adolescente de sua história de amor. Pois apesar de a todo momento posar e insistir na imagem de ser uma animação adulta - deve ser a primeira vez que um longa em stop-motion abusa tanto de cenas com cigarros, bebidas alcoólicas, partes sexuais do corpo humano e sexo oral - Anomalisa não consegue escapar de questões conhecidas da juventude, como a da busca da identidade na sociedade ou da procura pelo amor perfeito. E Charlie Kaufman, em uma síndrome ou de adolescente que se recusa a crescer ou de adulto amargurado e saudoso dos dilemas juvenis (que em ambos os casos traz fácil identificação com as gerações mais jovens), acaba por se comportar como uma espécie de John Green da depressão.

Nota: 6/10

0 comentários :

Postar um comentário