sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Crítica: A Grande Aposta

Filme de desilusão encara crise de 2008 com humor e olhar documental.

Por Pedro Strazza.

Apesar de incluir um animal pra valer só no fim do primeiro ato de A Grande Aposta, é peculiar a maneira como o diretor Adam McKay e seu diretor de fotografia Barry Ackroyd estabelecem com velocidade na narrativa o seu viés de documentário típico do National Geographic. A alternância constante entre planos abertos e fechados em planos tremidos, auxiliados pela montagem esperta de Hank Corwin, serve para dar ao espectador a mesma sensação que ele experimenta ao assistir esses filmes sobre a natureza, em que o didatismo é peça central para ele entender as relações predatórias primordiais e "a beleza desses belos animais selvagens em seu habitat natural" enquanto as encara de longe. Mas ao invés de ferozes onças e gigantescos elefantes, ele oferece um tipo de fera bastante diferente.

Baseado em um livro escrito por Michael Lewis, o filme conta a história de vários grupos de especialistas econômicos que previram o advento da crise financeira e imobiliária de 2008 e tiraram proveito dela, investindo em inúmeros CDSs (Credit Default Swaps) que apostavam contra os bancos responsáveis pelo colapso. Recorrendo a exposições constantes nos diálogos exercidos pelos três principais núcleos - liderados por Steve Carell, Christian Bale, Ryan Gosling e Brad Pitt - a obra se comporta como tantas outras dispostas a se debruçar sobre o tema, explicando como foi possível que essa Grande Recessão mundial ocorresse.

A maior mudança, aqui, é de tom: ao invés de manter constante o tom de tragédia sobre os acontecimentos, o roteiro de McKay e Charles Randolph prefere empurrar essa consciência mais pesada para o terceiro ato, e ocupa os dois primeiros terços da trama de um humor sarcástico e focado nos absurdos que o longa apresenta ao longo do caminho. E como Nero tocando a harpa do alto de seu palácio enquanto Roma se consumia em chamas, o espectador rapidamente se diverte com os choques de realidade que ele e os protagonistas recebem ao se dispor a olhar o estado geral da economia estadunidense antes de tamanho desastre.

O curioso dessa abordagem é que A Grande Aposta parece reconhecer o universo que adentra com a mesma estranheza com a qual o homem da cidade encara a vida selvagem na televisão, e isso não acontece apenas pelos maneirismos documentais da fotografia. As constantes quebras de quarta parede para reafirmar a veracidade (ou não) dos fatos e o uso de estrelas conhecidas por atributos de valor imediato (Margot Robbie, Selena Gomez, o famoso chef de cozinha Anthony Bourdain) servem não só para o filme chamar a atenção do público para seu conteúdo e impedi-lo de ficar preso à sua estética dinâmica - em nenhum momento incômoda, vale acrescentar - como também funciona em seu esforço de mostrar a este o nível de delírio que a sociedade estadunidense chegou em sua eterna ambição pelo lucro, eternizadas nas intercalações rápidas de imagens de uma cultura dominada pelo irreal.

Talvez seja por essa motivação que ele se permita a se levar pelo contraponto traumático ao começar a mostrar os efeitos da crise na população. Seja quando o personagem de Pitt repreende a comemoração de seus parceiros (interpretados por John Magaro e Finn Wittrock) ou na depressão que abate o investidor interpretado por Carell e sua peruca sempre descabelada, essa mudança repentina na narrativa acaba reforçando no longa o impacto da ação devastadora da crise, e traumatiza o próprio espectador por rir da trajetória que levou àquilo.

E é isso que encanta. Mesmo que assuma no fim a sua estrutura de filme de desilusão, A Grande Aposta sabe diluir isso em uma de impacto, muito mais eficaz no choque em relação à melancolia, e promover uma mistura funcional de olhares quase antagônicos - humor, documental e dramático - em torno de uma trama quase de Alice no País das Maravilhas. E ainda que o espectador termine como o personagem de Carell, em um misto de arrependimento por seus atos e de revolta pela natureza do sistema, é fascinante a forma como McKay o prende sem este conseguir compreender mais de 50% do que é dito pelos personagens em cena.

Nota: 9/10

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