sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Crítica: Spotlight - Segredos Revelados

Relato  de processo jornalístico desconstrói os alicerces sociais à distância.

Por Pedro Strazza.

Dos vários choques de realidade proporcionados por Spotlight - Segredos Revelados, surpreende que o maior deles seja justamente aquele que se faz mais discreto na narrativa, o do real status quo do jornalismo. Apesar da história se passar entre os anos de 2001 e 2003 (há mais de dez anos!), a fotografia de Masanobu Takayanagi tem uma predisposição a filmar o vazio material das redações e o número pequeno de pessoas presentes nesses ambientes, enchendo-os ora ou outra de documentos e arquivos. É como se a tão alardeada crise do jornalismo dos dias de hoje fosse um fato atemporal, algo que mova a produção no meio da mesma forma que um burro é sempre chicoteado pelo dono para mover a carroça.

Esse fato ajuda a explicar alguma das escolhas feitas pelos roteiristas Tom McCarthy e Josh Singer para recontar nas telas a investigação realizada pela equipe Spotlight do jornal The Boston Globe sobre os abusos sexuais cometidos por uma rede de membros da Igreja. Pois mesmo que de início o filme se estabeleça como uma crítica dura à tal instituição religiosa, ele logo expande esse raciocínio para um panorama mais geral da coisa.

A lógica do longa dirigido por McCarthy é a mesma de uma fileira de dominós: se um cai, todos caem juntos. Da mesma forma que empresas e pontos turísticos derrubados (o outdoor da AOL, o pequeno televisor na redação reportando o 11 de setembro) o longa denuncia o declínio das instituições que formam a sociedade contemporânea, deterioradas pelo tempo e a cobiça do ser humano. Oriundo disso, é visível nos lugares e nas pessoas um ar de desilusão constante com o convívio social intenso, seja nos diversos planos que apresentam os personagens sozinhos ou mesmo nas multidões solitárias que discretamente ocupam os espaços públicos. A Igreja, claro, é ainda o maior antagonista da história, mas não passa despercebido o desencanto com profissões como o Direito e o Jornalismo - esta última bastante evidente na relação entre o chefe da Spotlight vivido por Michael Keaton e o antigo editor do jornal, interpretado por Jamey Sheridan.

Mas se Spotlight parece disposto a desfazer gigantescas organizações, ele tem dificuldades em posteriormente construir algo que as substitua, e em parte isso é culpa do próprio roteiro e do pouco que ele faz para estabelecer uma relação entre indivíduo e sistema. Esse elemento, vital em produções dispostas a analisar esta temática, sai atrapalhada no filme pela insistência de McCarthy em filmar a história com distância, em planos que valorizam mais o ambiente que a pessoa e esfriam o envolvimento do espectador com os protagonistas.

A bem da verdade, interessa ao diretor a informação e não o ser humano: os closes do longa sempre se dão no ato da revelação, do relato de inocentes ou de pessoas envolvidas na rede, e nunca chegam a se interessar pelo impacto desta no indivíduo e na sociedade ao qual integra. De vez em quando, o filme até ensaia dar maior atenção aos efeitos da matéria em seus protagonistas jornalistas, como na reação do personagem de Brian d'Arcy James ao descobrir a proximidade de um centro de recuperação do clero de sua casa (uma das poucas sequências que se percebe um manejo humano da câmera) ou na de Rachel McAdams vendo sua avó mega-católica ler sobre o caso; mas à exceção das cenas com o personagem de Mark Ruffalo - o qual encontra um ápice maravilhoso em um momento em que ele pede um táxi e sai desesperado atrás deste, rompendo com a sistemática natural das coisas - é notável que Spotlight parece confortável em se comportar como filme puro de processo, a ponto de não se interessar em revelar o destino dos envolvidos na fabricação da matéria.

A cena que retrata o impacto da notícia do resultado de um julgamento explicita muito bem essa lógica fria da produção. Nela, McCarthy inicialmente estabelece todos os personagens envolvidos olhando para extremos do quadro, cujo centro é Keaton à mesa. Quando este último recebe a ligação que o informa da decisão sobre o caso, a câmera começa a dar um zoom lento e todos olham para seu cubículo interessados no fato, e quando o recebem, não demonstram qualquer reação a ele. É como se eles já fossem parte do sistema mesmo que o combatam com vigor, incapazes de esboçar um mínimo de humanidade que o tornem reais.

E para um filme que vê os poucos momentos de contato com um misto de estranheza e preciosidade, isso pode ser alarmante.

Nota: 6/10

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