quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Crítica: Steve Jobs

O personagem por trás do mito.

Por Pedro Strazza.

Ícone da tecnologia e responsável pelas maiores revoluções de nosso cotidiano, Steve Jobs tem se provado um objeto difícil de estudo no cinema. Muito em parte por causa da própria aura messiânica que ele e a Apple criaram em sua figura, os documentários sobre sua pessoa e as duas cinebiografias lançadas falharam na tentativa de traduzir para as telas tanto o motivo dele ser considerado por muitos um gênio quanto sua personalidade difícil, marcada por um comportamento agressivo e capaz de acreditar nas próprias verdades que inventava. No caso das obras ficcionais sobre sua pessoa, percebe-se uma predominância dessa primeira faceta: Jobs e Piratas da Informática nunca conseguiram se desviar de fato da idolatria, se perdendo na hora de mostrar (ou omitindo, no caso do primeiro) o outro lado da moeda.

No caso de Steve Jobs, essa é uma problemática que nunca chega a acontecer. Com base na biografia oficial do empresário e determinado a explorar o homem por trás do mito, o roteirista Aaron Sorkin busca estabelecer nesta terceira cinebiografia uma análise em cima da pessoa difícil que era Jobs, sem se preocupar contudo com a veracidade dos fatos. Pois a partir do momento que o protagonista de ascendência síria é interpretado por um alemão e o papel de seu pai cabe a um ator de traços sírios, o filme descola da realidade.

Isso fica claro já na estrutura adotada por Sorkin no roteiro e que é traduzida pelo diretor Danny Boyle da melhor maneira que ele acha ser possível. Inteiro passada nos bastidores de três apresentações de produtos lançados por Jobs (o Macintosh, o NeXT e o iMac), o filme assume o tempo todo um ar de teatralidade semelhante ao de Birdman, onde é mais importante assistir ao que acontece por trás dos panos que o espetáculo em si - algo reforçado pelo protagonista quando diz "Não gosto da estética circense". Ao invés do show, o longa apresenta o drama, centrado nas relações de Steve (Michael Fassbender) com sua diretora de marketing Joanna Hoffman (Kate Winslet) e sua filha Lisa (Makenzie Moss aos 5, Ripley Sobo aos 9 e Perla Haney-Jardine), além do antigo CEO da Apple John Sculley (Jeff Daniels), a mãe de Lisa (Katherine Waterston) e os colegas Steve Wozniak (Seth Rogen) e Andy Hertzfeld (Michael Stuhlbarg).

A princípio, a estratégia do roteiro mostra ser mais eficaz comparada a das outras duas cinebiografias. Ao abandonar a convencionalidade de retratos do tipo e apostar em um cenário mais dramatúrgico, partindo dos produtos que marcaram Jobs como ídolo dos entusiastas da tecnologia, a produção se desprende da necessidade de evidenciar o tempo todo a importância do protagonista e de sua genialidade, livre para explorar sua pessoa do jeito que preferir. E experiente no diálogo rápido e incisivo que o é, Sorkin é capaz de desconstruir Steve em seus pontos mais polêmicos, como na relação com a filha (que por um bom tempo negou ser sua) ou no tratamento dado aos empregados de sua empresa.

Mas é com velocidade que o filme logo começa a desandar em sua própria proposta, e prova-se limitado em questões importantes. Além da decisão equivocada de manter os mesmos personagens coadjuvantes em todos os três momentos do longa, insistindo em manter algumas participações que com o tempo se tornam irrelevantes ao invés de substituí-las por outras tão interessantes quanto (a interação de Sculley com Jobs no lançamento do iMac, por exemplo, acaba por ser uma gordura), Steve Jobs em muitos momentos hesita entre manter o tom de encenação - alterando e inventando fatos, ignorando figuras importantes ao longo do caminho - e o de provar seu realismo, e preenche falas inteiras de exposição com base no livro escrito por Walter Isaacson. E para quem leu a obra, é ainda mais claro como Sorkin parece transferir informações inteiras para os diálogos, realçando ainda mais o caráter artificial de seus cenários antissépticos.

Por outro lado, a produção se perde ainda mais na direção de Boyle, que não resiste à tentação de preencher o longa com seus exibicionismos típicos. Constantemente desequilibrado na trilha sonora, o filme exagera ao conferir dados e imagens de arquivo nas paredes dos anfiteatros e conferir closes desnecessários em objetos irrelevantes à narrativa, enquanto a montagem é ávida em dar o maior número de informações possíveis por segundo. Boyle, enquanto isso, tem dificuldades constantes de tornar palpável a tensão entre os personagens, investindo em planos abertos e inclinados ao bel prazer e sem motivo maior, tal qual sua decisão por diferentes câmeras para diferentes épocas.

O que salva a obra desse colapso geral são Fassbender, Winslet e as três intérpretes de Lisa, que graças ao espaço dado por Sorkin tem a capacidade de transformar um filme de roteiro em um de ator. Nos diálogos de Steve com Joanna e Lisa, percebe-se no texto de Sorkin uma propensão de evidenciar entre os três a formação de uma unidade familiar criada no trabalho, lugar onde o protagonista sempre manteve a cabeça. Para o roteirista, é essa propensão ao workaholic puro que torna Jobs, o "maestro da orquestra", em uma pessoa diferente das demais, incapaz de se conectar emocionalmente com os outros. O problema é que essa visão parece ser a única em Steve Jobs, no mais um filme sem a ambição necessária para ir mais fundo em seu retratado.

Nota: 6/10

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