sábado, 16 de abril de 2016

Crítica: Ave, César!

Filme de panorama dos irmãos Coen encaixa bem tom irônico dos diretores.

Por Pedro Strazza.

A temática da crença, seja esta qual for, permeia a carreira dos irmãos Ethan e Joel Coen já há algum tempo, mas em seus filmes recentes ela parece ter se tornado mais central aos dois diretores. Em seu viés institucionalizado (a busca do personagem de Michael Stuhlbarg em Um Homem Sério para uma razão à fé perpetuada por sua religião) ou pessoal (a dificuldade do protagonista de Inside Llewyn Davis em encontrar a si mesmo), este dilema intrínseco ao ser humano de achar um Norte para sua vida se tornou em uma espécie de alvo da dupla de cineastas, que por suas histórias trabalham tanto para legitimar o esforço de encontrar respostas quanto de ridicularizá-lo.

Essa ironia subentendida dos irmãos, essência de sua filmografia desde o começo, pode estar melhor representada para fins didáticos em Ave, César!. Situado na Hollywood dos anos 50, o longa separa esses dois lados da moeda dos Coen para trabalhar ao mesmo tempo o filme de panorama e a jornada do produtor Eddie Mannix (Josh Brolin), que, atrás da sequestrada estrela de seu novo épico bíblico, faz de tudo para não sucumbir às tentações do trabalho. É uma medida inédita dos cineastas, visto que os protagonistas de seus roteiros sempre carregaram a ironia de não saberem o que estão procurando enquanto são mergulhados ao caos de um problema atípico de seu cotidiano.

Tal mudança no modo de operação da dupla serve também para que o longa realize a desconstrução em nível institucional da sociedade que aborda. O cenário dos Estados Unidos dos anos 50, envolto nas glórias da Segunda Guerra e na emergência da Guerra Fria, torna-se nas mãos dos irmãos Coen em um mecanismo para desarmar, pelo humor, os ideologismos em ebulição da época e ainda presentes nos dias de hoje. Ainda que a obra não chegue a desfazê-los (algo ilógico, dado suas permanências no quadro contemporâneo), capitalismo e comunismo são feitos de ridículo na narrativa, deslegitimados de suas propensões grandiloquentes como sistemas que formam e movem o coletivo e entram em conflito para se fazerem únicos.

Ave, César! encara essa tarefa de ridicularização dos grandes sistemas, porém, não como forma de conceber e idolatrar um novo, mas sim para dar caráter mais aflitivo à crise vivida por seu protagonista, que apesar de se desenrolar em grande parte do tempo à margem da trama principal se instaura como principal drama da comédia. Em seus esforços tomados para encontrar o ator Baird Whitlock (George Clooney), sequestrado por um grupo de comunistas roteiristas no início da história, e manter a reputação do estúdio intacta, Mannix se vê muitas vezes confrontado na narrativa com o próprio perfil de vida, que envolve a rotina intensa do trabalho e a pouca convivência com os filhos e a mulher (Alison Pill). Sua determinação em resolver o caso e fugir dele mesmo, característica quase antagônica à dos outros protagonistas dos Coen, acaba por encontrar na crise com o sistema o principal mecanismo a mover a trama e seus personagens.

Não é à toa, então, que o longa se contente tanto em emular o cinema hollywoodiano dos anos 50, em um quê de ridículo escondido na seriedade dos personagens e cenários. As caricaturas de gêneros e personalidades célebres da época, que atingem momentos gloriosos nas cenas protagonizadas pelo cowboy de Alden Ehrenreich e o dançarino de Channing Tatum - atores que graças aos papéis mais escrachados melhor captam e incorporam a proposta do filme às suas performances -, atuam muito para desestabilizar a seriedade do personagem de Brolin, em uma espécie de contraponto que termina sendo o principal atrativo da trama. Nesse momento, os Coen parecem reconhecer o cinema estadunidense como grande instituição, como mais um Golias a ser derrubado por seu humor satirizante.

Aliado às sucessivas piadas com catolicismo (o "Behold" da caixa d'água parece vir para alinhar enfim a crença com tudo exposto pelo filme), essa grande tirada ao sistemas que é Ave, César! limita demais a produção ao escopo da comédia pela comédia, de um humor que apesar de divertir no processo não consegue ir além da proposta inicial de desconstrução para alcançar a crença. Ironicamente, é aqui que o tom irônico dos Coen consegue encontrar um dos melhores espaços na carreira dos dois para se encaixar, mas ao mesmo tempo acaba se mostrando bastante à deriva.

Nota: 7/10

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