quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Crítica: Animais Noturnos

Pautado pelo estilo, Tom Ford trabalha história maternal em universo machista.

Por Pedro Strazza.

Assim como Garota Exemplar e as aventuras protagonizadas por Robert Langdon, Animais Noturnos parte da missão difícil de adaptar para as telas um livro que tem no gênero do suspense sua maior e talvez única ferramenta. Baseado em um livro best-seller escrito por Austin Wright, o filme dirigido por Tom Ford tem em mãos uma história pura de relações, ao qual precisa injetar algo a mais para fazer funcionar no cinema o que parece ter funcionado na literatura.

É por essa questão que o diretor então opta por um filme de estilo, capaz de aprimorar seu cinema e ao mesmo tempo dar sustentação à trama pelo visual. O longa conta a história de Susan (Amy Adams), administradora de uma famosa galeria de arte que certo dia recebe pelo correio o manuscrito do novo livro de seu ex-marido, Tony (Jake Gyllenhaal). Com seu novo cônjuge (Armie Hammer) viajando a trabalho e sozinha em casa, ela começa a ler o texto, que trata de uma história horripilante envolvendo uma família de férias na estrada e os tormentos passados pelo pai (também Gyllenhaal), algo que logo a faz se envolver profundamente.

Daí em diante, Ford passa a alternar entre as duas histórias, intercalando-as afim de revelar tanto o trágico fim do livro que Susan lê quanto seu passado com Tony e suas atuais aflições. Esse exercício de montagem até certo ponto entretém, ainda que soe muito forçado pela própria incompatibilidade de tensão entre as duas partes. Se na realidade a protagonista está inserida em o que parece ser um thriller psicológico, os caminhos tomados na obra que lê estão ligados a um faroeste de vingança de ambientação contemporânea, algo bastante claro na figura de xerife interpretado por Michael Shannon.

Os problemas de Animais Noturnos surgem, porém, a partir do momento que o diretor tem de tratar do conteúdo presente no roteiro - que por si só está ligado a disfunções graves - e nas formas que encontra para materializar este na tela, a começar pela própria protagonista e o arco que percorre. Retratada como típica mulher frígida pela paleta de cores frias, a personagem de Adams vive dramas de quem está inserido num universo machista, mas Ford não compreende isso e transforma tudo em um filme de culpa e maternidade centrado na figura de Susan e sua relação com o marido.

A partir daí é ladeira abaixo. Conforme o seu passado é revivido, a protagonista aos poucos perde a pose de poder que possui e se torna subserviente ao sofrimento por não atender demandas masculinas - as revelações envolvendo seus dois maridos funcionam neste sistema -, ao passo que o ex-marido possui uma trajetória de mais pura reafirmação de sua virilidade pelo “eu” alegórico criado no livro, ressaltado no longa pelo papel duplo desempenhado por Gyllenhaal. É o típico filme de machismos subjetivos, que presume a mulher em um papel de drama íntimo e ligado à reprodução e o homem em uma jornada de provação.

Isso não quer dizer que Animais Noturnos não tenha seus momentos, mas quase todos provém de um ridículo não planejado. Dos acessos de gritos do overacting de Gyllenhaal – que só fica mais evidente (e engraçado) quando posto ao lado da atuação controlada de Shannon e da caricata de Aaron Taylor-Johnson – a mesmo as tentativas de alinhamento entre as duas narrativas, Ford não consegue evitar de fazer um filme de exageros involuntariamente cômico, que ridicularizam até mesmo os caminhos tomados pela história conforme ela se mostra numa trama sobre um “oi sumida” com plot twist. A grande dúvida é se o diretor está ciente ou não desse lado do roteiro.

Nota: 3/10

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