domingo, 13 de novembro de 2016

Crítica: Pequeno Segredo

Representante brasileiro no Oscar 2017 é relato pessoal que busca a distância do impessoal.

Por Pedro Strazza.

Há muito de um propósito pessoal que reverbera por toda a estrutura de Pequeno Segredo, novo trabalho do diretor David Schurmann que se tornou centro das atenções na mídia após ser escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2017. Pessoal não apenas porque o filme tem viés autobiográfico (ele é baseado em uma história de vida passada pela família de velejadores ao qual o cineasta pertence), mas também por causa da própria proposta da produção, que no fundo se faz como um drama de relações familiares cujos conflitos surgem e permanecem dentro de quatro paredes.

Essa necessidade de contenção nunca chega a ser uma temática, mas aos poucos se faz como uma regra involuntária da narrativa do longa, cuja premissa surge da promessa de intercalar duas tramas aparentemente sem qualquer relação. De um lado, a história de amor do neozelandês Robert (Erroll Shand) com a brasileira Jeanne (Maria Flor) e da relação complicada do primeiro com a mãe, Barbara (Fionnula Flanagan); do outro, o cotidiano dos Schurmann nos dias em que a filha caçula Kat (Mariana V. Goulart) volta à escola e entra na puberdade.

De certa forma, Pequeno Segredo sofre de um conflito eterno entre essas duas partes, ainda que não de forma direta. Mesmo que concilie as duas narrativas sem mostrar maiores problemas, Schurmann mostra-se ineficiente para mesclar o relato familiar com a dramatização, confundindo as necessidades do roteiro (escrito junto a Victor Atherino e Marcos Bernstein) com as suas de manter o respeito pelas pessoas retratadas.

O resultado é um filme de drama que a todo instante quer evitar o drama, restringindo-o à quatro paredes distantes das quais o espectador está inserido. É um paradoxo que nunca deixa de ser interessante: Quando a produção parece almejar algum conflito maior entre seus personagens, ele logo a dissipa e já pula para a situação seguinte como se nada tivesse acontecido. Ainda que existam cenas pesadas na história (incluindo aí um acidente de carro e o pequeno segredo do título), o longa insiste na sublimação e na permanência de uma realidade onírica, algo que por sua vez torna incoerente várias passagens da trama - o principal talvez seja o motivo da inclusão da personagem de Flanagan, cuja participação é das mais periféricas.

Porque no fundo Pequeno Segredo é um filme que insiste por buscar a serenidade do sonho em todos os momentos, evitando quaisquer nuvens negras formadas no horizonte. Se Barbara é feita de vilã, é porque os eventos que aconteceram em sua vida a levaram ao isolamento, e isso pode ser reparado; se Robert decide voltar para casa sem Jeanne e ao se arrepender ele volta somente para testemunhar uma tragédia, essa crise no relacionamento é logo resolvida; se Kat tem os problemas típicos da puberdade, eles também passam sem produzir qualquer cicatriz. E se a terra é um lar de dificuldades e conflitos, o mar está logo ali para trazer paz à alma de qualquer pessoa.

O longa então torna-se em uma cornucópia tola, que pressupõe todos os problemas com solução já definida mas não necessariamente precisando ser mostrada, como uma grande saudação a um pôr do sol inacabável. É claro que Schurmann toma esse relato (do qual nunca se envolve junto do irmão, os dois passando a história inteira sem rosto ou fala) como uma forma de homenagear a irmã falecida sem de fato envolver-se em questões mais profundas acerca de sua família, mas a justificativa para tanto nunca se apresenta de fato. Se há uma grande incongruência em Pequeno Segredo, é essa imposição de um trabalho pessoal que no final acaba por ser tornar o mais impessoal e distante possível dos eventos apresentados.

Nota: 4/10

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