terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O Artist's Alley da CCXP 2016 (Parte 1)

Uma amostra das HQs e autores presentes na Comic Con Experience deste ano.

Por Marina Ammar.

As críticas que virão são um especial provindo das minhas explorações pelo Artist's Alley da Comic Con Experience 2016, uma sucessão de mesas para artistas - principalmente brasileiros, independentes e na maioria das vezes apoiados por crowdfunding - exibirem seu trabalho.

As obras sobre as quais escrevi não são necessariamente novas ou debutaram na CCXP 2016. Algumas estavam em seus últimos volumes, enquanto outras viam a luz do dia pela primeira vez.

Mas o importante aqui não é isso. O objetivo desta coletânea é o saber de que todas as obras comentadas são frutos de talentos brasileiros. É gerar discussões e promover nomes desconhecidos, ressaltar os conhecidos e, acima de tudo, reavivar sempre o conhecimento de que muito ainda pode nascer do Brasil nessa área tão querida.


Anderdogue, de Bruno Dinelli


A história de Bruno Dinelli segue Raul, um escritor em período de bloqueio, e o que ele vive para aos poucos vencer essa seca criativa. Paralelamente, a partir do momento em que ele volta a conseguir escrever, sua história é contada de maneira entrelaçada com aquela que Raul escreve.

Aparentemente determinado a permanecer na estagnação de sua mente, Raul é coagido por amigos a sair, para atender à um show de rock. Ele tenta convidar os amigos para acompanhá-lo, mas todos estão ocupados, e ele segue sozinho com a ignição de sua mudança. No show, ele conhece Cecília, uma mulher que está constantemente mudando de cidade devido ao emprego. Como ambos já sabiam que aconteceria, o curto relacionamento que desenvolvem acaba com Cecília precisando mudar-se de volta para a capital.

Enquanto Raul chega à constatação de que uma ignição é necessária para alterar os elementos de um sistema, narra-se o projeto pessoal que ele começa a escrever baseado na interiorização de suas próprias experiências. A história escrita por Raul segue Nicolas, que está sempre viajando, sem propósitos além de conhecer o mundo, novas pessoas e lugares. Em todas as paradas, ele entra em um táxi e pede para ser levado para algum lugar interessante, com música e cerveja de preferência.

Raul escreve sobre uma noite em especial na qual Nicolas acaba se envolvendo no transporte perigoso de uma caixa misteriosa. Ele é sempre seguido por uma moça de óculos escuros que provavelmente está lá para garantir que a caixa seja entregue. No fim da noite, ele é drogado e devolvido para onde começou. A moça de óculos escuros troca uma única conversa com ele, na qual diz que "no fim, tudo isso não passará de uma boa história que você contará para outras pessoas".

É essa a impressão inteira que Anderdogue gera.

As cores são tons de cinza chapados, quase nunca variando em luz e sombra, ao passo que o autor opta por ilustrar seus personagens sem pupilas para impedir o leitor de mergulhar completamente em suas mentes ou reações. Além disso, ele compensa o traço simples com um compasso cinematográfico na história, medindo muitos painéis com ângulos e progressões que lembram câmeras, construindo assim uma atmosfera pungente e ao mesmo tempo fugaz. A história nunca para, movendo-se depressa entre o diálogo curto e os painéis de relevância narrativa.

Anderdogue é uma espiada na vida alheia que causa uma cumplicidade simples e pouco aprofundada, porque no fim da história, assim como Cecília (e ele mesmo), nós logo vamos mudar de estrada - um paralelo marcado pela figura de um quadro de um cavaleiro solitário que Raul tem na sala de casa, sempre observado pelo escritor. É um conto rápido e claro sobre as conexões da vida, seus efeitos e as escolhas que fazemos em relação à ambos. Dinelli traça em suas páginas o cotidiano: claro, rápido, firme e extraordinário na medida certa.

Para conhecer o autor:
http://brunodinelli.tumblr.com/
https://www.behance.net/brunodinelli

Cerulean, de Catharina Baltar

Cerulean é míope. Sempre deixada para trás por suas colegas sereias - tanto por se distrair com facilidade quanto por estar batendo a cabeça por aí - ela explora o oceano na companhia de seu amigo axolote, Ollie.

Juntos, eles encontram uma caverna com um bolsão de ar e também uma caverna para a superfície, onde um explorador perdeu sua mochila. Em seu interior eles encontram um par de óculos, uma camiseta, um chocolate, uma lanterna e outros itens. Cerulean sai da água – revelando ao leitor que consegue assumir pernas humanas quando quer – e decide explorar mais da caverna com ajuda dos óculos (finalmente salva da miopia) e da lanterna. Os frutos de sua exploração são um celular e o interesse crescente pela tecnologia humana, que a levam a explorar a superfície com frequência constante, até uma tarde em que ocorre um acidente com um petroleiro enquanto ela está longe do mar.

Preocupada com Ollie, Cerulean corre para avisá-lo, mas acaba quase se afogando quando descobre que já não pode voltar a ser sereia. A história se encerra com Cerulean trabalhando em um centro de preservação de vida marinha e a ligação de uma amiga dizendo que os peixes estão voltando para a costa – então talvez Ollie esteja bem. 

Baltar, no entanto, presenteia o leitor com histórias curtas no final do volume, sendo a última a verdade sobre Ollie, que está bem e logo encontra sua amiga. 

Cerulean é mais uma versão do que ocorreria se criaturas mitológicas interagissem com o mundo humano e seus elementos, sejam estes bons ou ruins. Auxiliado pela arte em aquarela de cores suaves e emoções palpáveis, o roteiro é simples e gera simpatia não pela conexão entre os personagens, deixadas estranhamente para as histórias curtas no fim, mas sim pela forma como são desenhadas, de forma fofa e expressiva, em situações que qualquer um poderia compreender. No geral, é uma leitura agradável, que acaricia o olhar com seus desenhos, mas falha em entreter ou marcar o leitor além do momento da leitura. 

Para conhecer a autora:

EXE (Esplendor x Efêmero), de Jun Sugiyama e Danilo Franco

Com roteiro de Jun Sugiyama e arte de Danilo Franco, EXE segue a história da Suprema Executora Natasha, uma mulher de partes robóticas. Nada é explicado sobre Natasha ser uma ciborgue, androide ou qualquer outro ser, mas isso pouco importa. O foco de EXE é a visão de Natasha sobre seu mundo e suas obrigações como executora, tendo como plano de fundo uma curta conspiração política e sua rivalidade com o Executor Kojiro, que se tornará Supremo Executor com a “aposentadoria” (de circunstâncias pouco explicadas, mas tudo leva a crer que seja uma desativação) de Natasha. Ele, porém, se recusa a aceitar o título de mais forte desta maneira; ele deseja antes vencê-la de fato. 

As questões apresentadas por Natasha provêm da efemeridade da própria vida e das vidas que ela tira exercendo sua função. O esplendor do título, embora não mencionado, pode ser interpretado como a força do propósito ou da direção que cada ser dá à própria vida. A arte de Franco dá o tom de artificialidade ideal para a dicotomia a respeito de essências, mas duas falhas residem nas páginas de EXE.

A primeira são as questões apresentadas pelo roteiro de Sugiyama. Apesar das discussões sobre aquilo que é apresentado no título serem sugeridas como seu foco principal – sob a visão de Natasha – a subtrama da conspiração aliada a uma repentina chuva de personagens no momento no qual Natasha precisa ser perseguida causam um atropelamento na história, que se afasta de suas questões essenciais para tratar de outros temas. 

Aliado à magnífica arte de Franco, isso causa o segundo problema: Cada personagem possui um design tão único e possibilidades tão infinitas para suas histórias que é um golpe ao leitor vê-los surgir e desaparecer tão rapidamente, em tom quase irônico com o título. 

As falhas, entretanto, pouco atrapalham na leitura, que é interessante durante o complemento de seu curto decorrer e deixa para trás apenas o desejo de que EXE não tenha sido tão efêmero. Ainda há muito do esplendor a ser explorado. 

Para conhecer os autores:



Kimera - A Última Cidade, de Airton Marinho, Giovanni Pedroni, Felipe Coutinho, Alessio Esteves, Jun Sugiyama, Eduardo Capelo, Tiago P. Zanetic e Natan Nakel


Kimera é uma coletânea de histórias curtas, fruto dos trabalhos conjuntos dos nomes citados acima. Como ideia coletiva, a obra possui o necessário para o engajamento inicial – uma boa premissa, bons nomes, arte de capa impecável e páginas repletas de estilos diferentes que não se conflitam, bem separados pelos temas abordados pelos roteiros. A premissa é a história de Kimera, a última cidade da qual se tem notícia, uma megalópole interdimensional e intertemporal que reúne qualquer tipo de pessoa ou criatura, de qualquer dimensão ou tempo.

Na prática, porém, o quadrinho falha em garantir a qualidade do todo justamente por ser uma mistura de talentos diversos, além de não aproveitar a premissa de possibilidades quase infinitas apresentada para si. Sendo assim, é mais simples comentar o volume por histórias, a primeira sendo "Metal Resgate".


Com roteiro de Airton Marinho e arte de Giovanni Pedroni, "Metal Resgate" é a crônica de como foi formado o grupo de protagonistas, composto pela super-forte Hana, o hacker Ed e o homem-com-cabeça-de-carro Diesel. Eles são contratados por Karen para encontrar seu pai - um mutante poderoso - e a trama se desenrola rapidamente. Apesar da ideia poder tomar qualquer direção, o roteiro segue uma linha óbvia, declarando morto o pai de Karen, moça herdeira de seus poderes e novo membro do time, durante cenas de ação que não carregam o roteiro. Marinho falha em criar a conexão rápida necessária para engajar o leitor em uma curta narrativa e a arte de Pedroni marca o olhar pela falta de continuidade em cenas mais dinâmicas, com visível dificuldade para situar o leitor no local onde os atos se passam. 


A segunda história é "Controle de Pragas, Bom Dia!", com roteiro de Alessio Esteves e arte de Felipe Coutinho, que segue uma equipe de exterminação formada por Janine, Dana e Gooze. O trio é contratado pelo Major, prefeito de Kimera, para exterminar dragões que não param de sair de um portal que surgiu dentro de sua residência. Para tal, contam com a ajuda de Lady Lucy, ex-namorada de Gooze e profissional em batalhas contra dragões. 


Na narrativa, o ponto alto é o momento da narração, quando a ação chega ao seu ápice. Apesar disso, o decorrer corrido do roteiro, somado à arte que utiliza de tons escuros demais e contornos pesados, torna o momento tão passageiro quanto complicado de acompanhar, apagando por completo a adrenalina da leitura. A ideia permanece criativa, mas falta a capacidade de apresentá-la de maneira mais engajadora. 


"Rapsódia em 7 Vidas", terceira parte da obra, tem roteiro de Jun Sugiyama e Eduardo Capelo, e talvez tenha a sua brevidade (é a mais curta das histórias contadas) como sua maior vantagem. Apesar do pouco tempo para apresentar os personagens, Sugiyama encontra uma saída simples: faz da protagonista, Sofia, uma gata antropomórfica, tornando seu ponto de conexão com o leitor muito mais simples. Assim, em uma curta aventura, Sugiyama dá a Sofia uma breve visão de seu passado em uma vida antes de Kimera, concebida durante uma sequência onírica ilustrada de maneira belíssima por Capelo, que também abre a história com um quadro de página cheia mostrando Kimera capaz de situar melhor o leitor do que as histórias anteriores. 


A quarta e última parte é "Cadê Meus Braços", com roteiro de Tiago P. Zanetic e arte de Natan Nakel, que segue Carl Saco, um gambá que trabalha como assistente do cientista e inventor Doutor Castor. Em uma manhã qualquer o Dr. acorda e seu robô está sem os braços, e logo encarrega Carl de encontrá-los. Depois de alguma procura, ele acaba encontrando-os junto a uma civilização vitoriana escondida nos esgotos e liderada por uma mulher vingativa, Madame Fancí.


Carl é um personagem divertido de se seguir, criando a cada passo de sua tarefa uma narrativa heroica nada merecida e que ao mesmo tempo o caracteriza rapidamente, tornando-o simpático ao leitor sem muita dificuldade. Embora seja muito repentina, a estranha história de Madame Fancí é algo que se esperaria de uma cidade como Kimera, e o tom de comédia não falha em apresenta-la. As cores da arte de Nakel, porém, não traduzem isso propriamente, diminuindo a cidade e pintando-a com ar muito infantil. 


No todo, Kimera - A Última Cidade não deixa de ser o que sugere – uma amálgama de temas e personagens inusitados - mas ele falha ao prometer tanta liberdade e aproveitar tão pouco desta. As boas histórias estão presentes, mas infelizmente também lembram o leitor do que o volume poderia ter sido. Resta torcer para que Kimera seja revisitada, de forma a compreender melhor as possibilidades de si mesma. 

Lara, de Caio Martins

Escrito por Caio Martins, o quadrinho é centrado na vida de uma menina de galochas amarelas chamada Lara e acompanha um dia típico seu, desde seus sonhos antes de acordar até o fim de sua jornada escolar. No primeiro sonho, Lara ganha as galochas de uma misteriosa figura feminina. Depois de acordar, ela caminha para a escola com a mãe, interagindo com a chuva acompanhada de seu fiel guarda-chuva de coelhinho. No colégio, encontra um amigo com quem se distrai desenhando.

A partir daí a história se transforma. Distraída desenhando, Lara não vê seu guarda-chuva saltar da cadeira e escapar em pulinhos.  É avisada pelo amigo, que logo distrai a professora para que Lara possa perseguir o fugitivo. Perseguindo o guarda-chuva para dentro de uma árvore, ela acaba caindo em um mundo invernal, onde a mesma figura que a presenteou com as galochas aponta uma flor aprisionada. Lara liberta a flor e com essa, espalha a primavera pelo mundo nevado.

Lara é um dia na vida de uma criança repleta de imaginação e personalidade, um caminhar ao lado do imaginário infantil e de como uma criança ainda preenchida da confiança de sua visão sobre o mundo vive as experiências de seu dia-a-dia. Martins presenteia o leitor não apenas com galochas amarelas, mas com uma narrativa que sem uma palavra dói um mundo inteiro, do ponto de vista repleto de cores e maravilhas da dona das galochas e um traço dinâmico e tão lúdico quanto Lara vê seu mundo.

Para conhecer o autor:

Leia a Parte 2 e a Parte 3 do nosso Especial!

0 comentários :

Postar um comentário