quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

O Cinema em 2016: Destaques do Ano

Quinze filmes que se destacaram no ano.

Por Pedro Strazza.

2016 enfim está chegando ao fim e, como de costume nesta época do ano, começam a pipocar nas redes sociais e sites especializados as famosas listas, rankings e retrospectivas dos últimos 365 dias. No cinema, este momento de reflexão geralmente se dá pelas tradicionais publicações que reúnem as melhores e piores produções do ano, polarizando a discussão em um verdadeiro gostei/não gostei que visa acima de tudo a consagração de uma parcela de filmes lançados neste ciclo que agora se encerra.

No O Nerd Contra-Ataca essa metodologia não é diferente, mas também não nos satisfaz por completo. Acompanhar a produção cinematográfica contemporânea de perto implica em ter contato com uma quantidade de filmes gigantesca, tão grande que seria impossível de resumi-la em duas listas pequenas.

É por isso que, desde 2013, o site lança com muito orgulho uma terceira lista chamada Destaques do Ano, com títulos que embora não tenham conseguido o necessário para ficar entre os melhores foram bons o suficiente para impactar o público. Todos produções inéditas lançadas no circuito comercial de cinemas brasileiros entre os dias primeiro de janeiro e 31 dezembro, os quinze filmes aqui reunidos merecem de alguma maneira esta lembrança, muito por causa das novas ideias, visões e maneiras de encarar o cinema, seus gêneros e suas temáticas.

Sem mais delongas e em ordem alfabética, vamos a eles:

  • Amor e Amizade

Depois de tantas adaptações da obra de Jane Austen para o cinema, é de se admirar o frescor que o diretor estadunidense Whit Stillman imprime em Amor e Amizade, filme que traz para as telas o curto romance da autora inglesa. Mais interessado no caráter novelesco da história, o longa escapa do tom dramático e do comentário social que são típicos de tais produções para se divertir com a comédia de costumes que tem em mãos, trabalhando os conflitos palacianos das classes mais altas da sociedade inglesa sob um clima despretensioso dos mais agradáveis. Aliado a isso, Stillman ainda conta com uma grande performance de Kate Beckinsale, que mostra ter grande controle sob a protagonista da história e seu perfil quase enigmático aos demais personagens.

Sim, ele não poderia deixar de marcar presença aqui. Um dos (senão o) filmes mais polêmicos do ano, o primeiro encontro de Batman e Superman no cinema dividiu opiniões em caráter extremo, com defensores ardorosos e detratores extremamente zangados quase saindo no soco sobre a qualidade da produção. E ainda que os defeitos sejam óbvios (alguém chegou a curtir aquele confronto final com o Apocalipse?), há o que gostar sim no longa: Mais descontrolado do que nunca em seus slow motions e fetiches por corpos musculosos, Zack Snyder promove em Batman vs Superman - A Origem da Justiça um dos mais fascinantes processos de igualamento de mitos, contrapondo as figuras heroicas do homem-morcego e do filho de Krypton sob um prisma inesperado, pretensioso, piegas e (quem diria!) bastante funcional. Gostando ou não, sua existência agora é inegável.

Spotlight pode ter levado o Oscar e ganho fãs em toda a parte, mas o filme mais intrigante sobre Jornalismo em 2016 foi este relato dos últimos dias de trabalho do âncora Dan Rather na CBS. Estréia do roteirista James Vanderbilt na direção, Conspiração e Poder traz para a tela toda uma problematização dos rumos do Jornalismo no mundo de hoje, evidenciando transformações no meio que embora adotem um viés conservador (o tão temido fim da profissão é escancarado aqui) não adotam sob nenhuma maneira a elegia ou homenagem ao que veio antes. Sem contar que o diretor sabe fazer da mudança quase um horror por si só, como bem provam cenas como a da personagem de Cate Blanchett lendo os comentários de ódio à sua pessoa na internet.

Adaptação do livro autobiográfico do prestigiado autor Amós Oz e debute de Natalie Portman na direção, De Amor e Trevas é um filme que é frio na abordagem que faz da relação central entre o protagonista e sua mãe. Tal distanciamento, porém, é muito bem calculado pela diretora, que mantém seu espectador constantemente intrigado sobre o enigma da figura materna (interpretada pela própria Portman) na mesma proporção que esta é ao próprio filho. Um sentimento paradoxal de atração e afastamento que acaba por servir muito bem aos propósitos da produção, concebendo uma das experiências imersivas mais curiosas deste ano.

  • Horizonte Profundo - Desastre no Golfo

Depois de traumatizar o público sobre as ações dos militares estadunidenses em terras estrangeiras com O Grande Herói, o diretor estadunidense Peter Berg volta a proporcionar a mesma sensação neste Horizonte Profundo - Desastre no Golfo. Seu olhar agora recai sobre o interesse privado, as grandes corporações petrolíferas cujos desejos e metas financeiras levaram ao colapso da plataforma Deep Horizon em 2010 (um dos maiores acidentes da História do ramo), e o diretor faz o que sabe fazer de melhor. Seja pelo engravatado de John Malkovich encharcado de petróleo, o engenheiro de Kurt Russell tentando deixar todos seguros mesmo com o corpo todo machucado pela explosão ou o momento final vivido pelo protagonista de Mark Whalberg, caído no chão e em prantos, Berg não permite ao espectador um respiro na narrativa, condenando-o a viver o sofrimento que recai sob seus personagens por causa da mesquinhez de alguns. Uma verdadeira porrada no estômago.

Os filmes de zumbi podem estar vivendo um momento de esgotamento pleno nos dias de hoje, mas ainda há bons exemplares do gênero surgindo aqui e ali. Um deles é este Invasão Zumbi do sul-coreano de Yeon Sang-Ho, que faz da jornada dos passageiros de um trem para a cidade do Busão e de suas tentativas de sobrevivência ao apocalipse zumbi um frenesi dominado pela adrenalina e a tensão. Cartunesco, claustrofóbico e bastante físico (a ausência de armas gera uma instabilidade sensível no espectador), o longa combina muito bem a alegoria social com os elementos típicos do cinema sul-coreano, resultando em um terror divertido ainda que efêmero.

Outro terror bastante encantador de 2016 foi a continuação de Invocação do Mal, cuja influência e homenagem a obras-primas do gênero não ficou no caminho de grandes sequências de tensão. Em alta em Hollywood, o diretor James Wan repete aqui seu terror lúdico e espacial com enorme destreza, aproveitando ambientes vazios e planos longos para pôr seu espectador em situações de total desconforto. O resultado é um filme de horror bastante eficiente, capaz de traumatizar alguns e deixar outros admirados com a destreza exibida pelo cineasta.

  • Julieta

Julieta não chega a ser um grande trabalho de Pedro Almodóvar, mas com certeza é daqueles que toca no íntimo. Mais uma vez tratando da relações entre mães e filhas, o cineasta espanhol combina três histórias escritas por Alice Munro que tratam do sofrimento e da angústia materna, abordando a questão com a sensibilidade necessária. O mistério que envolve o conflito entre a mãe Julieta e a filha Antía, elemento central da trama, gera toda uma constelação de emoções em seu espectador, evocando neste uma reflexão profunda sobre a complexidade desta relação tão essencial. 

  • Mãe Só Há Uma

Embora esteja um pouco abaixo do nível alcançado por Anna Muylaert em Que Horas Ela Volta?, Mãe Só Há Uma é mais um bom trabalho da diretora, que prova de novo ter bom controle espacial das situações que propõe. O momento difícil pelo qual passa seu protagonista, jovem que descobre que sua mãe o roubou da maternidade no nascimento e precisa se ajustar a uma nova família e condição social enquanto na adolescência, se torna no campo ideal para a cineasta gerar conflitos de classe complexos, que abandonam o maniqueísmo de seu último trabalho para adotar uma compreensão dolorosa de todas as partes envolvidas. O filme talvez não saiba resolver a situação que estabelece, mas decididamente é capaz de transparecer o emocional de todos ali envolvidos.

Terceiro longa-metragem do dinamarquês Joachim Trier, Mais Forte que Bombas parte de dramas familiares para atingir questões imagéticas das mais dolorosas. Seja na morte ou no nascimento, os momentos de transformação da vida se tornam na base sólida para que o diretor trabalhe seus personagens e as relações difíceis que nutrem entre si sob o viés da projeção, da imagem que um cria sobre o outro e as consequências de tal ato. Uma maneira instigante de enxergar os relacionamentos familiares.

  • Mate-me Por Favor

Chega a ser fascinante como Mate-me Por Favor não mede esforços para dar destaque à sua temática, abrindo mão até de sua trama no processo. Uma decisão das mais controversas, é verdade, mas que não impede o longa dirigido por Anita Rocha da Silveira de brilhar em suas pretensões. Alegoria extremamente direta à posição da mulher na sociedade machista e misógina, o filme tira do cotidiano de quatro amigas um retrato angustiante e perturbador, capaz de ressaltar o sofrimento diário da população feminina pelo arco de coming of age mais simples possível.

Depois de passar um tempo fazendo filmes esquecíveis (nunca nos esqueceremos de Cowboys e Aliens, certo?), Jon Favreau voltou a acertar a mão este ano com o live-action de Mogli - O Menino Lobo, clássico infantil do escritor Rudyard Kipling que finalmente ganhou uma adaptação à altura de seu legado. Se na animação de 1967 a história da criança criada na floresta era um verdadeiro pot-pourri tresloucado, o filme de 2016 combina efeitos visuais de primeira categoria com a jornada do protagonista para refazer o deslumbramento dos contos infantis, trazendo de volta uma magia há algum tempo perdida nas aventuras infantis. Esta conquista deve se tornar agora em fórmula para os próximos projetos da Disney, mas é sempre bom saber que alguém ainda é capaz de proporcionar tal encanto ao público.

  • Nerve - Um Jogo Sem Regras

Quem também trouxe uma bem-vinda renovação a um determinado tipo de história é Nerve - Um Jogo Sem Regras, que trouxe para o gênero do cyberpunk as histórias de amor juvenis sem deixar uma das partes ficar sem sal. Aliando a crítica às redes sociais com a emancipação adolescente, o filme da dupla de diretores Ariel Schulman e Henry Joost mantém o espectador preso em uma dinâmica recompensadora dentro do mundo que propõe, alimentando a narrativa com viradas funcionais e capazes de transformar a percepção do público sobre os eventos sem que a lógica dos eventos mostrados se perca. No resto, é um teen drama convincente e deveras charmoso, que sabe trabalhar a jornada de sua protagonista com o encanto típico dos contos-de-fada tradicionais em um mundo contemporâneo recheado de dúvidas e anseios.

  • Sinfonia da Necrópole

Dos filmes de gênero o que talvez menos se espere da produção cinematográfica brasileira é o musical, algo que não impede o simpático Sinfonia da Necrópole de fazer o que bem entende. Passado em um dos cemitérios de São Paulo, o longa de Juliana Rojas sabe realizar a crítica social que se propõe a fazer ao mesmo tempo que se enquadra nas convenções do gênero e se arrisca em outros (os flertes com horror são divertidos). Talvez falte um melhor preparo nas canções, mas isso não impede a produção de alcançar seus objetivos.

  • Tangerine

Filmado inteiramente no celular e tratando de um universo marginalizado pela sociedade contemporânea, Tangerine funciona muito bem como comédia de relações atípicas à grande parte das pessoas, mas que ao mesmo tempo não são nem um pouco estranhas a elas. A jornada de duas prostitutas transexuais para encontrar e confrontar o namorado de uma destas (que está saindo com outra após a amada ir parar na cadeia), afinal, aproxima o público dos dramas cotidianos de suas personagens e cria uma identificação bastante complacente com estas. Este dever quase humanitário, porém, não é o único objetivo da produção, que também promove uma bela mensagem de união e amizade a pessoas imersas em um mundo de preconceitos, configurando-se em um dos mais bem intencionados contos de Cinderela do ano e (possivelmente) da década.

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