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sexta-feira, 29 de abril de 2016

Crítica: Capitão América - Guerra Civil

Conflito pesa no drama, mas encontra no humor seus melhores momentos.

Por Pedro Strazza.

Chega a ser fascinante como Capitão América - Guerra Civil e Batman vs Superman - A Origem da Justiça se assemelham em seus esforços descomunais de alinhar os protagonistas para brigar entre si, seja em conteúdo, temáticas ou até mesmo (quem diria!) em resoluções. Tendo em mãos um gigantesco número de personagens, ambos os filmes acabam por usar muito da imagem do herói como processo narrativo, conscientes do impacto que estes tem no imaginário público e sabendo levar isso sem deixar transparecer o peso deste em suas histórias. É algo interessante de um ponto de vista teórico, ainda mais se considerarmos que são obras representativas de duas editoras que desde sempre buscaram criar distância uma da outra.

No cinema, pelo menos, esse afastamento entre Marvel e DC (ou agora Disney e Warner, se preferir) fica mais claro na maneira como elas trabalham esta metodologia, e os carros-chefes das duas empresas em 2016 servem como bons exemplos para tal. Pois enquanto o confronto do Homem-Morcego com o Homem de Aço dirigido por Zack Snyder privilegia no embate o debate, criado em cima de como tais figuras se relacionam em diferentes campos e níveis de entendimento, a guerra entre Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Steve Rogers (Chris Evans) é voltada pelos irmãos Anthony e Joe Russo para a aplicação direta, de maneira que tais imagens beneficiem o combate em peso e eficiência.

É uma forma mais prática de direcionar essas elaborações, e por isso mesmo depende muito de como os diretores irão executar isso na narrativa de fato. Como Joss Whedon nos dois Vingadores e James Gunn em Guardiões da Galáxia, os Russo entendem bem a importância e o peso daquilo que tratam quando abordam os diversos heróis em questão, e precisam encarar no fundo uma missão muito mais difícil que a dos outros dois cineastas: agora que as figuras estão estabelecidas, que caminho seguir com eles?

Pelo menos em Guerra Civil, a solução encontrada pelo irmãos para essa pergunta é a de contorná-la, de forma conveniente a seus propósitos mantendo em curso os rumos dados a esses personagens sem contudo interferir ou alterá-los de fato. Assim, para iniciar o conflito do título, a dupla de diretores e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely deixam intactas as imagens consagradas em filmes anteriores, preservando tanto o arco de rebeldia do Capitão América como o do empreendedor arrependido do Homem de Ferro, de forma que elas naturalmente se ponham em lados opostos do espectro de uma questão - aqui, a dos efeitos colaterais provocados pela ação dos super-heróis nas populações ao qual se empenham tanto em proteger.

Essa decisão, similar à de Whedon em A Era de Ultron (mas melhor executada) e que também afeta os outros vingadores presentes na briga, serve bem aos Russo na abordagem individual de cada personagem, pois permite a eles que alternem de ponto de vista constantemente sem provocar maiores instabilidades narrativas. Ao mesmo tempo, porém, a reles manutenção restringe seus movimentos de maiores ambições temáticas, privando-os de se aprofundarem mais nas possibilidades oferecidas na variedade dessas figuras, que tem na fácil conotação com a realidade o seu maior charme - a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) sendo a garota problema, o Visão (Paul Bettany) o tio responsável, o Homem Aranha (Tom Holland) o millennial e por aí vai. O resultado, pelo menos em termos dramatúrgicos, é um novelão mexicano arrastado quando focado nesta tarefa de desenvolvimento, que centrado na dinâmica entre Stark, Rogers e Bucky Barnes (Sebastian Stan) abraça sem qualquer pingo de hesitação romances e amizades como estrutura principal.

Mas o que os diretores não tem de capacidade para lidar com o drama eles compensam na entrega do entretenimento, e é aí que Guerra Civil sai ganhando. É nos sets de ação que os irmãos Russo melhor resolvem sua abordagem, encontrando um equilíbrio difícil no longa entre a comédia e o peso do conflito (sentido pelos heróis conforme os dois lados brigam com aqueles antes considerados seus amigos) no reconhecimento inerente daqueles personagens como figuras de ação elementais, que, individualizados até o âmago de suas identidades, não mergulham tais momentos em nenhuma repetição logística enfadonha. A batalha no aeroporto, ápice do filme, é aonde essa experiência proposta é mais recompensadora e soa fluida, justamente porque assume para si a materialização do imaginário como modo de operação prioritário.

Mais uma consequência que parte do planejamento, essa materialização acaba por oferecer muito mais ao filme que o drama triangulado na relação dos dois protagonistas com o Soldado Invernal, em muitos momentos aspirante porém nunca tão trágico quanto gostaria. Mesmo que não queira quebrar o claro desbalanço entre a representação iconográfica glorificante e a gravidade das histórias a serem contadas, característica central de todas as produções da Marvel Studios (e sempre prejudicial a seus vilões), é perceptível em Capitão América - Guerra Civil uma tentativa de mexer de alguma maneira nesse status quo, que privilegie o estilo mais austero e deixe de lado a aparente "fórmula" da superficialidade dos filmes do estúdio.

O curioso disso é que enquanto os Russo, afim de obter maior sucesso e um revigoramento da fórmula, tentam injetar maior carga dramática na introdução do Pantera Negra (Chadwick Boseman) e na seriedade dos assuntos tratados - e eles até obtém algum sucesso parcial na interessante virada final da história -, quem lhes garante isso no fim é o humor, que melhor dosado enfim tem o espaço adequado para entreter. Alinhar e desprender isso de amarras tão supressoras é, então, a próxima tarefa a ser resolvida, seja pelos irmãos ou qualquer outro cineasta disposto a mexer em uma estrutura tão aclamada pelo público.

Nota: 7/10

sábado, 23 de abril de 2016

Crítica: O Caçador e a Rainha do Gelo

A ponto de desabar, sequência acaba funcionando em seus pontos secundários.

Por Pedro Strazza.

Enquanto continuação, é interessante perceber a maneira como O Caçador e a Rainha de Gelo busca se distanciar visualmente do antecessor Branca de Neve e o Caçador, ainda que preserve em suas temáticas a centralidade de questões femininas. Se o longa de 2012 mostrava dedicação incomum em adaptar o célebre conto de fadas dos Irmãos Grimm ao imaginário medieval com um pé no fantástico, o segundo capítulo aqui parece inverter a ordem de importância, abraçando com maior entusiasmo na narrativa o lado mágico para deixar a realidade ao texto da trama que ao mesmo tempo serve de prelúdio e sequência ao original.

É uma diferença de tom que talvez aconteça pelo caráter claramente submisso de ambos os filmes às épocas ao qual se inserem como blockbusters - o primeiro no fim da onda de adaptações mais interessadas na estética sóbria e de viés realista, o segundo na agora emergente leva de produções mais coloridas e que voltam a assumir algum nível de despretensão -, mas ela também é determinante para auxiliar o estreante Cedric Nicolas-Troyan em seus esforços de dar autonomia à aventura protagonizada pelo antes coadjuvante Eric (Chris Hemsworth), o Caçador que serve de ponte entre os títulos das obras. Junto dos roteiristas Evan Spiliotopoulos e Craig Mazin, o diretor se empenha em deixar palpável o grau de separação que sua produção tem da anterior, mas tem à frente uma tarefa muito mais difícil e bastante incomum ao recém-formado subgênero de versões live-action de histórias infantis: criar um novo conto de fadas a partir de um já conhecido.

Se Nicolas-Troyan reconhece o peso dessa missão é o verdadeiro enigma do filme, que na construção de sua trama se complica ainda mais ao reafirmar o caráter adulto de seus temas em uma história estabelecida como para crianças. Pois se no visual e na ação o longa se faz mais leve e acessível às gerações mais jovens, O Caçador e a Rainha de Gelo traz no enredo uma variedade de temas que no fundo só são melhor compreendidos pelos mais velhos, como a maternidade (o drama da Rainha Freya, interpretada por Emily Blunt com alguma distância, em superar a morte do filho) e o casamento (a dificuldade da guerreira Sara de Jessica Chastain em voltar a amar o marido). É um paradoxo narrativo deveras esquizofrênico, lidado com nenhuma habilidade pelo roteiro e que ora ou outra funciona sem qualquer fundamento lógico, o que talvez confira algum charme à produção pela sua bizarrice nata.

O problema maior, entretanto, não é o disparate entre temática e público, mas sim a estrutura esboçada por Spiliotopoulos e Mazin para conceber a obra como conto de fadas, que não consegue encontrar em Eric o protagonista ingênuo clássico de tais histórias. A dupla experimenta na trama imbuir o Caçador de uma fé inabalável sobre a durabilidade do amor e Hemsworth disfarça imprimindo na atuação um ar mais relaxado, mas é evidente no roteiro como o personagem não carrega a vocação para liderar uma história do gênero, até porque ele traz em seu âmago uma identificação de virilidade que não conversa com tais valores característicos de inocência. Sem esse elemento central, não demora muito para toda a construção começar a ruir.

O fascinante de O Caçador e a Rainha de Gelo, porém, é que mesmo sem esse pilar tão fundamental sua estrutura não chega a desabar, graças aos pontos secundários que cria de maneira colateral na narrativa. Mesmo que não seja planejado como tal, o ar descontraído trabalhado por Nicolas-Troyan, seja no humor das duas anãs interpretadas com charme por Sheridan Smith e Alexandra Roach ou nos excessos de atuação milimetricamente planejados por Charlize Theron (ainda mais à vontade em seu retorno à rainha Ravenna), é o que no fim providencia ao filme seus melhores momentos.

Nota: 5/10

domingo, 17 de abril de 2016

Crítica: Mogli - O Menino Lobo

Nova adaptação materializa o deslumbramento dos contos infantis pelo CGI.

Por Pedro Strazza.

Apesar de ambos os filmes possuírem o mesmo nome e serem baseados nos cenários e personagens dos livros de Rudyard Kipling, as duas versões de Mogli - O Menino Lobo são bastante opostas no tratamento dado às histórias do garoto criado na floresta. O longa de 1967, último produzido por Walt Disney antes de morrer e lançado durante a retomada dos grandes musicais em Hollywood, forçava para dentro do conto infantil os maneirismos estabelecidos pelo fundador da empresa sem contudo alinhá-los com a jornada do protagonista, o que no fim tornava o filme em um verdadeiro pot-pourri desvairado e sem linha de condução mínima. 

Já a nova adaptação, comandada por Jon Favreau e parte da estratégia da Disney de refazer suas agora clássicas animações infantis em formato live-action, tem que encontrar um equilíbrio difícil, que permita-o se desvencilhar da obra anterior (e consagrada no imaginário do público) e ao mesmo tempo não chegue ao extremo de negar essa relação de nostalgia. O que Favreau e o roteirista Justin Marks fazem, então, é executar de cabo a rabo a jornada de Mogli na dimensão do conto infantil ao qual ela pertence, proposta por Kipling em seus livros e carregada a contragosto na produção de 67. E, no fundo, essa decisão prova-se ser a mais acertada.

Porque mesmo que esteja preso a uma atemporalidade de pouco peso, o estabelecimento prioritário de uma narrativa mais juvenil é extremamente benéfico a este novo Mogli, que já sai ganhando da animação pelo simples motivo de possuir tal estrutura. Mistura de CGI e live-action (representado na figura do ator Neel Sethi como o pequeno protagonista), o filme tem no arco vivido pelo menino lobo e sua relação com o mundo o seu maior diferencial, separando-o inclusive de outras recentes tentativas do estúdio de mais uma vez levar os contos clássicos às telonas, como Cinderela e Malévola.

É um esforço que fica claro desde o início, quando o longa precisam introduzir seus personagens e o conflito inicial. Se na animação de 67 a importância e o perigo que Mogli representava para os membros da floresta era jogada de qualquer jeito no roteiro, muito mais preocupado em como conectar todos os pontos de sua história, aqui ela é feita em caráter progressivo, revelada pelos animais apresentados de forma a envolvê-los na busca pelo garoto. Essa busca, vale acrescentar, ganha contornos interessantes nas mãos de Marks, que esboça transformar a imensa floresta que serve de palco aos eventos em uma espécie de briga de territórios entre os vários predadores presentes nela, incluindo aí o vilanesco tigre Shere Khan (Idris Elba) e a alcateia de Akela (Giancarlo Esposito).

Outro ponto forte desta adaptação é a maneira como trabalha esta selva em questão. Os cenários e principalmente os animais são trabalhados por Favreau com uma exuberância encantadora, de forma a materializar o porquê de Mogli querer tanto permanecer na floresta e no processo deslumbrar o público com seu fotorrealismo imponente, que ganha força no elenco de vozes marcantes composto por nomes como Christopher Walken, Ben Kingsley, Scarlett Johansson e Bill Murray.

Essa combinação de maravilhamento e convenção, por mais simples que seja, é o que torna Mogli - O Menino Lobo tão agradável aos olhos e ouvidos. Conto infantil sincero, o filme mostra-se ciente deste perfil e preocupado em materializar tal dimensão na tela, alinhando o amadurecimento inerente do protagonista à própria descoberta do mundo ao qual habita. E isso, de certa maneira, é o que torna os clássicos infantis tão memoráveis.

Nota: 8/10

sábado, 16 de abril de 2016

Crítica: Ave, César!

Filme de panorama dos irmãos Coen encaixa bem tom irônico dos diretores.

Por Pedro Strazza.

A temática da crença, seja esta qual for, permeia a carreira dos irmãos Ethan e Joel Coen já há algum tempo, mas em seus filmes recentes ela parece ter se tornado mais central aos dois diretores. Em seu viés institucionalizado (a busca do personagem de Michael Stuhlbarg em Um Homem Sério para uma razão à fé perpetuada por sua religião) ou pessoal (a dificuldade do protagonista de Inside Llewyn Davis em encontrar a si mesmo), este dilema intrínseco ao ser humano de achar um Norte para sua vida se tornou em uma espécie de alvo da dupla de cineastas, que por suas histórias trabalham tanto para legitimar o esforço de encontrar respostas quanto de ridicularizá-lo.

Essa ironia subentendida dos irmãos, essência de sua filmografia desde o começo, pode estar melhor representada para fins didáticos em Ave, César!. Situado na Hollywood dos anos 50, o longa separa esses dois lados da moeda dos Coen para trabalhar ao mesmo tempo o filme de panorama e a jornada do produtor Eddie Mannix (Josh Brolin), que, atrás da sequestrada estrela de seu novo épico bíblico, faz de tudo para não sucumbir às tentações do trabalho. É uma medida inédita dos cineastas, visto que os protagonistas de seus roteiros sempre carregaram a ironia de não saberem o que estão procurando enquanto são mergulhados ao caos de um problema atípico de seu cotidiano.

Tal mudança no modo de operação da dupla serve também para que o longa realize a desconstrução em nível institucional da sociedade que aborda. O cenário dos Estados Unidos dos anos 50, envolto nas glórias da Segunda Guerra e na emergência da Guerra Fria, torna-se nas mãos dos irmãos Coen em um mecanismo para desarmar, pelo humor, os ideologismos em ebulição da época e ainda presentes nos dias de hoje. Ainda que a obra não chegue a desfazê-los (algo ilógico, dado suas permanências no quadro contemporâneo), capitalismo e comunismo são feitos de ridículo na narrativa, deslegitimados de suas propensões grandiloquentes como sistemas que formam e movem o coletivo e entram em conflito para se fazerem únicos.

Ave, César! encara essa tarefa de ridicularização dos grandes sistemas, porém, não como forma de conceber e idolatrar um novo, mas sim para dar caráter mais aflitivo à crise vivida por seu protagonista, que apesar de se desenrolar em grande parte do tempo à margem da trama principal se instaura como principal drama da comédia. Em seus esforços tomados para encontrar o ator Baird Whitlock (George Clooney), sequestrado por um grupo de comunistas roteiristas no início da história, e manter a reputação do estúdio intacta, Mannix se vê muitas vezes confrontado na narrativa com o próprio perfil de vida, que envolve a rotina intensa do trabalho e a pouca convivência com os filhos e a mulher (Alison Pill). Sua determinação em resolver o caso e fugir dele mesmo, característica quase antagônica à dos outros protagonistas dos Coen, acaba por encontrar na crise com o sistema o principal mecanismo a mover a trama e seus personagens.

Não é à toa, então, que o longa se contente tanto em emular o cinema hollywoodiano dos anos 50, em um quê de ridículo escondido na seriedade dos personagens e cenários. As caricaturas de gêneros e personalidades célebres da época, que atingem momentos gloriosos nas cenas protagonizadas pelo cowboy de Alden Ehrenreich e o dançarino de Channing Tatum - atores que graças aos papéis mais escrachados melhor captam e incorporam a proposta do filme às suas performances -, atuam muito para desestabilizar a seriedade do personagem de Brolin, em uma espécie de contraponto que termina sendo o principal atrativo da trama. Nesse momento, os Coen parecem reconhecer o cinema estadunidense como grande instituição, como mais um Golias a ser derrubado por seu humor satirizante.

Aliado às sucessivas piadas com catolicismo (o "Behold" da caixa d'água parece vir para alinhar enfim a crença com tudo exposto pelo filme), essa grande tirada ao sistemas que é Ave, César! limita demais a produção ao escopo da comédia pela comédia, de um humor que apesar de divertir no processo não consegue ir além da proposta inicial de desconstrução para alcançar a crença. Ironicamente, é aqui que o tom irônico dos Coen consegue encontrar um dos melhores espaços na carreira dos dois para se encaixar, mas ao mesmo tempo acaba se mostrando bastante à deriva.

Nota: 7/10

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Crítica: Mais Forte que Bombas

Em mosaico desencontrado, Joachim Trier retrata as dores da construção da imagem.

Por Pedro Strazza.

Mais Forte que Bombas parte de uma contradição: Logo depois de confraternizar com a esposa o nascimento do filho na maternidade, o jovem acadêmico Jonah (Jesse Eisenberg) encontra por coincidência nos corredores do mesmo hospital a ex-namorada Erin (Rachel Brosnahan), que lamenta a morte da mãe. Após receber suas condolências, ela questiona Jonah sobre o porquê dele estar no local, e ele, ao invés de revelar as boas notícias sobre sua família, mente uma resposta vaga e que subentende uma condição de saúde precária de seu cônjuge.

Questões de educação à parte, esta introdução para o terceiro longa-metragem de Joachim Trier é um prenúncio à história que se seguirá, tanto em seu caráter de confrontação quanto do próprio disfarce ao qual o roteiro se submete a princípio. Porque apesar de se estabelecer na superfície como um drama de luto, pelo acompanhamento das vidas de Jonah, seu irmão Conrad (Devin Druid) e o pai Gene (Gabriel Byrne) nos meses após a morte da mãe, esposa e fotógrafa Isabelle (Isabelle Huppert), Trier aqui está muito mais interessado na construção da imagem que cerca esses personagens, em seus esforços para manter intactas as representações que tem de si mesmos e dos próximos.

É um tema que se delineia aos poucos na narrativa da obra, elaborada na forma de um filme mosaico desencontrado para despistar o espectador desta. Nas várias mídias apresentadas - os auto-retratos, os avatares do jogo - à mudança de perspectiva realizada logo no início (e que também revela o próprio julgamento que o espectador faz em cima dos personagens), Trier trabalha com parcimônia, dedicado a estabelecer os dramas vividos por seus três protagonistas em cima de uma fatalidade (a morte súbita de Isabelle) e suas consequentes revelações - as reais circunstâncias do falecimento, o caso extraconjugal - para depois colocar em rota de crise as imagens em voga de cada um sobre os outros e si mesmo.

Tal crise, que nunca chega a ser uma desconstrução no roteiro, traz reverberações interessantes a Mais Forte que Bombas e os arcos vividos por seus personagens, que ora ou outra podem soar rasos ou clichê mas nunca se deixam afetar por isso. O choque do que a mãe era com as lembranças formadas por seus filhos e marido permite ao diretor que trabalhe a temática em um espaço no qual abrigue sua complexidade e também seu lado mais humano, e Trier o aproveita para explorá-lo sob diversos pontos de vista. O coming of age de Conrad soa tolo e as recusas de Jonah e Gene em assumir suas novas responsabilidades não escapam da infantilidade, mas apenas porque o longa os usa como base para entender as fundações dessa representação ao invés de efetivamente seguir por estas como condutor de seu retrato.

É uma decisão que custa caro, mas fornece o necessário para que o filme se sustente. Dos momentos que cria - em especial naqueles protagonizados por Conrad e ancorados por suas conversas com o irmão - Trier manifesta a relação entre indivíduo e imagem nas mais diferentes formas, conectando-a bem ao mosaico desencontrado que estrutura sua narrativa e torna ainda mais pungente a dor envolvida nesta. Isabelle, nesse contexto, serve como ponto central do processo de evidenciação, mas também passa por ele mesmo depois de morta por possuir uma identificação neste estado a ser desfeita.

Não há dúvidas que a metodologia do cineasta dinamarquês ainda precisa de refino (até porque o filme no fim não consegue chegar a algum lugar concreto), mas nesta sua terceira incursão em longas o diretor e roteirista demonstra ser capaz de tratar e combinar temas difíceis de maneira palatável ao espectador. E isso fica claro não somente no dilema principal da narrativa, mas em um secundário, quando Conrad tem sua atração platônica pela colega Melanie (Ruby Jerins) desfeita em uma mijada na rua, na madrugada de um pós-festa.

Nota: 7/10

sábado, 9 de abril de 2016

Crítica: Rua Cloverfield, 10

Continuação se consagra na consciência e equilíbrio de sua estrutura.

Por Pedro Strazza.

Dos poucos paralelos que podem ser traçados entre Cloverfield: Monstro e esta sua sequência Rua Cloverfield, 10, o que talvez melhor se sobressaia no desenrolar dos eventos do segundo é a similaridade de ambos na maneira como estabelecem o horror a ser enfrentado pelos personagens. Mesmo que sejam completamente diferentes em estrutura, narrativa e até proposta, os dois filmes tem no âmago de suas histórias a busca pela resposta de uma pergunta hipotética e também bastante realista: quando tudo for pelos ares e o mundo que conhece cair em chamas, para onde o indivíduo irá recorrer? Em qual instituição social ele irá se apoiar para manter a sua ordem intacta?

É a partir deste ponto que as duas obras tomam caminhos distintos, pois enquanto que no longa de 2008 a questão era tratada sob o ponto de vista do relacionamento - com duas pessoas procurando reunir o amigo com seu amor não consumado em meio ao caos de uma invasão avassaladora de um monstro à cidade de Nova York como forma de reparar a própria perda de seus parceiros - a continuação a trabalha pela temática familiar, ou, pelo menos, da fabricação desta em tempos de crise. A característica fundamental para o segundo Cloverfield se diferenciar do primeiro, porém, está na forma como ele se aproveita desta temática para a narrativa, desenvolvendo um simples mas difícil jogo de paranoia à partir do momento em que a protagonista Michelle (Mary Elizabeth Winstead) acorda presa em um dos quartos do bunker construído por Howard (John Goodman).

Desde sempre tão vital aos filmes de câmara do qual Rua Cloverfield, 10 pertence, essa paranoia é elaborada pelo diretor Dan Trachtenberg tanto pelo que ocorre no lado de dentro do confinamento, com a figura misteriosa do dono do bunker servindo de guia para as reviravoltas do roteiro de Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle, como pelo lado de fora, à partir do momento que quebra com parte das expectativas de Michelle - e, por consequência, do espectador - sobre a farsa de toda a situação na qual ela está inserida. Esse alinhamento de incertezas entre público e protagonista sobre o ambiente, inclusive, é o que guia o longa a todo instante, e aposta nas viradas de trama como alicerce principal da narrativa.

Essa estratégia tem tudo para dar errado, até porque o mecanismo da reviravolta precisa de um pré-estabelecimento de certezas (neste caso concentrada em todo o primeiro ato) e perde o valor se aplicada seguidas vezes, mas acaba por dar certo na produção de Trachtenberg por dois motivos. O primeiro é a presença de Chazelle, bastante conhecido por seu celebrado debute como diretor em Whiplash e cuja habilidade quase natural em dinamizar roteiros encaixa muito bem aos propósitos do filme.

O segundo, e mais importante, é a consciência do diretor do delicado equilíbrio do suspense exercido aqui, e a maneira como ele a põe pra trabalhar a seu favor.

Gerado pela paranoia dupla, esse suspense ganha contornos interessantes conforme as peças são postas e o longa revela os fatos. A tensão de Rua Cloverfield, 10 funciona primordialmente nessa construção familiar imposta por Howard a Michelle e Emmett (John Gallagher Jr.) - que rende momentos interessantes quando a filha do dono do bunker é mencionada ou a fotografia de Jeff Cutter enquadra os três personagens junto das plaquinhas "Lar doce lar" espalhadas pelo ambiente -, mas ela não se restringe ao tema e nem soa atrapalhada quando se envereda por outros assuntos, como o comentário da mulher no gênero construída na relação sequestrador-sequestrado e que encontra ótimos momentos no terço final da produção.

Enquanto isso, o filme encontra outra base firme no espaço natural que fornece a seu elenco, muito maior em relação ao primeiro capítulo graças ao aspecto mais ortodoxo da produção. Ainda que não consiga exibir a mesma noção harmônica em suas conexões - são poucos os momentos em que a relação entre Howard e Michelle consegue englobar Emmett de fato -, o trio protagonista é capaz de executar seus papéis sem maiores restrições e de maneira a contribuir para o andamento do suspense, com a produção mantendo seus campos de atuação sempre livres. Quem melhor se aproveita disso, claro, é Goodman, graças ao perfil cômico e assustador de seu papel, mas Gallagher Jr. e Winstead (que aproveita maravilhosamente bem o suave arco de crescimento vivido por sua personagem) também encontram ótimos momentos na evolução da história.

É no clímax, entretanto, que Rua Cloverfield, 10 melhor demonstra sua percepção e manuseio com o equilíbrio estabelecido. Nas confirmações e negações das afirmações feitas, Trachtenberg passeia com elegância no desespero de Michelle com a consumação dos fatos, materializando as duas paranoias costuradas na narrativa de forma orgânica e capaz de tornar ambas aceitáveis a seu espectador sem que estas se anulem entre si. Este lá e cá de suspense, que vai de interior a exterior sem perder o ritmo, é junto da legitimação do caráter antológico da série a principal contribuição do diretor à franquia Cloverfield e ao gênero como um todo.

Nota: 8/10

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Crítica: A Senhora da Van

Com subtextos interessantes, comédia acaba sabotada pelo próprio tom.

Por Pedro Strazza.

Apesar de se passar na Inglaterra dos anos 70 e não chegar a mostrar de fato alguma preocupação maior em ilustrar as mudanças sociais ocorridas do período, A Senhora da Van parece contradizer a própria ingenuidade de sua premissa em alguns momentos. De certa forma, o estudo realizado pelo filme de Nicholas Hytner em cima da curiosa figura de Mary Shepherd (Maggie Smith) quer ir muito além da simples proposta de descobrir a real identidade da senhora que vive em uma van decrépita e pintada em amarelo berrante.

Sob que viés Hytner aborda a protagonista e sua história torna-se então na principal questão a ser resolvida pelo filme, que parte das lembranças do escritor e dramaturgo Alan Bennett - aqui também autor do roteiro e no longa interpretado por Alex Jennings - sobre a senhora da van do título e o período de quinze anos no qual ela viveu na garagem de sua casa. Pois enquanto diretor e roteirista na superfície recontam o causo com toques de humor, apelando bastante para o carisma de Maggie Smith e as reações à sua presença, a obra manifesta nas entrelinhas a busca por alguma ressonância com o contexto político-social da época ao qual se insere.

Um contexto, a bem da verdade, mais em formação do que estabelecido, ao passo que A Senhora da Van se mostra propenso a evidenciar em tela os alicerces sociais que levariam a Inglaterra a mergulhar no neoliberalismo com a eleição de Margaret Tatcher ao cargo de primeira-ministra nos anos 80. Hytner procura deixar claro isso pela reputação de Shepherd no bairro, com os vizinhos elitistas de Bennett se recusando a ajudar ou mesmo permitir que ela estacione seu veículo na rua por deteriorar a reputação da região, enquanto aqueles dispostos a auxiliá-la são retratados quase como hippies inibidos e ingênuos. A ranhetice da idosa não ajuda, claro, mas é somente por sua presença que ela já é desconsiderada por todos ao seu redor, em uma espécie de prenúncio ao mesmo tempo agourento e bem-humorado do efeito da política empreendida pela Dama de Ferro na população inglesa da época.

O longa seria bastante feliz em seus intentos se enveredasse apenas por esse lado, mas a produção de Hytner tem dificuldades visíveis de alinhar esse retrato subentendido ao tom da narrativa e à própria exploração do passado da protagonista. Se o filme sabe tratar de temas políticos sem dar peso desnecessário e até incongruente com a leveza da história, o diretor aposta demais em uma comédia de situação em cima da relação de Bennett e Shepherd que contribui pouco ou nada à obra, e isso acaba escancarado nos momentos em que se revela mais sobre o passado trágico da idosa. O arco do escritor em sua relação autor-personagem, enquanto isso, é outro que acaba descaracterizado por esse viés superficial da trama, rasificado a ponto de se tornar periférico e até desconexo dos eventos da história.

Se tudo falha no direcionamento dado ao longa, Hytner e Bennett acabam salvos pelo trabalho de Smith como a personagem principal. A octagenária atriz britânica parece ser a única na produção a entender o sensível equilíbrio entre drama e comédia do roteiro, incorporando à personagem uma personalidade tanto densa quanto sutil e que saiba trabalhar humor e dor sob a mesma intensidade. Uma característica bastante vital a A Senhora da Van, mas que visivelmente acaba por faltar a esta quando ela é mais necessária.

Nota: 5/10

domingo, 3 de abril de 2016

Crítica: Para Minha Amada Morta

Aly Muritiba se diverte na construção do próprio suspense.

Por Pedro Strazza.

São duas as comparações mais imediatas e que saltam aos olhos do espectador ao longo da sucessão de eventos de Para Minha Amada Morta. A primeira, muito devido à proximidade temporal e a alguma semelhança de rumo, é O Lobo Atrás da Porta de Fernando Coimbra, que assim como o filme de Aly Muritiba é um suspense construído em cima de um protagonista obcecado pela família de outro em um cenário suburbano - lá a amante interpretada por Leandra Leal, aqui o viúvo Fernando de Fernando Alves Pinto.

A segunda comparação, muito provavelmente mais vital e interessante de se perceber no longa, é com o Cabo do Medo de Martin Scorsese, que também traz os mesmos elementos das outras duas obras citadas acima mas que acaba melhor alinhada com o trabalho de Muritiba no direcionamento de suas respectivas temáticas. Porque apesar do ex-presidiário interpretado por Robert De Niro no filme de 1991 trazer uma identificação muito mais maniqueísta que a proposta para Fernando em Para Minha Amada Morta, os dois personagens partem de uma situação quase idêntica: a vingança, a frustração de terem sua vida destruída por um desconhecido incapaz de perceber o estrago realizado. Para Cady, esse ódio era gerado pelos "erros" de seu advogado de defesa; no caso de Fernando, o problema é mais embaixo.

Na verdade, o drama vivido pelo protagonista do roteiro de Muritiba é de natureza íntima. Ainda de luto pela esposa (do qual nunca vemos o rosto direito), Fernando vive os dias amargurado, cuidando dos pertences da falecida - que vão dos vestidos espalhados pela cama às diversas fotos nos cômodos da casa - com o mesmo carinho que trata o filho do casal. Esse altar criado por Fernando para a mulher, porém, entra em crise quando ele descobre em um conjunto de fitas VHS uma que a documenta traindo-o com um ex-presidiário chamado Salvador (Lourinelson Vladmir), defendido por ela no tribunal anos antes. Tomado pela raiva, ele decide então procurar o sujeito para se vingar, alocando-se no barracão alugado por Salvador e sua família - formado pela cônjuge Raquel (Mayana Neiva), a filha mais velha Estela (Giuly Biancato) e uma novinha - para trazer sobre o núcleo do amante o mesmo caos proporcionado em sua vida.

Mas que caos é esse exatamente? Muritiba é esperto em estabelecer no primeiro ato tanto essa idolatria do protagonista com a mulher como a assombração que toma conta desta imagem construída por ele a partir da descoberta da traição, seja pelo reflexo da TV que exibe o ato sexual documentado na fita no olho de Fernando ou mesmo na disposição soturna e vazia de sua moradia. Na transição para o conflito central da obra, entretanto, o filme não consegue direcionar tão bem esse sentimento vivido pelo personagem para sua tentativa de destruir a unidade familiar de Salvador, optando por um drama que ou não se concretiza em caráter efetivo na narrativa ou não é capaz de se fazer pleno como condutor do suspense.

A sorte de Para Minha Amada Morta, entretanto, é que quando o diretor busca na narrativa esse suspense ele o alcança, e, muito mais importante, se diverte exercendo-o. De coisas simples como uma criança manuseando uma arma ou as brincadeiras de perspectiva presentes mais para o fim do longa, Muritiba não esconde do espectador seu contento em executar tais dispositivos elementares de tensão, e emprega planos longos e fundos desfocados de forma progressiva e bastante orgânica na narrativa. Clímax da história, o plano-sequência que começa no telhado do barracão e termina na cozinha com o confronto de Salvador e Fernando dá cabo de tudo isso consciente da função que desempenha, trazendo peso pelos movimentos de cena e câmera mais sutis.

É esse lado assumido do gênero que proporciona a Para Minha Amada Morta alguns de seus melhores momentos, em meio ao drama de passado arruinado no qual se situa. Mesmo que no fim não se resolva como suspense disposto a evidenciar e arruinar a decadente instituição do casamento, o filme de Muritiba pelo menos não hesita em entregar a atmosfera de segundas intenções que circunda sua história. Fernando definitivamente não é Max Cady, mas como as insinuações com a adolescente Estela bem provam, ele adora se comportar como tal.

Nota: 7/10