sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Crítica: Assassin's Creed

Adaptação do jogo busca dar peso dramático desproporcional a história guiada pela ação.

Por Pedro Strazza.

Enquanto série de jogos, a franquia Assassin's Creed provou ao longo do tempo que seu maior atrativo era antes de tudo a inserção histórica. Se nos primeiros capítulos a Ubisoft buscava se apoiar sobre uma história linear que justificasse a existência e o uso do Animus, o dispositivo que permite ao jogador voltar ao passado para reviver o conflito entre as seitas dos Assassinos e Templários em diversas épocas, a desenvolvedora aos poucos chegou à conclusão que o elemento central da marca era o uso da História em si, passando a apostar mais e mais na recriação hiper-detalhada de períodos particulares da humanidade e permitindo a seu jogador usufruir destes como verdadeiros playgrounds de matança e navegação.

De certa forma, a adaptação para os cinemas da série consegue ao mesmo tempo entender e não entender o seu funcionamento na hora de traduzi-la para as telas. Entende porque, pelo menos na ação, o filme comandado por Justin Kurzel percebe o potencial lúdico da marca e esboça um estilo que passa longe da burocracia, trabalhando os enfrentamentos passados na Espanha da Inquisição visando a fisicalidade do movimento como elemento central de seu funcionamento. Mas a produção também não entende a franquia porque, no resto, o seu excesso de dedicação em dar peso à trama torna a experiência cinematográfica um tanto quanto enfadonha a qualquer um.

É um peso manifestado de forma clara na narrativa desenvolvida por Kurzel, que depois de demonstrar com sua versão cinematográfica de Macbeth ter dificuldade visíveis para trabalhar o conteúdo das obras de Shakespeare força aqui relações familiares trágicas clássicas do autor inglês em uma história que visivelmente não é capaz de comportá-la. Alternando-se entre o clima de conspiração de organizações secretas - no caso a Abstergo, empresa de pesquisa de fachada para as operações dos Templários - e os conflitos de pais e filhos nutridos pelos dois protagonistas, o roteiro escrito por Michael Lesslie, Adam Cooper e Bill Collage busca uma história de trauma que se alimente das crises de fé de Callum Lynch (Michael Fassbender) e a doutora Sophia Rikkin (Marion Cotillard) com seus respectivos grupos, seja no caso do primeiro com o fato dele presenciar a morte da mãe (Essie Davis) pelas mãos de seu pai (Brendan Gleeson) quando criança ou da segunda com a aparente falta de confiança que seu pai (Jeremy Irons), diretor da Abstergo, tem por ela.

Estas relações até que dariam dramas interessantes de se acompanhar, mas acabam não funcionando por não possuírem o conteúdo necessário para evidenciar sua complexidade. Assassin's Creed gira em torno de situações presas ao momento: Callum surge na tela pela primeira vez preso em sua cela à espera da execução, entretanto o espectador nunca fica sabendo direito o porquê dele ter sido condenado (apenas se sabe que ele está lá por matar um cafetão); o conflito de Sophia com a figura paterna é apenas sugerido nos conflitos dos dois sobre o uso do Animus e outras questões burocráticas com a ordem; mesmo os assassinos presentes na Abstergo planejam uma revolta de inspiração imediata. Tudo no longa é feito nas aparências e no campo do subjetivo, mas Kurzel insiste em conferir uma alta dramaturgia a tudo - que, sem surpresa, logo se prova um grande aborrecimento.

A sorte do espectador é que se o diretor é péssimo nas maneiras como lida com o drama, na ação o cineasta australiano é capaz de levantar uma temática sobre realidade e projeção com bastante potencial. Ainda que reduzida a três momentos bastante pontuais da narrativa, as incursões ao passado com o ascendente de Callum, o espanhol Aguilar (também Fassbender), dispensam o diálogo e adotam as perseguições e confrontos físicos entre Assassinos e Templários como linha fundamental de cena, aos quais Kurzel filma combinando a irrealidade dos cenários digitais com a materialidade de seus atores e dublês (que realizam todas as cenas de parkour). As acelerações de cena e os combates fluídos trazem um charme inexplicável dentro de toda a estética poeirenta dessas sequências, que também não fazem lá muita questão de explorar o relacionamento de Aguilar com a colega assassina Maria (Ariane Labed).

A mistura realmente dá certo também porque Assassin's Creed nesses poucos momentos de sanidade sabe deslocar isso a Lynch, que como personagem preso a visitas fantasmagóricas de Aguilar depois de ser submetido ao Animus e avatar de um antepassado funciona melhor que arquétipo shakespeariano trágico. Uma pena então que o filme não perceba esta tendência que ele mesmo elabora, preferindo investir tempo em relações desgastadas e com erros de concepção básicos ao invés de efetivamente se deixar guiar por essa questão de corpo, alma e ação para situar um drama de fé no fim tão básico.

Nota: 4/10

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