segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Crítica: Estrelas Além do Tempo

Filme emancipa protagonistas como heroínas contra uma opressão pelo esquecimento. 

Por Pedro Strazza.

Existem dois processos históricos distintos em curso em Estrelas Além do Tempo, cinebiografia sobre um grupo de matemáticas negras que contribuíram de forma decisiva para os esforços empreendidos pela NASA nos anos 60. O primeiro é a História dos Estados Unidos no cenário mundial, com a Guerra Fria levando os americanos e a União Soviética a gastarem milhões na corrida espacial que culminaria na chegada do homem à lua em 1969 e consagraria astronautas como Yuri Gagarin, John Glenn e Neil Armstrong em heróis. Foi uma disputa para comprovar qual era a nação mais poderosa do mundo e que só fortaleceu o orgulho nacional dos estadunidenses, mesmo com a Guerra do Vietnã estando em curso naquela época.

Já o segundo processo em movimento na produção é o momento pelo qual passa a questão racial nos Estados Unidos, que surge aqui como um próprio lado da História a ser oprimido. Enquanto o programa espacial tem todo o destaque na mídia e nas preocupações cotidianas dos personagens, a segregação entre brancos e negros encontra-se em pleno curso mas é levado a sutilezas nem um pouco sutis, restringindo as ações e ambições de indivíduos somente por causa da cor de sua pele. As lutas lideradas por Martin Luther King Jr. e Malcolm X, enquanto isso, parecem se passar em uma realidade muito distante, aparecendo nos noticiários quase como se ocorressem em outro país.

Nesse sentido, o que o longa dirigido por Theodore Melfi faz é atuar sob uma noção de emancipação de forças, agindo em torno destas duas Histórias que se manifestam em sua narrativa. Baseado no livro homônimo de Margot Lee Shetterly, o roteiro escrito por Melfi e Allison Schroeder trabalha as histórias de vida de Katherine G. Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) e as dificuldades passadas por elas na NASA afim de consagrá-las como heroínas de uma época quebrada e uma causa impossível, fazendo dos "pequenos" racismos (e machismos) feitos contra elas uma verdadeira série de obstáculos criados pelo sistema com o único intuito de impedi-las de participarem do grande processo histórico mundial que acontece naquele momento.

Assim, o que se vê em Estrelas Além do Tempo é uma jornada das protagonistas para provar suas óbvias capacidades profissionais aos brancos que as cercam. Do policial incrédulo no início com a presença de negras na NASA ao comportamento dos funcionários da agência, as três matemáticas passam por todo tipo de opressão enquanto tentam atingir suas metas apesar de sua condição: Johnson tenta se manter dentro do núcleo central do programa espacial, Vaughan busca dar futuro às funcionárias negras que supervisiona e Jackson almeja se tornar a primeira engenheira afro-descendente do órgão. No processo, o roteiro sabe criar situações de enfrentamento mínimo entre as partes que evidenciem estes preconceitos sem precisar recorrer a arquétipos típicos destas produções - as três mulheres, por exemplo, não se conformam com os rebaixamentos feitos a suas pessoas, enquanto o diretor do programa vivido por Kevin Costner é menos um herói e mais um branco a ser conscientizado do próprio preconceito -, tornando palpável ao espectador os três arcos de superação de adversidades manifestados ali.

O que prejudica um pouco os esforços bem intencionados do filme, porém, é o próprio aspecto de contenção da direção de Melfi, que mostra ter uma mão muito fraca para conduzir o teor forte da história. É algo que fica claro não apenas na limitação destes embates - os momentos de explosão real são surpreendentemente restritos a um ou dois momentos - mas também no pouco enfoque dado aos machismos da trama, vindo de brancos e negros para tornar a jornada das três ainda mais difícil. Se o equilíbrio histórico é chave para tornar Estrelas Além do Tempo uma obra mais atrativa em suas pretensões, a ausência disso na questão dos preconceitos encarados se torna em um fator limitador à trama, que perde um pouco de seu apelo tão instigante.

A sorte de Melfi é que tal qual em Um Santo Vizinho ele conta com um bom elenco e sabe como dar o tempo necessário para que cada um dos integrantes desenvolva sua atuação, algo por sua vez suficiente para preencher as lacunas de seu trabalho. Ancoradas por bons coadjuvantes (Costner e Kirsten Dunst lidam com tranquilidade o papel de culpa não assumida quando preciso), Henson, Spencer e Monáe possuem aqui uma ótima dinâmica de cena e também carregam com tranquilidade suas jornadas de emancipação como ícones silenciosos de toda uma população silenciada - algo que seu diretor e roteiristas ora ou outra sabem indicar espacialmente, seja pelo banheiro para negros tão fora de mão, pela sala proibida a mulheres ou no plano final que aos poucos oculta os protagonistas de uma História fabricada e destaca uma de uma História esquecida.

Nota: 6/10

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