quarta-feira, 1 de março de 2017

Crítica: Logan

Última participação de Hugh Jackman como Wolverine encontra no faroeste réquiem para o personagem. 

Por Pedro Strazza.

Além da tão prometida maior violência pelo qual o longa desde o começo de sua divulgação usou para se vender - e que entrega, em meio a decepamentos de membros, jorros de sangue, palavrões e até um peitinho - Logan evidencia a influência do sucesso de Deadpool em sua concepção por uma tomada de consciência do gênero ao qual pertence e que de súbito é adquirida neste terceiro capítulo da série solo de Wolverine. Esta lucidez da própria posição ocupada pela produção, porém, está longe do tom cartunesco e de sátira em que a adaptação do herói interpretado por Ryan Reynolds se situava, assumindo uma postura mais séria e de puro revisionismo para servir ao propósito inicial de encerrar a passagem de Hugh Jackman pelo papel do protagonista.

Neste sentido, o longa dirigido por James Mangold de fato funciona como um último capítulo, um filme de pontos finais para o personagem e o mundo em que vive. O ano é 2029, e com ele surge a informação de que os mutantes estão em extinção e que Logan é junto do Professor Xavier (Patrick Stewart, também em sua última aparição na franquia) e do antigo vilão e agora colega Caliban (Stephen Merchant) um dos últimos de sua espécie. O antigo Wolverine aparece debilitado e no auge de sua síndrome auto-destrutiva, mas isso é interrompido depois de uma mulher misteriosa (Elizabeth Rodriguez) o encarregar de cuidar de uma garota chamada Laura (Dafne Keen), uma rara jovem mutante perseguida por um grupo de mercenários que logo demonstra possuir várias semelhanças com o herói.

Mangold e os coautores do roteiro Scott Frank e Michael Green não demoram para deixar claro o flerte da obra com o faroeste, gênero tradicional dos Estados Unidos e mais propenso nas últimas décadas a revisitar suas histórias e arquétipos clássicos sob um olhar crítico. Ainda que se comporte como uma típica trama de travessia - a jornada do grupo liderado pelo Carcaju para levar Laura a um local seguro enquanto é perseguido pelo grupo do mercenário Pierce (Boyd Holbrook) emula em alguns momentos os últimos dois Mad Max - Logan é muito mais ancorado em filmes como Os Brutos Também Amam (que ganha uma referência direta) e principalmente Os Imperdoáveis, trabalhos interessados em analisar as relações de violência e concepções de mito aos quais o gênero se estabelece, para reforçar o caráter testamental da produção em cima da figura do personagem incorporado por Jackman, que encontra-se aqui determinado em legitimar a elegia de um papel que carrega há quase 17 anos.

Essa proposição, tal qual a violência presente em toda a narrativa, logo se torna em uma ambição que acaba por fazer muito bem ao arco do Wolverine e ao longa no geral. Se os confrontos sangrentos permitem a Mangold enfim tornar palpável o trauma de isolamento pela brutalidade ao qual o protagonista se submetia em caráter muito atenuado nos antecessores (incluindo aí todos os X-Men), a adequação da série ao revisionismo e ao gênero potencializam as relações entre os personagens que sempre foram o ponto mais forte de seu cinema, seja na construção familiar entre Logan, Xavier e Laura ou no jogo de duplos posteriormente revelado como desafio final do herói para superar seu lado animalesco e enfim encontrar a paz interior. São estas relações inclusive que seguram a obra em seus momentos mais fracos, seja no excesso à exposição (o "documentário" da enfermeira, a repetição da comparação com a garota) ou nas cenas na fazenda da família do personagem de Eriq La Salle que pesam a mão para manter a referência ao faroeste de George Stevens em voga.

A decisão por uma consciência narrativa de encarar Wolverine como mito a ser preservado, por outro lado, também acarreta em uma questão de legado ao qual o filme parece reticente de explorar. Se a produção não hesita na hora de invocar referências para corroborar a noção do mutante como ideal (a obra-prima de Clint Eastwood é o norte mais claro nestes momentos), ela não faz o mesmo quando precisa extravasar esta imagem a outros personagens e fazer sentir o efeito que o herói possui com os outros - o maior exemplo é o relacionamento com Laura, a óbvia herdeira de sua posição, feita antes para motivá-lo a cumprir seu papel uma última vez que evidenciar sua influência sobre ela. Logan é acima de tudo dedicado ao arco de seu protagonista e somente isso, algo que pode se provar uma decepção quando chega o final e a hora de realizar a passagem do bastão.

Este viés do longa, porém, acaba diluído dentro da proposta sobre o protagonista, que carrega no réquiem de um personagem duradouro no imaginário coletivo uma força emocional muito grande - são dezessete anos de história, é bom lembrar. E é por saberem muito bem da potência deste fim - e usarem esta consciência a seu favor - que Mangold e Jackman conseguem fazer de Logan um filme de despedidas tocante, que tira de cada momento do ator com o personagem um sentimento de fim inevitável que talvez só o faroeste pudesse oferecer.

Nota: 7/10

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