sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Crítica: Pantera Negra

Ryan Coogler direciona seu cinema de apropriação aos dramas de corte em filme sem grandeza dramatúrgica.

Por Pedro Strazza.

É um detalhe sutil, mas de muito efeito que Pantera Negra abra sua história em uma região pobre de Oakland do agora distante 1992. Mesmo que não se situe no palco central das rebeliões da época, é neste aceno rápido ao ano e estado de um dos maiores e mais violentos confrontos raciais da História dos Estados Unidos que o filme já toma para si as rédeas do contexto social em que se insere, assumindo do princípio este compromisso que a produção tem com a população negra neste ato simbólico de ser a primeira grande produção da hoje toda-poderosa Marvel Studios que é protagonizada e conduzida por cineastas negros.

Esta conotação entre simbologia, política e sociedade não é nem um pouco estranha ao diretor e roteirista Ryan Coogler, que já em Creed havia refeito a mitologia da franquia Rocky dentro da lógica das medidas de afirmação de posição da cultura negra e em Fruitvale Station mergulhava o espectador no cotidiano difícil das comunidades mais marginalizadas. Suas ambições com a adaptação das histórias do rei de Wakanda, porém, são muito maiores que os seus esforços bem sucedidos de ressignificação e assimilação dos trabalhos anteriores, adquirindo uma faceta um tanto quanto nobre de criar para o cenário uma nova classe de mitos, mesmo que à partir de elementos pré-estabelecidos.

Aos olhos do estúdio, essa decisão não poderia ser melhor. Se em todos os outros trabalhos a Marvel Studios prezou por um ecossistema interno e mais ou menos asséptico aos problemas externos, neste que é o seu 18° produto esta maior aderência à realidade proporciona à empresa um respiro de ineditismo à sua metodologia de entretenimento massificado, que vem sendo cada vez mais sentida pelo público nos últimos anos.

Pautado por estas questões, há de se valorizar de início a predisposição de Coogler em tornar a verve contextual de seu cinema em modus operandi máxima de Pantera Negra. Dos cenários futuristas ao perfil dos personagens, passando pela trilha sonora de Ludwig Göransson (alinhada com a curadoria musical dada pelo rapper Kendrick Lamar), tudo que circunda a cidade de Wakanda reflete esta noção de incorporação que o diretor busca traduzir às produções da Marvel. A medida traduz quase de imediato as intenções de representatividade propostas pelo longa: se no mundo o negro se encontra à margem, na realidade de Pantera Negra ele enfim pode ocupar posições centrais.

A força deste empoderamento é gigantesca, e é por estar consciente deste poder que o longa persegue aqui um dos gêneros mais tradicionais não só do cinema, mas das artes como um todo. Com base nas questões políticas e a própria deixa dada pelos acontecimentos de Capitão América - Guerra Civil, Coogler encena aqui um drama de corte dos mais tradicionais, centralizado nas disputas de poder geradas pela morte do rei de Wakanda T'Chaka (John Kani) e a ascensão de T'Challa (Chadwick Boseman) ao trono. O motor maior responsável por dar corpo a estas confrontações mora na ocupação de atores e atrizes negros nos principais papéis e na situação destes dramas em um contexto de origem africana, decisões que pelo menos a princípio soam ideais para potencializar todas as intenções da obra com suas raízes.

O que começa promissor, porém, vai se esgotando aos poucos perante uma estranha planificação dos momentos dramáticos do filme. Seja porque Coogler enfrenta algumas dificuldades com a escala (ao contrário de Creed e Fruitvale Station, Pantera Negra habita um cenário muito mais complexo e grandioso), com o CGI (a materialização de certas partes do mundo de Wakanda às vezes soam precárias e a ação falta em peso) ou com a própria fórmula pré-estabelecida do estúdio, a produção muitas vezes soa como se estivesse presa a elementos muito básicos de dramaturgia, que por sua vez parecem o capar de atingir os grandes momentos dramáticos necessários.

É um fenômeno curioso, pois embora o diretor e o seu co-roteirista Joe Robert Cole demonstrem na trama almejar personagens com múltiplas facetas no fim todos eles se revelam reduzidos a figuras deveras unidimensionais. Talvez o exemplo maior desta tendência more em Killmonger, que é vivido por Michael B. Jordan sob toda a aura de um vilão movido por traumas de perda claros mas depois acaba precisando ser justificado a todo custo pela trama como mal maior, algo que culmina em uma distorção pouco sutil. Se o antagonista parte como herdeiro negado de seu meio, sua trajetória termina confusa entre a aspiração à Malcolm X e a pose de mercenário enlouquecido em missão para desestabilizar o reinado que o agente da CIA branco vivido por Martin Freeman insinua.

Mais curioso, porém, é como todas estas complicações levam Pantera Negra a morar no pólo oposto ao do primeiro Thor, o outro exemplar de drama de corte que a Marvel Studios produziu nestes primeiros dez anos. Enquanto o longa dirigido por Kenneth Branagh compensava em dramaturgia aquilo que não tinha em contexto e ambientação - a Asgard fria e sem vida deve ter sido um dos maiores tormentos do estúdio na última década -, o filme de Coogler talvez precise se equilibrar demais em cima do cenário afrofuturista de Wakanda para desviar da falta de força das cenas de impacto. A comprovação desta tendência está no humor, característica primordial dos produtos Marvel e que em Wakanda surge naturalmente em alguns momentos e em outros mostra-se deslocada - e quando ela soa fora de tom, é justo no meio dos enfrentamentos e grandes diálogos da corte wakandense.

Nota: 6/10

1 comentários :

Sua visão de Coogler foi completamente refletida no filme e escolher Michael B. Jordan novamente para trabalhar com ele parecia uma decisão sábia. Killmonger parecia-me o melhor vilão da Marvel por causa da complexidade de sua humanidade entre seus desejos e deveres. Sem dúvida, vou segui-lo de perto em seu novo projeto. Na minha opinião, Fahrenheit 451 será um dos melhores hbo filmes de este ano. O ritmo do livro é é bom e consegue nos prender desde o princípio. O filme vai superar minhas expectativas. Além, acho que a sua participação neste filme realmente vai ajudar ao desenvolvimento da história.

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