quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Crítica: Três Anúncios Para um Crime

Martin McDonaugh busca enquadrar questões sociais americanas dentro de dinâmicas irlandesas em filme povoado de inadequações.

Por Pedro Strazza.

Em tempos de extrema polarização social, a premissa de Três Anúncios Para um Crime mira a princípio atiçar um barril de pólvora. Indignada com a condução da investigação da morte brutal de sua filha, uma mãe (Frances McDormand) resolve alugar três outdoors em uma estrada abandonada para questionar as ações do xerife (Woody Harrelson) e o porquê do culpado ainda não ter sido encontrado pelas forças da lei. Sua ação, porém, desperta a ira da população da cidade pois o mesmo xerife possui um câncer pancreático maligno, o que faz com que a maioria dos cidadães, incluindo aí um policial com histórico permeado de casos de racismo (Sam Rockwell), se virem contra a busca por justiça da mulher.

Junto de outros enfrentamentos pequenos e dispersos na narrativa, são estes conflitos interpessoais que logicamente hão de pautar o filme como um comentário nada discreto sobre as relações de ódio que prevalecem nas interações sociais hoje. Emerso do meio teatral irlandês e estabelecido na indústria por seu Na Mira do Chefe, o diretor e roteirista Martin McDonaugh em teoria usa de seu humor negro em chave dramática para fins mais nobres, intensificando o gesto teatral para abordar de vez as grandes questões que seu cinema ensaia desde o seu primeiro trabalho - o curta Six Shooter - e por consequência absorvendo com maior entusiasmo a influência de gênero que tem dos filmes dos irmãos Coen - sob certo olhar, Três Anúncios não deixa de ser uma versão (ainda) mais violenta do tipo de história contado pela dupla já há algumas décadas.

Seria um produto pronto com resultados garantidos (uma afirmação verdadeira considerando o sucesso da obra na temporada de premiações) se McDonaugh não repetisse aqui a formatação básica de seus filmes, impondo deficiências estruturais no roteiro e na direção que antes já davam claros sinais de desgaste. O diretor continua a ter uma dificuldade palpável de conciliar drama e comédia nas situações que encena, orbitando as duas sem nunca conseguir encontrar um ponto de equilíbrio ideal para tratar de questões às quais claramente não tem o mínimo tato para colocar no roteiro ou executar na direção. Sobram em Três Anúncios cenas de confrontação que se dispersam em tiradas sarcásticas e tentativas de humor arruinadas pela dramaticidade do momento, lideradas por uma escrita pouco sutil que tenta guia emocionalmente seu espectador a trancos a barrancos pelos eventos contados na história. O longa no fundo parece estar querendo ser sarcástico e compreensivo a todos os lados dispostos nas múltiplas confrontações, e essa indecisão torna-se um motor involuntário da obra.

O problema central do filme, porém, está nessa abordagem de supostas grandes questões, que desabam frente a uma sobreposição de cenários para lá de inadequada. Além do desequilíbrio de tom, McDonaugh também busca trazer de Six Shooter e Na Mira do Chefe algumas noções de honra e cumplicidade do cinema de máfia irlandês para dentro do cenário sulista que é palco para a história de Três Anúncios, forçando nos personagens as mesmas relações de violência que permeiam a esmagadora maioria destas produções. A medida vem para diferenciar o longa de esforços similares, mas no fim acaba por corromper qualquer alegoria posta em jogo pelo filme, cujo manejo das situações soa como dos mais equivocados possíveis.

Essa narrativa falha se faz notar ao longo da produção, mas se acentua com maior propriedade no ato final quando todas as confrontações geradas na história passam a ser resolvidas com meros pedidos de desculpas e os dois protagonistas maiores - os personagens de McDormand e Rockwell - são postos em uma trajetória de reconciliação moral perante um inimigo maior. Neste momento explica muito que McDonaugh tenha escrito o roteiro de Três Anúncios oito anos atrás, pois se antes esta possibilidade de reunião das partes era tida como possível por alguns ela decididamente não se verifica nos tempos atuais, onde esta divisão de posicionamentos se converteu em pura intolerância. O filme, porém, mantém-se adepto do perdão maior, de uma busca por justiça cega capaz de unir grupos mesmo a medida não fazendo o mínimo sentido.

O que sobra então a Três Anúncios Para um Crime, além das "grandes" atuações (que no fundo estão tirando leite de pedra neste ato de conferir a grandiosidade a momentos inverossímeis) e a aura de prestígio que lhe foi conferida em sua trajetória? A mensagem equivocada sugere um conforto ingênuo frente ao ódio de tempos recentes, um alento de que sim, mesmo brigando no fundo somos todos irmãos de armas frente ao que "de fato" interessa. Mas é como o final bem sugere, é melhor manter misteriosa a identidade deste suposto vilão maior para impedir quaisquer novos questionamentos.

Nota: 4/10

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