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domingo, 30 de novembro de 2014

Crítica: Sétimo

Problemas de roteiro procuram ser disfarçados no desenvolvimento de protagonista

Por Pedro Strazza

Trabalhar uma história em apenas um ambiente é um assunto que o cinema já demonstrou ter bastante perícia sobre, principalmente nos suspenses. Seja ele um prédio (REC), uma casa (Quarto do Pânico) ou um minúsculo vagão de trem (O Incidente), o uso de um único espaço para toda a narrativa do filme proporciona à produção a possibilidade de transformar o recinto em um lugar claustrofóbico, tornando-o estreito e intimidador à medida que a trama avance para sua inevitável conclusão.
Em Sétimo, o diretor catalão Patxi Amezcua realiza esse mesmo processo de tensionamento a partir de um único espaço, iniciando-o com uma premissa bastante típica do gênero. A história acompanha Sebastián (Ricardo Darín), um advogado que no dia que trabalha no caso mais importante de sua vida precisa antes levar seus dois filhos da casa da ex-mulher Delia (Belén Rueda) para a escola onde estudam. Numa brincadeira típica, ele aposta com os pequenos uma corrida do sétimo andar (o do apartamento de Delia) ao térreo, e permite a eles que desçam as escadas sozinhos enquanto vai de elevador. Quando chega à portaria, porém, as crianças desapareceram, e Sebastián parte desesperado à procura deles no prédio.
A grande graça do filme aqui são as próprias teorias criadas pelo protagonista para tentar resolver o mistério, e como todas elas vão sendo descartadas pouco a pouco. Com várias inimizades e antagonismos criados com pessoas de dentro e fora do imóvel, Sebastián (e o espectador, por consequência) tem à sua frente uma gama gigantesca de conspirações que poderiam desencadear no sequestro de seus filhos, e a cada resolução fracassada reparamos o quão enlouquecido ele se torna na busca pelas crianças - isso em parte graças ao trabalho de atuação do sempre eficiente Darín, que traz na postura física e no vestuário cada vez mais bagunçado o abatimento progressivo do personagem. Nesse plano de desenvolvimento, a direção de Amezcua é eficaz por tornar o edifício e seus andares minúsculos e nada receptivos para contribuir no processo de enlouquecimento do advogado.
O problema de Sétimo, entretanto, reside no roteiro escrito pelo diretor e Alejo Flah. Além de não oferecer ao público uma resposta convincente - a conspiração verdadeira soa artificial demais para toda a situação proposta -, a trama busca no final esclarecer a todos o descrito acima, aliando-o de forma equivocada à própria resolução do mistério.
A grande qualidade da produção, assim, vira o seu principal defeito, e a clara falta de tensão no longa fica evidente no terceiro ato. Por alguns momentos, pelo menos, Sétimo consegue iludir o espectador com o caminho trilhado pelo protagonista na busca pelos filhos, mesmo que o frustrando ao não saber resolver isso de forma satisfatória e decente.

Nota: 5/10

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

BUM, o primeiro trailer de Star Wars VII saiu!

Sabres de luz triplo, volta da Força, Millennium Falcon... Star Wars voltou com tudo!

Por Pedro Strazza

Precisa anunciar de novo? No começo da tarde dessa sexta-feira (28/11), a Disney liberou na internet o primeiro trailer de Star Wars VII - O Despertar da Força, o aguardado novo capítulo da franquia criada (e vendida) por George Lucas. A prévia, óbvio, levou fãs à loucura e explodiu na internet, sendo amplamente comentado em todas as redes sociais.
O teaser em si é curto e sem muitas informações concretas (são exatos um minuto e meio de duração com longas telas pretas), mas é suficiente para chamar a atenção de todos. Star Wars, afinal, é uma das (senão a) sagas mais poderosas do cinema, encantando pelo menos duas gerações com a história de Anakin Skywalker/Darth Vader. Preparada agora para voltar às telonas e os holofotes em 2015, a franquia tem de tudo para construir, no próximo ano, um hype absurdo para a estréia de seu sétimo capítulo e conseguir uma bilheteria sólida.
Mas vamos ao que interessa, e analisemos de perto a primeira prévia do longa. Como dito, é pouca coisa a ser analisada (por isso nem farei um Dissecando sobre ele), mas o teaser traz um ou dois detalhes interessantes em seus segundos. A começar pelos próprios heróis apresentados: além de serem todos inéditos - o que casa perfeitamente com a narração em off do provável vilão e seu ESPETACULAR sabre de luz triplo (a gente volta nele daqui a pouco, calma) -, os três sem dúvida serão os novos protagonistas da franquia na novíssima trilogia, e carregam consigo um pouco da áurea de Luke Skywalker, Leia Organa e Han Solo - que nem aparecem no trailer, se você não percebeu. A grande pergunta é saber quais serão os papéis desempenhados por John Boyega (o stormtrooper sem capacete), Oscar Isaac (o piloto da X-Wing com um uniforme da Aliança Rebelde) e Daisy Ridley (com trajes de camuflagem de deserto) na história e sua ligação com os vitoriosos da resistência ao Império.
Outro que aparece pela primeira vez ao público, mesmo que de costas, é o até aqui grande vilão de O Despertar da Força, que arrisco supor ser o papel de Adam Driver (só pode ser o vozeirão dele ali). Portando um ESPETACULAR sabre de luz de três pontas - uma maior, duas pequenininhas -, o sith não só narra o trailer como também surge nele em um cenário invernal, em um planeta provavelmente inédito na série cinematográfica, anunciando que a Força foi despertada, tanto o lado negro quanto o "light". Vai ter briga em Star Wars VII, e ela promete ser intensa.
Outras pequenas curiosidades e confirmações também aparecem no trailer (O "dróide" apelidado de forma carinhosa de "R2-DBola" e o novo visual dos stormtroopers, por exemplo), mas ainda há muita coisa a ser revelada até dezembro de 2015. Ao contrário de todas os outros grandes blockbusters recentes, Star Wars VII é um filme misterioso, que graças aos esforços conjuntos da Disney e do sempre cuidadoso J.J. Abrahms poderá nos surpreender de forma nunca antes vista no cinema em seu lançamento.
E isso é ótimo. Para mim, pelo menos, a visão da Millennium Falcon voando novamente já é o suficiente para aguentar a longa espera.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Crítica: Paul McCartney - Out There! (São Paulo)

Sir Paul McCartney entrega performance brilhante para fãs e perdidos presentes ao Allianz Parque

Por Guilherme Umeda

Óbvio que os ingressos estavam esgotados. Óbvio que os produtos dentro do (belíssimo, diga-se de passagem) novo estádio do Palmeiras eram caríssimos. Óbvio que o show em cima do palco foi sensacional.
Vamos pular as obviedades. Isso tudo você vai ler em todos os portais que noticiarem sobre o show por aí. Vamos falar, pelo menos agora no começo, do que chocou no show do dia 25 de novembro.
Este humilde (e belo, alto, forte, sensual) cidadão que vos escreve acompanhou o show do meio da pista comum, de entrada pelo portão C da arena – tenho, por experiência, a convicção de que o melhor lugar para se ver um show é da pista. Ali, a atmosfera de entusiasmo costuma ter seu ápice.
Daí a minha decepção. Os espectadores da pista comum (não tenho como avaliar como estava a situação nos outros setores) foram, pra dizer o mínimo, parados.
Entendo que a idade da maioria das pessoas que me cercavam ali (só dava tiozão) não permitia pulos incessantes. Mas, não acho que a idade era o maior empecilho para a animação.
Um show como o de Sir Paul McCartney empolga, obviamente, os fãs do artista, mas, também, empolga quem busca status. A impressão que me preenchia a cabeça era a de que mais da metade das pessoas ali não eram fãs do Paul, mas adoram ver os likes do Instagram bombando.
Pela primeira vez, segurei o grito em um show por vergonha, medo de ser taxado de louco.
Enfim, a plateia foi frustrante.
Mas, vamos falar de coisa boa. Vamos falar do que rolou em cima do palco. (viram? Resisti a fazer a piadinha da Tek Pix! Estou me policiando)
Paulinho realmente não decepciona.
A setlist não foi muito diferente do que se imaginava. A primeira música já foi um prelúdio do que seria o show: “Eight Days a Week”, Beatles! Beatles! Beatles!
Porém, não só de Beatles (Beatles! Beatles! Beatles!) foi feita a noite. Com a genialidade que lhe é costumeira, Paul soube mesclar os sons do lendário quarteto com os sucessos da carreira solo. “Band on The Run”, “Maybe I’m Amazed” e “Let Me Roll It” (lançamentos solo), por exemplo, figuram na lista de pontos altos do concerto.
Aí dizer que “All My Loving”, “Yesterday”, “Helter Skelter”, “Let It Be” e “Eleanor Rigby” também estão nessa lista é desnecessário, né?
Também não é preciso dizer que “Live And Let Die”, “Hey Jude” e “Ob-La-Di Ob-La-Da” entraram na relação de melhores momentos. Porém, essas três merecem menção honrosa.
“Live And Let Die” veio acompanhada de um show pirotécnico de encher os olhos e arrepiar os cabelinhos da nuca; “Ob-La-Di Ob-La-Da” foi a melhor da noite, graças ao entusiasmo de Paul ao cantá-la e aos vários balões que a galera da pista PREMIUM (notem que não elogio ninguém da pista comum) encheu e começou a jogar para o alto durante a música; e, quanto a “Hey Jude”, apenas digo: NA NA NA NA NA NA NA NA NA HEEEY JUUUUDE.
Ao todo, Macca tocou 39 músicas durante 2h40 de apresentação. Dito isso, para encerrar por aqui o texto, duas coisas TÊM que ser ditas.
Primeiro: mais do que um artista genial, sensacional, Paul (junto com sua equipe) mostrou que é um perfeito engenheiro: a construção da apresentação foi absolutamente brilhante. A alternância entre momentos agitados e lentos; as idas ao piano e o uso do violão acústico aconteceram várias vezes, dando o fôlego perfeito entre uma série de músicas mais agitadas e outra. Fez as emoções ondularem.
Segundo: em NENHUM dos 160 minutos de show Sir McCartney demonstrou cansaço, mau humor ou algo do tipo. Muito pelo contrário. O exato oposto dos indivíduos na pista comum, ele se mostrou feliz por estar ali. Dançou, conversou em português (mandou até um “É nóis!”), fez caras e bocas, rebolou, fez doce para tocar mais... Foi um fofo! O tiozão mais legal do mundo.

Tudo isso de um senhor de 71 anos. De fato, a idade não era desculpa para os energúmenos da pista comum. Espetáculo inesquecível.

Setlist

1. Eight Days a Week
2. Save Us
3. All My Loving
4. Listen to What the Man Said
5. Let Me Roll It
6. Paperback Writer
7. My Valentine
8. Nineteen Hundred and Eighty-Five
9. The Long and Winding Road
10. Maybe I’m Amazed
11. I’ve Just Seen a Face
12. We Can Work It Out
13. Another Day
14. And I Love Her
15. Blackbird
16. Here Today
17. New
18. Queenie Eye
19. Lady Madonna
20. All Together Now
21. Lovely Rita
22. Everybody Out There
23. Eleanor Rigby
24. Being for the Benefit of Mr. Kite!
25. Something
26. Ob-La-Di, Ob-La-Da
27. Band on the Run
28. Back in the U.S.S.R.
29. Let It Be
30. Live and Let Die
31. Hey Jude
  • Primeiro bis:

32. Day Tripper
33. Hi, Hi, Hi
34. I Saw Her Standing There
  • Segundo bis:

35. Yesterday
36. Helter Skelter
37. Golden Slumbers
38. Carry That Weight
39. The End

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Crítica: Saga (Volume 1)

Brian K. Vaughan e Fiona Staples concebem início de epopeia fantástica com simplicidade

Por Pedro Strazza

Criar um universo fantástico já é uma tarefa difícil, mas pode ficar ainda mais complicada se o autor quiser apresentar ao público algo nunca antes visto. Conceber criaturas novas e planetas completamente diferentes do habitual, afinal, requer do criador uma habilidade quase natural de anunciar sua prodigiosa imaginação sem enrolar seu leitor com inúmeras e chatíssimas explicações.
Exige-se deste tipo de obra, portanto, uma simplicidade para expor esse seu mundo, e é exatamente isso que o escritor Brian K. Vaughan faz em Saga, sua multipremiada série publicada pela Image Comics. Mistura ambiciosa da narrativa de ficção-científica com elementos de fantasia mitológica, a obra em quadrinhos traz um universo lotado de seres chocantes por causa de sua composição visual quase surreal e de difícil compreensão (alguns desses são inclusive capazes de fazer o público parar a leitura para admirar sua complexa e curiosa anatomia), mas que conseguem ser bem assimilados graças à maneira como o autor os introduz com naturalidade impressionante.
Para conseguir alcançar esse feito, Vaughan se utiliza primeiro de uma trama simples, gerada pela típica situação de "Capuletos e Montecchios" em escala galáctica. Membros de dois lados antagonistas entre si (o planeta Aterro e seu sátelite Grinalda), que guerreiam há séculos por motivos de dominação de raça, Marko e Alana, os grandes protagonistas da história, são um casal proibido de existir, e logo são caçados incessantemente pelos mercenários contratados dos dois governos - que ainda por cima querem o filho dos dois, a pequena mestiça Hazel. É um gato-e-rato fácil e bastante divertido de se ler, e o roteirista o guia com toques de humor visando apresentar as suas criaturas.
A simplicidade é também um ponto que a artista Fiona Staples parece almejar em Saga. Feitas em traços descomplicados, suas ilustrações buscam sempre estontear o leitor mais pelo design dos seres que pelo desenho em si, e isto, além de casar com as intenções do autor, torna acessível a leitura visual da história a qualquer pessoa, mesmo sendo esta a maior iniciante em quadrinhos.
Capaz ainda de apresentar personagens interessantes e de disfarçar dramas complexos e pesados em sua narrativa fluida (o vivido pelo mercenário O Querer no capítulo cinco chama bastante atenção nesse ponto), Saga mostra já em seu primeiro volume o quão interessante pode ser. O casamento de sua ousada proposta visual com uma trama inicialmente comum oferecem ao público não só uma leitura agradável como também abrem uma porta de entrada para uma obra que com facilidade poderá se tornar um dos grandes épicos do quadrinho moderno. E isso é excelente.

Nota: 10/10

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Crítica: Jogos Vorazes - A Esperança - Parte 1

Narrativa é prejudicada pela ausência do 3° ato, mas tem na protagonista o calor necessário

Por Pedro Strazza

A divisão do capítulo de uma franquia em duas partes é ainda uma estratégia recente em Hollywood, e portanto tem os benefícios e malefícios de seu uso muito evidenciados. Por um lado, a quebra da história em dois filmes em teoria permite que a produção consiga alcançar um maior detalhamento dos acontecimentos mostrados e traz aos cofres o dobro do lucro original; por outro, ela facilmente quebra todo o ritmo da trama se esta for baseada em um material único com três atos bem definidos, como um livro. Em planos gerais, a medida agrada fãs e produtores, mas pode não ser eficaz para o público geral - e os últimos dois filmes da franquia Harry Potter, o grande criador desta tendência, são exemplos claros disso.
Mas a metodologia pegou no mercado, e agora todos os estúdios querem aplicá-la a suas séries cinematográficas de maior sucesso. A mais nova a seguir essa nova moda do mercado é Jogos Vorazes, a franquia adolescente do momento, que para a alegria de sua imensa legião de admiradores optou por dividir a adaptação de seu último livro base, A Esperança, em duas partes. E com tanto tempo para desenvolver os acontecimentos da história, a equipe dirigida por Francis Lawrence optou nesta primeira metade por focar em seus personagens e prepará-los para o grande conflito, que será mostrado apenas no próximo e último filme.
Dessa forma, A Esperança - Parte 1 concentra suas atenções em Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e os rebeldes, que lutam para derrubar a Capital e seu opressivo sistema do medo. A protagonista, inclusive, sofre aqui com problemas muito mais sérios e políticos que nos dois primeiros capítulos, mesmo não precisando mais participar de uma competição perigosa e letal: involuntariamente o grande símbolo da resistência ao governo, ela busca no longa apenas salvar seu grande amor Peeta (Josh Hutcherson) das garras do presidente Snow (Donald Sutherland), e para isso contará com a ajuda dos "radicais" liderados pela presidente Coin (Julianne Moore).
O macguffin que guia os personagens, assim, é a busca pelo companheiro de Katniss, mas o tema a ser tratado pelo filme é a guerra, algo muito claro na mudança radical do design da produção. O cenário colorido e repleto de extravagâncias dos dois primeiros longas dá lugar à sobriedade e à paleta fria de cores, e os dois lados lidam com um verdadeiro conflito de propaganda para convencer a população a juntar-se à sua posição. Nesse quesito, os rebeldes e a Capital respectivamente dependem muito da protagonista e seu amado, queridos pela sociedade graças à sua participação nos Jogos, e o roteiro de Peter Craig e Danny Strong faz questão de evidenciar a importância do casal no confronto por meio das peças publicitárias filmadas ao longo da trama.
A maneira como Craig e Strong realizam esse processo, porém, peca ao querer subjugar a briga a um maniqueísmo irreal, tornando a primeira parte em uma verdadeira batalha de mocinhos e bandidos. A dualidade da presidente Coin e de Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), por exemplo, é escondida como possível para facilitar a aproximação do espectador com esse núcleo, mas falha por ser desnecessária (o público, afinal, segue apenas a protagonista) e não conseguir ocultar da liderança dos rebeldes os mecanismos pelo qual guia seus aliados, idênticos aos usados pela Capital. Esta semelhança só é mencionada de maneira subjetiva no final, e já aponta que ela será um dos grandes temas do quarto capítulo.
Enquanto isso, A Esperança - Parte 1 sofre com o ritmo arrastado, decorrente da divisão da adaptação da obra em dois. Sem um terceiro ato para apresentar, a trama do longa se demora em sequências e diálogos expositivos, criando gorduras que poderiam ser resolvidas com maior velocidade e sem a necessidade de detalhes maiores, como o drama vivido por Finnick (Sam Claflin) ou o aprofundamento na personalidade de Snow, já bem esclarecido nos dois primeiros capítulos como antagonista de Katniss. Essas gorduras, claro, agradam os fãs mais apaixonados, mas soam dispersos e poderiam ter sido limados na montagem.
A lentidão dos acontecimentos, entretanto, é eficaz quando se aborda a protagonista e seu drama pessoal. Em meio a um conflito de interesses pesado, Katniss é mostrada no filme como uma peça importante do tabuleiro político, mas também como uma pessoa, vítima dos caminhos tomados e interessada somente no destino daqueles que ama, e ela demonstra essas duas faces em cenas como em que sai da segurança para salvar sua irmã Prim (Willow Shields) ou na sua passagem por um hospital repleto de feridos.
Contando também com atuações muito bem trabalhadas de todo o seu extenso elenco, Jogos Vorazes - A Esperança - Parte 1 sofre de problemas muito graves em sua estrutura narrativa, escolhida por uma causa financeira. A maneira como trabalha sua protagonista e o cenário que a cerca, porém, oferecem um respiro muito bem vindo na enrolação proporcionada. Falta o calor e ritmo vistos em Em Chamas, mas dá para se entreter na guerra e na preparação desta para seu iminente clímax.

Nota: 7/10

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Crítica: Convoque Seu Buda (Criolo)

Convoque Seu Buda marca a entrada de Criolo na música brasileira

Por Vinícius Lima

Criolo é de outro planeta. Não que ele seja uma espécie de alienígena do rap nacional, mas ele é gênio, e sua cabeça compõe letras que estão anos luz na nossa frente. Desde seu primeiro CD, o “Ainda Há Tempo”, produzido sem recurso algum, o reconhecido “Nó Na Orelha”, que o revelou para fora do Grajaú com a produção ilustríssima de Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, e agora com seu mais novo disco, o “Convoque Seu Buda”, que conta com a mesma produção.
Se você ouvir o novo CD do Criolo de maneira descompromissada no ônibus ou na linha vermelha lotada, as letras como “Cartão De Visita”, “Esquiva Da Esgrima”, “Fermento Pra Massa” e “Pegue Pra Ela” soarão simples e superficiais, porém suas linhas e suas palavras carregam um duplo sentido crítico, digno de ser comparado a qualquer letra de um Chico Buarque ou Milton Nascimento na época da ditadura militar. Criolo usa e abusa de suas referências diversas como Sabotage, Ogi, Black Alien, Nietzsche, Ferréz e Perrenoud para fazer críticas a violência e preconceito como em “Esquiva Da Esgrima”; cita os podres da classe média camuflado numa batida animada e num refrão com a linda voz de Tulipa Ruiz dizendo “parcela no cartão essa gente indigesta”; em Fermento pra Massa, num samba Criolo, explicou como a população é apenas massa de manobra do governo, fazendo comparação a uma padaria; e pra fechar as letras que mais me chamaram atenção, em “Pegue Pra Ela”, Criolo faz uma forte critica a indústria cultural que domina e molda os artistas em padrões para o lucro das empresas de comunicação e de eventos, como se pode ver em frases como “toda indústria tem no comércio o seu ponto de reprodução” ou “toda cultura vira comércio, é o ponto de degradação.”.
Criolo não revolucionou em seu novo trabalho, e sim apenas o reformou. Mas fez uma bela reforma. Manteve a mesma formula do último CD “Nó Na Orelha” (talvez pela mesma produção de Ganjaman e Cabral), com alternância de estilos, samba, rap, rock; o que não é ruim, apenas um comentário. Talvez seja essa sua marca como artista. Nesse álbum, porém, ele convida artistas talentosíssimos para também compartilhar essa alegria com ele: Kiku Dinnuci, Rodrigo Campos e a já citada Tulipa Ruiz nos arranjos, Juçara Marçal e o próximo gênio do RAP nacional, Neto (guardem esse nome) do Síntese.

Enfim, Criolo mostra nesse CD um amadurecimento musical enorme e não acho exagerado dizer que talvez seja o seu mergulho na história da música brasileira ao lado de grandes mestres. Assim como Emicida em “O Glorioso Retorno De Quem Nunca Esteve Aqui”, creio que Criolo com “Convoque Seu Buda”, quis dizer “não sou só rapper, não sei só fazer rima em batida eletrônica, sou artista, e o rap é arte sim.”.

Nota: 10/10

domingo, 16 de novembro de 2014

Crítica: Débi & Lóide 2

Repetição pode divertir sim!

Por Pedro Strazza

Assim como em todos os outros gêneros (mas exponenciado por dez) a comédia encontra diferentes tipos de gosto no público que procura fazer rir com seus esquetes e trocadilhos, e pode-se enxergar isto nas variadas classificações dadas em cima de uma mesma obra cômica. Politicamente correto e incorreto, humor negro, comédia do ridículo, do cotidiano, do exagero... são muitas as medidas criadas pelos especialistas para especificar estes trabalhos, elaboradas com base em características comuns destes filmes e geradoras de diversas discussões acaloradas entre os seus autores. E quando eles parecem estar enfim de acordo com alguma coisa, um novo longa vem e reacende o conflito acadêmico.
Dentre estes produtos cinematográficos encontra-se Débi & Lóide - Dois Idiotas em Apuros, que como seus diretores (os irmãos Peter e Bobby Farrelly) é capaz de gerar opiniões muito contrastantes nos críticos e no espectador. Amando ou odiando, porém, é inegável que o filme marcou época, colocando os dois cineastas sob o holofote e consagrando a carreira de Jim Carrey e Jeff Daniels, seus dois protagonistas. Agora, exatos 20 anos depois do sucesso comercial da produção, o quarteto - quase todos em baixa no mercado (a exceção é Daniels, em destaque por seu trabalho na aclamada The Newsroom) - volta com a continuação das aventuras de Harry e Lloyd, muitos mais velhos e ainda tão burros e ingênuos.
A lógica do roteiro escrito a seis mãos de Débi & Lóide 2 segue a mesma de outras várias sequências do gênero, que é a de copiar em quase tudo o original. Com exceção das motivações em jogo, toda a estrutura do longa de 94 está lá: a viagem de carro, os vilões com propósitos mesquinhos, a mocinha em perigo e alvo da admiração de um dos protagonistas, as viradas previsíveis e, claro, as loucuras proporcionadas pela dupla protagonista. Tudo parece preguiçosamente recauchutado e em diversos momentos idêntico ao primeiro capítulo, mas os Farrelly, assim como em toda a sua carreira, conseguem desviar a atenção do espectador deste problemaço através das gags que inundam a produção.
E isso só é possível graças ao trabalho conjunto dos atores principais em fazer rir pelas atitudes mais idiotas impossíveis. Em sua meia-idade, Daniels e Carrey voltam a incorporar os personagens com a mesma facilidade que fizeram quando mais jovens, e executam com primor os simples esquetes visuais e os trocadilhos verbais pedidos pelo roteiro. A química das atuações da dupla funciona de forma magnífica, e tudo em cena - incluindo coadjuvantes, cenários e situações - torna-se uma piada para eles rirem e o público se entreter com sua ingenuidade arrogante.
Mas como em toda continuação, há defeitos visíveis demais para serem ignorados. Além da semelhança absurda com seu antecessor, o longa sofre de maneira pontual com piadas nada engraçadas, que se acumulam de forma vergonhosa no final. O terceiro ato, por sinal, sacrifica sem necessidade o humor para resolver a trama repleta de furos (afinal, quem seria tão burro a ponto de... hum, esquece), e assim torna-se facilmente entendiante.
Apesar de não oferecer a mesma experiência proporcionada pelo antecessor, Débi & Lóide 2 é um filme que realiza o mesmo tipo de humor com o uso dos mesmos elementos do original. E isso é ótimo. Se no ano das continuações cômicas viu-se exageros bem-sucedidos em Anjos da Lei 2 e Tudo por um Furo, a sequência do primeiro trabalho dos irmãos Farrelly encanta pela repetição sem vergonha e a diversão prometida desde o início.

Nota: 8/10

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Crítica: Trinta

Cinebiografia de Joãosinho Trinta privilegia preparação que protagonista e espetáculo

Por Pedro Strazza

O carnaval é uma festividade importante no calendário brasileiro. Apesar do grande número de pessoas que odeiem o evento e todas as suas características, a grande festa de fevereiro é capaz de proporcionar uma alegria contagiante no povo através de aspectos muito simples, como o samba, a dança e as fantasias, todas muitas vezes espontâneas. Esta simplicidade da "celebração", porém, não impede o carnaval de produzir grandes estruturas e coreografias milimetricamente planejadas, e o desfile das escolas de samba é um exemplo claro disso.
Em Trinta, a cinebiografia do falecido carnavalesco João Clemente Jorge Trinta - mais conhecido pelo apelido de Joãosinho Trinta -, a montagem do desfile é o tema central da história. Os esforços de Trinta (Matheus Nachtergaele, excelente) em preparar a comunidade do Salgueiro para a Sapucaí em seu primeiro ano na liderança, afinal, são utilizados pelo diretor Paulo Machline para explorar a sua personalidade e sua vida, que sofreu em muitos momentos por causa de suas escolhas nada óbvias - a saída da cidade natal, a incursão no balé, o ingresso no mundo do carnaval, etc.
O perfil do protagonista, entretanto, acaba sendo explorado por Machline e sua equipe de forma um pouco equivocada ao ter sua trajetória trabalhada em uma trama que segue toda a cartilha dos filmes biográficos. Estão lá o opositor a ser enfrentado (Tião, o chefe do barracão da Salgueiro interpretado pelo sempre ótimo Milhem Cortaz), o chefe corrupto mas de boas intenções (Germano, presidente da escola representado por Ernani Moraes), o amigo em crise com o personagem principal (O também carnavalesco Fernando Pamplona, que ganha as telas pela mão de Paulo Tiefenthaler) e outros, todos desenvolvidos de forma plana e submissa a Trinta e seus problemas. Falta maior elaboração na relação de Joãosinho com aqueles que o cercam, e o filme acaba soando genérico.
O roteiro é outro que danifica a obra. Escrito por Claudio Galperin, Felipe Sholl, Mauricio Zacharias e o próprio Machline, ele muitas vezes esconde dramas potencialmente interessantes da vida de João Clemente para privilegiar os preparativos do desfile, cuja imponência nunca é mostrada pela fotografia de Lito Mendes da Rocha - observe como a câmera foca apenas na reação de Trinta no momento em que este entra em contato pela primeira vez com o carnaval. E quando não os omite, o longa traz soluções rápidas e muitas vezes não satisfatórias (a frustração do carnavalesco com o balé, por exemplo), erro crasso para uma produção disposta a realizar a análise de um personagem.
Salvo por grandes atuações de um elenco muito bem escolhido, Trinta é um filme que falha em suas pretensões ao tentar simplificar ao máximo o protagonista e o mundo que vive por meio de clichês aplicados sem parcialidade. Mas o trabalho de Machline aqui só não dá em samba pois falta a ele mostrar o carnaval e sua alegria, elemento principal desse rico universo.

Nota: 5/10

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Crítica: X-Men - A Batalha do Átomo

O primeiro grande ápice dos mutantes na Nova Marvel

Por Pedro Strazza

Desde que assumiu o controle criativo dos X-Men, Brian Michael Bendis resolveu pirar de vez na viagem do tempo. E isso não é ruim. Ao invés de seguir o péssimo caminho feito em A Era de Ultron, Bendis foi mais específico em seus objetivos com o recurso narrativo ao trazer para o presente a primeira formação dos mutantes de Charles Xavier. O conflito estabelecido pelo roteirista aqui, afinal, é bastante cabível ao momento vivido, e parte de um motivo puramente ideológico: os membros originais dos X-Men são deslocados no tempo pelo Fera para tentar convencer o Ciclope dos dias de hoje a desistir de sua empreitada revolucionária.
A maneira como Bendis conduziu a trama das duas séries principais dos mutantes, porém, é até o momento o grande diferencial de sua fase nestes títulos. Novíssimos X-Men e Fabulosos X-Men se tornaram nas mãos do escritor uma coisa só, abordando uma mesma história sob pontos de vista diferentes, e ele contorceu os eventos e fatos retratados de tal forma que quando começa A Batalha do Átomo, a primeira grande saga dos filhos do átomo sob comando de Bendis, é quase impossível iniciar sua leitura sem ter lido algumas das edições anteriores - algo que faria um certo Chris Claremont abrir um largo sorriso em seu rosto.
E para quem leu todo o início da passagem do roteirista de Dinastia M, o evento comemorativo dos 50 anos dos mutantes soa como o primeiro grande ápice da "era" Bendis. Isso porque todas as características do escritor nos X-Men são elevadas ao grau máximo por ele para contar a complicada, mas divertida trama. Com o auxílio de Jason Aaron (outro que recentemente soube se utilizar do conceito de viagem no tempo para escrever uma boa história) e Brian Wood, o roteiro de A Batalha do Átomo coloca nada menos que três gerações de homo sapiens superior em rota de choque: os do presente, divididos ainda em duas facções; os já mencionados do passado; e os do futuro, que chegam ao nosso tempo para mandar os do passado de volta à sua época.
Em mãos novatas essa salada temporal pode sem esforço algum cair na chatice modorrenta, mas Bendis e sua equipe criativa tornam-a muito divertida com o simples recurso do humor. Bem dosado à trama, a comédia é usada pelos próprios personagens para evidenciar várias vezes o ridículo absurdo mostrado nas páginas da saga, em frases como "É sério que no futuro eu virei esse monstro sem cérebro" ou "Nossa, é você que vira a Fênix?". E mesmo que às vezes ele pese um pouco na narrativa (os quatro Homens de Gelo parecem não exibir outra função que a de alívio cômico, por exemplo), a leitura da aventura com isso torna-se mais prazerosa e agradável, e funciona para estabelecer o seu tom.
Sim, são quatro Homens de Gelo que lutam ao centro!
Mas quando é pra partir pro soco o roteiro o faz com primor. Com uma identidade visual colorida e bem delineada pelos artistas envolvidos - que inclusive parecem alinhar seus estilos nesse processo -, Bendis, Aaron e Wood conduzem as ações dos heróis para brigas sempre justificadas e estabelecidas em terrenos amplos, e os desenhistas Frank Cho, Stuart Immonen, Chris Bachalo, David Lopez e Giuseppe Camuncoli, por sua vez, enchem as páginas com cores berrantes e ilustrações lindas, que não poluem a visão do leitor e traduzem o épico almejado pelo roteiro.
Em sua totalidade, A Batalha do Átomo é mais um trabalho bem sucedido na carreira de Bendis. Ainda que apele sem vergonha alguma a soluções rápidas e trapaças de roteiro calculadas, é uma saga que não tem medo de admitir o exagero tomado na linha temporal e consegue trazer à tona várias das características e histórias marcantes aos X-Men em seus primeiros 50 anos de existência. Traz mais Bendis, pois a gente quer!

Nota: 8/10

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Crítica: Mil Vezes Boa Noite

A (difícil) escolha de Rebecca

Por Pedro Strazza


Trabalho e família são dois assuntos que quando juntos podem facilmente gerar conflitos internos. Quase opostos em seus ideais, ambos exigem do indivíduo um nível de comprometimento bastante evidente, e o dever com eles pode ir da superfluidade à obrigação total em uma questão de segundos. Equilibrar os dois é sem dúvida uma tarefa muito complicada, mas obrigatória para qualquer ser humano disposto a ter os dois ao mesmo tempo.
Há pessoas, entretanto, que preferem abandonar essa questão e lidar com ela "do jeito que dá", e Rebecca (Juliette Binoche) é uma dessas. Fotógrafa especializada na cobertura de conflitos armados, ela vive se arriscando em todo tipo de lugar e situação para captar com sua câmera os horrores que presencia e mandar as fotos à imprensa depois de tudo. No processo ela se esquece, contudo, das próprias filhas e do marido Marcus (Nikolaj Coster-Waldau), e ele, cansado de sofrer em casa com a possibilidade da esposa estar morta, impõe a Rebecca um ultimato: Ou ela fica com a família, ou com a perigosa profissão.
Em um plano mais geral, o drama doméstico central à trama de Mil Vezes Boa Noite é bastante comum no dia-a-dia das grandes cidades, e já foi abordado pelo cinema em diversas ocasiões. Para contornar essa previsibilidade, o roteiro escrito por Erik Poppe (também diretor do filme) e Harald Rosenløw-Eeg centraliza sua atenção então no desenvolvimento de sua protagonista, evidenciando tanto seu amor pela família quanto o gosto que tem pela fotografia. Rebecca é uma mulher que sabe que suas duas maiores paixões não encontram espaço suficiente para coexistirem, mas ela prefere ignorar esta impossibilidade para tentar viver o mais feliz possível.
Para traduzir essa dualidade para a tela, Poppe conduz a narrativa pelo silêncio e a visão. São através destes que o espectador consegue prestar maior atenção nas ações tomadas por Rebecca e nota como ela procura fotografar todos os lados de um mesmo momento quando trabalha ou como ela tenta se conectar às filhas mesmo consciente de sua desconexão com a família. Binoche, neste aspecto, realiza uma atuação excepcional, pois transmite em sua performance corporal e gestual todo o emocional combalido da personagem.
Mas se no desenvolvimento da protagonista o longa acerta, a história sofre pela previsibilidade, do qual o roteiro obviamente não conseguiria escapar. Assim, após focar seus dois primeiros atos na construção de Rebecca, a obra derrapa na última parte em clichês nada bem disfarçados, e tira do filme um pouco do sentimento de ineditismo tão bem elaborado.
O trabalho de atuação do elenco liderado por Binoche e a metodologia de Poppe para explorar a protagonista, porém, conseguem ofuscar no geral os problemas da trama e evocar com sucesso a dor da dura escolha que Rebecca tem de tomar em Mil Vezes Boa Noite. Para uma pessoa que ama coisas ambíguas, afinal, decidir-se por um é tão complicado quanto uma criança ter de se decidir entre dois filhotes gatos exatamente iguais e de igual fofura.

Nota: 7/10

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Crítica: Sonic Highways (Foo Fighters)

Novo disco de Dave Grohl e seus bluecaps justifica todo o alvoroço do pré-lançamento

Por Guilherme Umeda

Dave Grohl (eu o chamo de Davinho), meu parça há muito tempo concordou em me passar todas as músicas do Sonic Highways por mensagem de voz no whats (Se mordam de inveja das minhas amizades, haters), contanto que eu escrevesse um texto sobre o álbum. Portanto, como sou um homem de palavra, presenteio você, caro leitor, com essas belas palavras.
Entretanto, antes de falar sobre o disco em si, acho válido um pouco de contexto.
Sonic Highways é o oitavo álbum de estúdio do Foo Fighters (FF) e chega às mãos dos fãs após quatro anos de silêncio desde o lançamento de Wasting Light.
É óbvio que qualquer álbum dos FF já causaria ansiedade no público fã de rock, mas a aproximação do lançamento deste causou uma histeria a mais. E não por acaso.
A declaração dada por Grohl (Davinho) em entrevista à revista New Music Express (NME), em que dizia que “Sonic Highways é o mais perfeito que podemos ser”, foi um fator que esquentou ainda mais os fãs. Mas não foi o único.
O incomum processo de composição das oito faixas que compõem o álbum ganhou espaço na programação do canal HBO. A série, que leva o mesmo nome do disco, acompanha a banda numa viagem pelos EUA, contando como cada faixa do Sonic foi escrita.
Sonic Highways, de fato, merecia uma série de TV. Para compor as oito faixas que compõem o álbum, a banda viajou por oito cidades (Austin, Chicago, Los Angeles, Nashville, New Orleans, Nova Iorque, Seattle e Washington) e, em cada uma delas, escreveram uma das músicas. Não é a toa que o disco foi chamado pela NME de “uma carta de amor à música americana”.
Além da série na HBO e das entrevistas de Grohl, o Foo Fighters passou uma semana se apresentando todas as noites no Late Show With David Letterman (o Programa do Jô original), como forma de promover o álbum. Abaixo você pode ver o vídeo da entrevista de Dave Grohl no programa em uma dessas cinco noites, onde ele conta um pouco mais sobre o processo de composição para o Sonic - e, de quebra, ainda tem o FF tocando “War Pigs”, do Black Sabbath, com Zack Brown no fim do vídeo.
Pois bem, chega de contexto. Vamos ao disco.
Em todas as faixas o virtuosismo que Davinho sempre teve para casar letra e música se faz presente.
Não há nenhuma faixa que destoe muito do padrão de qualidade (alto, diga-se de passagem) estabelecido logo de início pela primeira faixa, “Something From Nothing”. Pelo contrário, logo na faixa seguinte, o padrão é superado com “The Feast and The Famine”.
Essas duas faixas, além de já serem uma amostra da satisfação que o ouvinte irá encontrar também nas outras seis músicas, também são prelúdio da pegada firme que dá o tom ao álbum. Se trata, sim, de “fist bumping rock n’ roll” do início ao fim.
Porém, é possível (se você, caro leitor, for uma pessoa chata como quem vos fala) encontrar falhas em Sonic Highways. A principal delas talvez seja a penúltima música, “Subterranean”. Ela é a que chega mais perto de quebrar a vibe do disco. Não por ser uma música ruim – longe disso – mas é um pouco incerta, talvez errante: parece não saber ao certo se é uma balada ou não.
Como dito antes, o álbum é bem marcado por músicas rápidas e pesadas. Mas uma balada seria muito bem vinda, principalmente naquele momento mais para o final do disco, justamente por ser aquela hora pra descansar os ouvidos um pouco. Daí a crise com a indecisão de “Subterranean”.
Entretanto, a carência de uma balada seria sanada logo em seguida com “I Am a River”, a última faixa do disco. Esta sim, mais decidida quanto à sua personalidade, se apresenta de forma belíssima e encerra a experiência que é Sonic Highways de forma quase perfeita.
Dentre as oito músicas, há três que merecem menção honrosa.
Primeiro, “The Feast and The Famine”. É a música do álbum que vai garantir o momento “lose your mind” nos shows do FF. O refrão é o mais explosivo do álbum e o ritmo é feito para pular e gritar enquanto se ouve.
Depois, “Outside”. Nesta, o lado instrumental chama atenção. As guitarras foram arranjadas de forma belíssima e o solo mais para o final é aquele momento para fechar os olhos, encostar a cabeça no travesseiro e curtir. Se tivesse um refrão um pouco mais forte seria a melhor música do álbum.
Esse título, no entanto, ficou com “In The Clear” (na modesta opinião deste mero mensageiro que vos fala). É o melhor encaixe letra/melodia do álbum. Consegue estabelecer uma continuidade no que é cantado (uma ótima letra) que não deixa o ouvinte escapar. Muito disso pelas marcações que Taylor Hawkins (bateria) faz nos pratos logo antes de Dave cantar o nome da canção. Brilhante.
Sonic Highways é mais pesado que o anterior dos FF, o Wasting Light, e tem menos momentos para cantar junto (afinal, Wasting tinha “Walk”, “Arlandria” e “These Days”). Porém, o mais recente me pareceu melhor no conjunto. Talvez até por ter apenas 8 faixas (o anterior tinha 11), Sonic tenha se mostrado mais capaz de manter o ouvinte “flutuando” numa só vibe durante o disco todo. Wasting tinha mais craques, mas Sonic é mais time.

Nota: 9/10

domingo, 9 de novembro de 2014

Crítica: Interestelar

Falta encantamento com o universo em novo trabalho de Christopher Nolan

Por Pedro Strazza


Christopher Nolan se destaca como diretor no contexto cinematográfico atual por trazer lucro aos estúdios que o financiam com filmes autorais, algo bastante complicado de se realizar. Em menos de dez longas, Nolan construiu uma bem estabelecida reputação de "grande cineasta" através de verdadeiras obras-primas como A Origem, O Grande Truque e, claro, a trilogia O Cavaleiro das Trevas, trabalhando em todas com seu agora reconhecido estilo de fazer cinema.


Este seu procedimento de direção, porém, pode às vezes não contribuir como deveria às suas intenções, e Interestelar prova isso da maneira mais dolorida possível. O roteiro e outros aspectos deveras interessantes do nono trabalho do diretor, afinal, sofrem demais com as escolhas tomadas por ele para captar os acontecimentos retratados, tornando a obra irregular e em alguns momentos até incoerente com sua narrativa previamente estabelecida. E as consequências disso são severas.

Prometido desde sua concepção como inovador e brilhante, a trama de Interestelar parte de uma base não muito original: A extinção da humanidade. Após anos e anos de exploração da Terra, o planeta em que vivemos finalmente cobrou seu preço, e agora a sociedade alimenta-se apenas de milho e sobrevive a tenebrosas tempestades de poeira. Nesse mundo de dias contados vive Cooper (Matthew McConaughey), um engenheiro pai de dois filhos que vive com o pai Donald (John Lithgow) em uma fazenda do interior dos Estados Unidos. Preocupado com o futuro das crianças, ele aceita participar da missão final de uma combalida Nasa para, junto da Dra. Brand (Anne Hathaway) e dos especialistas Romilly (David Gyasi) e Doyle (Wes Bentley), atravessar um buraco de minhoca e verificar se três planetas localizados em outra galáxia tem potencial para ser habitados.

É uma ideia simples, mas que é desenvolvida no roteiro por Nolan e seu irmão Jonathan com uma complexidade fascinante em seus dois primeiros terços. Utilizando-se das teorias desenvolvidas pelo físico Kip Thorne e de conceitos básicos da física quântica, o longa encanta o espectador ao explorar o universo em um tom realista, através da visão de formações estelares impressionantes (não é todo dia que se vê um buraco-negro no cinema, convenhamos), e brincar de forma responsável com essas noções científicas. A história, assim, ganha a força e o peso ideais para progredir com vigor.

Outro ponto bastante positivo em Interestelar é a maneira como este se esforça em desenvolver suas relações humanas. Nolan, que sempre desprezou este lado em suas produções, traz visível preocupação em mostrar na primeira parte, por exemplo, a forte conexão emocional entre Cooper e a filha Murph (Mackenzie Foy quando criança, Jessica Chastain na fase adulta), cuja ligação é central no roteiro e importante para determinados segmentos da trama, através de atos isolados, como a perseguição ao drone. E mesmo que soe artificial em alguns momentos, a dramaturgia é suficiente para o público se conectar aos personagens e seus dilemas superficiais.

O acerto destes dois aspectos da produção, entretanto, não escondem os seus inúmeros defeitos técnicos e narrativos, gerados em sua maioria pelo estilo do próprio diretor. Isso porque algumas das características do cinema de Nolan acabam por se chocar com conceitos da ficção científica, e isso sublima pontos excelentes do filme. Dessa maneira, a necessidade do cineasta em abusar de diálogos expositivos subtrai das cenas o encantamento com o espetáculo visual oferecido aos personagens, enquanto o uso incessante de planos fechados e focados somente na reação dos atores entra em conflito direto com a belíssima trilha sonora de Hans Zimmer, que do uso de órgãos busca tirar do universo uma contemplação quase religiosa do que (não) é mostrado.

Mas o grande problema do longa sem dúvida é o seu terceiro e derradeiro ato, sabotado principalmente pelo absurdo narrativo que expõe. A pesada estrutura armada por Nolan, preparada em terreno racional, desaba quando trai seus conceitos físicos para elaborar um desfecho pautado no emocional, uma área que o diretor mostra dificuldade e é amparada somente pela sensível atuação de McConaughey. Incoerências são geradas, e a sensação final é de estranhamento.

Talvez pelos vícios de seu diretor, talvez pela promessa exacerbada, Interestelar é um filme que fracassa em suas ambições e tentativas bem intencionadas. É um fracasso, porém, bastante entretivo e curioso, do qual Nolan consegue emular bons momentos mesmo com todos os seus problemas. É um tropeço significativo na carreira do cineasta, sem dúvida alguma, mas não tão grave para o público perder a confiança nele e quebrar sua reputação.

Nota: 6/10

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Crítica: November Man - Um Espião Nunca Morre

Filme procura separar protagonista de James Bond, mas cai em roteiro clichê

Por Pedro Strazza

É inegável a afirmação de que a carreira de Pierce Brosnan nunca decolou de fato. Dono de um charme britânico quase estereotipado, o ator construiu sua reputação à partir de várias participações em pequenas e médias produções até ser escolhido nos 90 para viver a quinta encarnação do agente 007 nos cinemas, que viveu em quatro filmes. O estrelato proporcionado pelo papel, porém, não se refletiu da mesma maneira em sua trajetória profissional, marcada de forma profunda pela ligação feita com James Bond e arruinada após o fim desta e uma sequência de personagens superficiais e muito fracos.
Agora, mais de doze anos depois de sua última aparição como o célebre espião britânico, Brosnan retorna ao gênero que o levou à fama, mas na pele de outro agente secreto baseado na literatura: Peter Devereaux, o protagonista do livro There Are No Spies, cuja história foi adaptada para as telonas sob o nome de November Man - Um Espião Nunca Morre. Dirigido por Roger Donaldson, o longa traz a Pierce um cenário bem similar aos filmes de Bond: Uma trama internacional, uma mocinha bem bonita a ser salva (interpretada pela -surpresa! - ex-bond-girl Olga Kurylenko), muitas reviravoltas, traições, pancadaria e, claro, espionagem.
Seria o caminho perfeito para o ator fazer o que mais sabe fazer de melhor e quiçá progredir enfim em sua carreira, se não fosse por um pequeno e grave problema central da própria produção. Consciente dos riscos de parecer uma cópia descarada das aventuras do personagem criado por Ian Fleming, a obra cinematográfica tenta a todo custo tornar seu herói em um alguém completamente distinto de 007, mas no processo esquece-se de contornar na história os clichês do gênero. E o resultado obtido desta tentativa é doloroso, pois November Man torna-se uma sequência inacreditável de clichês sem graça e óbvios, arruinando assim qualquer curiosidade do espectador em acompanhar a trama e seus desenrolamentos.
O desinteresse do público já se inicia à partir da maneira como é apresentado ao protagonista. Buscando afastar o personagem de seu próprio passado, Brosnan é obrigado a compor em sua atuação um Devereaux ríspido, sarcástico e arrogante, e torna impossível as chances do espectador se conectar com ele. Sobra no espião da vez frieza e até(!) crueldade sem sentido, e falta a ele emoção e humanidade.
A necessidade injustificável e os esforços de Brosnan em tentar tornar real essa distinção, porém, não se refletem em quase todos os outros aspectos do longa, que leva a cartilha do gênero de espionagem inadvertidamente ao pé da letra. Situações previsíveis acontecem, personagens superficiais se revelam ainda mais rasos, surpresas nada surpreendentes acontecem... tudo tenta soar como novo, mas é reciclado de inúmeras obras. Mesmo os principais coadjuvantes, interpretados com diferentes níveis de engajamento por Luke Bracey e Kurylenko, se perdem na obviedade - e nesse quesito é inacreditável ver como Olga trabalha aqui com um papel IDÊNTICO ao que fez em Quantum of Solace.
Pautado ainda por um roteiro repleto de erros de continuidade (que inclusive são apontados em cena, como o emblemático "É sério que você vai fazer isso com apenas seis agentes?") e cenas de ação pessimamente orquestradas, November Man se espatifa na tentativa superficial e mal-feita de não trazer uma identificação imediata com outro produto. Para o espectador, um filme genérica; para Brosnan, mais um erro em sua carreira.

Nota: 3/10

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Crítica: Tim Maia

O som, a fúria e a luta

Por Pedro Strazza


Um dos principais representantes da musical soul brasileira, Tim Maia tinha uma personalidade um tanto explosiva. De família negra e de baixa renda, o cantor lutou muito para lançar sua música na rádio e na televisão, e sua personalidade feroz e agressiva foram muito necessárias nesse processo de ascensão. Quando enfim alcançou o estrelato, porém, a fúria antes positiva tornou-se sua maior inimiga, querendo destruir tudo o que conseguiu e o afastando de amigos e familiares, e logo precisou ser combatida pelo próprio.
Isso, pelo menos, é o que sua cinebiografia procura passar em mais de duas horas de projeção. Baseado fundamentalmente no livro Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia, de Nelson Motta, o longa comandado por Mauro Lima reconta a difícil trajetória do compositor desde sua infância na Tijuca até os últimos dias de vida, e toma como constante essa sua agressividade. Em Tim Maia, o personagem interpretado por Robson Nunes na juventude e por Babu Santana na idade adulta traz como característica a violência, seja na atitude folgada e repleta de sarcasmo ou no uso exagerado de drogas e estimulantes.
Mas então qual seria a origem de tal ira? Para Lima, que roteiriza com Antonia Pellegrino o texto de Motta, o jeito violento de Maia vem de sua própria formação, sempre clara em esclarecer as injustiças da sociedade àqueles de origem econômica e racial similar a ele. Condenado por todos a viver com pouco e sem um tostão no bolso, a única maneira pela qual o protagonista melhoraria de vida não poderia ser outra senão pela insistência e o jeito malandro, que juntas a outras características semelhantes formariam a impulsividade emocional do cantor e o guiariam ao sucesso musical.
É neste contexto de luta social, portanto, que o filme conduz sua narrativa, aliando no processo o aprendizado e duro caminho musical tomado por Tim. Mais curioso, porém, é perceber como a obra realiza esta última, dividindo a trama em duas partes distintas: Na primeira, acompanha-se dos primeiros passos aos esforços tomados por Maia para se estabelecer no mercado - recompensados, enfim, com o uso de uma letra sua por Roberto Carlos (George Sauma) -, através de uma fotografia pautada em cores frias e de época; na segunda, dos primeiros sucessos ao fim prematuro, em tons quentes e com muito uso do claro e escuro.
Essa separação temática flui muito bem para a produção, e ajuda bastante no trabalho de caracterização dos dois atores escolhidos para viver o protagonista. Enquanto Nunes compõe um Tim Maia já explosivo na juventude, mas capaz ainda de dosar suas ações exageradas, Santana surge na vida adulta do compositor quase igual ao próprio, incorporando trejeitos e a voz do cantor, para passar a raiva e frustrações sucessivas do personagem ao espectador. Nesse contexto, a direção de Lima é inteligente ao transformar a ira de Maia em momentos cômicos, esvaziando a produção de uma indesejada tensão.
O acerto do diretor nesse aspecto, porém, não se reflete na narrativa, prejudicada em vários pontos por estruturas e recursos óbvios. A narração em off de Fabio (Cauã Reymond, bem no papel), por exemplo, em diversos momentos parece saída do próprio livro e denota uma inconveniente sensação de preguiça do roteiro em mostrar na tela tais eventos mencionados pelo músico amigo de Tim, ao passo que a trama dramatiza de forma boba ações por si só auto-explicativas. Falta à produção a criatividade e ousadia de seu protagonista, e com isso a obra perde força.
Genial, insistente, amigo e irritante foram alguns dos vários adjetivos atribuídos a Tim Maia em sua vida de exageros e atrasos. Sua personalidade complexa e seu talento como cantor e compositor o tornaram inegavelmente uma pessoa intrigante, e sua cinebiografia comprova a profundidade de seu ser. Mesmo convencional em suas escolhas técnicas, Tim Maia é um filme com uma análise de um personagem tão profundo e interessante, ao qual faz com relativo sucesso e cuidado criativo.

Nota: 8/10

sábado, 1 de novembro de 2014

Crítica: Boyhood - Da Infância à Juventude

Novo trabalho de Richard Linklater encanta pela abordagem sensível e sutil de tema complicado

Por Pedro Strazza

O tempo é uma entidade poderosa em nossa existência. É ele que presencia todas as histórias criadas e desenvolvidas, acompanhando o nascimento, o crescimento e o fim de cada uma das vidas humanas. Seu maior poder, entretanto, é a sua continuidade eterna, que por não parar oferece a nós, seres humanos, poucas oportunidades de olhar para trás e compreender o quão rápido nos modificamos em um curto período de... tempo. Pois afinal, quem não mudou seu perfil, mesmo que levemente, após um ano (ou um mês, ou uma semana, ou um dia...) de existência?
Esta reflexão existencial nada discreta deve ter sido um dos motivos para o diretor e roteirista Richard Linklater ter começado, no fim da década de 90, a produção de Boyhood - Da Infância à Juventude. De início com um pequeno elenco, o cineasta filmou nesses últimos doze anos a história sobre a infância e adolescência de Mason Jr. (Ellar Coltrane), assistindo em consequência o crescimento e envelhecimento natural de seus atores e atrizes. O resultado final de tal experiência cinematográfica é uma epopeia cotidiana sobre o tempo e seus efeitos, que são tratados por Linklater com cuidado e sutileza impecáveis.
Para alcançar tal graciosidade, o cineasta se utiliza de estruturas narrativas leves e muitas vezes clichê, mas se guia no processo somente pelo protagonista e as histórias que o cercam. Isso porque o filme, assim como a vida, é uma sequência de arcos intercalados e simultâneos: Grandes ou pequenos, eles são muitas vezes apresentados a Mason Jr. (e o espectador, com isso) em segundo plano, e ganham destaque e maior relevância a cada ano passado. E isso se observa principalmente em coadjuvantes como o professor Bill Welbrock (Marco Perella), cujo casamento com Olivia (Patricia Arquette) e o problema com a bebida vão do auto-controle feliz ao desastre completo em questão de minutos no longa.
O grande destaque de Boyhood, porém, são os arcos desenvolvidos por Mason Jr. e sua família, construídos psicologicamente por Linklater com tanta eficácia. Sem nenhum alarde, o filme evidencia o perfil do protagonista e seus membros familiares mais próximos pelos pequenos atos e detalhes, como o carro que o pai Mason (Ethan Hawke) usa na grande maioria do longa, as desastrosas escolhas de marido feitas pela mãe Olivia após o primeiro casamento ou até o comportamento mais rebelde da irmã Samantha (Lorelei Linklater) quando criança. É destes minimalismos que o diretor guia o espectador na passagem do tempo e suas mudanças, e o faz aceitar com naturalidade as escolhas tomadas pelos personagens.
Mas a compreensão do caminho tomado é bem mais fortalecida no protagonista, interpretado com excelência por Ellar Coltrane. Sendo a pessoa que mais sofre alterações físicas e emocionais, a trilha percorrida por Mason Jr. é captada pela obra com sensibilidade suficiente para que o público se envolva com ele e sinta suas dores e vitórias conforme cresce. O acerto maior da produção, entretanto, é a capacidade de manter no personagem, da infância à juventude, o mesmo perfil doce e calmo, tornando-a uma constante em toda a metamorfose temporal realizada.
A maneira como o filme faz passar o tempo é outro ponto muito bem elaborado. Sem precisar pontuar de forma clara através de uma legenda ou coisa do gênero, Linklater torna perceptível a mudança de ano por meio da própria mudança física das pessoas que acompanha (o cabelo de Mason Jr., por exemplo) ou de diálogos, objetos e eventos bastante temporais, como músicas, videogames, lançamentos de livros e campanhas políticas - e inclui, em um clássico papo pai-e-filho, até uma não planejada ironia bem humorada com o futuro de Star Wars.
Com discussões sobre assuntos universais e uma narrativa leve e tocante, Boyhood - Da Infância à Juventude é uma experiência cinematográfica fascinante, capaz de discursar sobre o tempo e a humanidade com sensibilidade. Com uma história do cotidiano e sem nenhuma grande reviravolta, Linklater traz à tona uma obra-prima que aborda com delicadeza do tempo, um tema tratado tantas vezes com peso pelo cinema. E a prova maior do sucesso da produção é o próprio espectador, que termina o filme com a sensação de querer ver mais da vida de Mason Jr. e sua família.

Nota: 10/10