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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Oscar 2016: Indicados e Vencedores

Em cerimônia auto-indulgente, Academia premia Mad Max e Spotlight.

Por Pedro Strazza.

Na noite deste domingo (28), a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas realizou no Dolby Theater em Los Angeles a 88° cerimônia de entrega do Oscar. A premiação foi conduzida por Chris Rock, que tomou a polêmica questão do Oscar branco como tema único da festa e a tratou com ironia, errando mais que acertando. Os filmes, enquanto isso, pareciam ter sido deixados de lado, lembrados ocasionalmente no anúncio dos vencedores em meio a diversos esquetes e piadas em cima do tema do racismo na indústria.

Na distribuição das estatuetas, quem se deu melhor foi Mad Max. Tirando Efeitos Visuais - que inacreditavelmente acabou nas mãos de Ex Machina, talvez o longa com menor orçamento a levar na categoria - O faroeste pós-apocalíptico de George Miller arrebanhou seis estatuetas na parte técnica, todas praticamente concentradas no início da cerimônia. Nas principais, a maior reviravolta aconteceu com Melhor Filme, vencida por Spotlight mesmo o filme tendo levado apenas uma outra estatueta na noite (Melhor Roteiro Original). É a primeira vez que isso acontece desde 1953, quando O Maior Espetáculo da Terra levou os mesmos dois prêmios.

No resto, poucas surpresas, muita sensação de uma entrega de prêmios burocrática. DiCaprio emocionou o público ao enfim levar sua estatueta de Melhor Ator, emendando com um discurso correto e grato a todos que o ajudaram na carreira; Vikander e Brie Larson confirmaram o favoritismo nas de atuações femininas; Lubezki levou pela terceira vez o Oscar de Fotografia, batendo recorde na categoria e desbancando pela terceira vez consecutiva o eterno azarado Roger Deakins; Iñárritu se juntou a John Ford e Joseph L. Mankiewicz ao vencer por dois anos seguidos a categoria de Melhor Diretor; e Ennio Morricone finalmente levou uma estatueta competitiva, graças a seu trabalho em Os Oito Odiados.

Duas outras surpresas aconteceram em Melhor Canção Original e Ator Coadjuvante. Na primeira, Sam Smith acabou com o troféu, pouco depois de Lady Gaga arrebatar o público no Dolby Theater com uma performance emocionante de Til It Happens to You. Já Mark Rylance surpreendeu ao levar o segundo no lugar de Sylvester Stallone, tido como favorito até então desde o SAG Awards.

Entupido de piadas pouco eficazes e esquetes de puro merchandising (a participação dos minions e de C3PO, R2-D2 e BB-8, por exemplo), o Oscar 2016 soou como uma grande paródia de si mesmo, muito mais preocupado em sua imagem como premiação mais conhecida e pouco na importância da entrega dos prêmios em si. Enquanto Chris Rock, em seu terno branco, fazia piada sobre os problemas da Academia, a premiação da indústria cinematográfica mais conhecida no mundo parecia se afundar na própria ignorância.

Confira a lista completa abaixo. Os vencedores estão em negrito.

Melhor Filme

  • Brooklin
  • A Grande Aposta
  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • O Quarto de Jack
  • Perdido em Marte
  • Ponte dos Espiões
  • O Regresso
  • Spotlight – Segredos Revelados

Melhor Direção

  • Adam McKay (A Grande Aposta)
  • Alejandro González Iñárritu (O Regresso)
  • George Miller (Mad Max – Estrada da Fúria)
  • Lenny Abrahamson (O Quarto de Jack)
  • Thomas McCarthy (Spotlight – Segredos Revelados)

Melhor Ator

  • Bryan Cranston (Trumbo - Lista Negra)
  • Eddie Redmayne (A Garota Dinamarquesa)
  • Leonardo DiCaprio (O Regresso)
  • Matt Damon (Perdido em Marte)
  • Michael Fassbender (Steve Jobs)

Melhor Atriz

  • Brie Larson (O Quarto de Jack)
  • Cate Blanchett (Carol)
  • Charlotte Rampling (45 Anos)
  • Jennifer Lawrence (Joy – O Nome do Sucesso)
  • Saoirse Ronan (Brooklin)

Melhor Ator Coadjuvante

  • Christian Bale (A Grande Aposta)
  • Mark Ruffalo (Spotlight – Segredos Revelados)
  • Mark Rylance (Ponte dos Espiões)
  • Sylvester Stallone (Creed – Nascido Para Lutar)
  • Tom Hardy (O Regresso)

Melhor Atriz Coadjuvante

  • Alicia Vikander (A Garota Dinamarquesa)
  • Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados)
  • Kate Winslet (Steve Jobs)
  • Rachel McAdams (Spotlight – Segredos Revelados)
  • Rooney Mara (Carol)

Melhor Roteiro Adaptado

  • Brooklin
  • Carol
  • A Grande Aposta
  • Perdido em Marte
  • O Quarto de Jack

Melhor Roteiro Original

  • Divertida Mente
  • Ex Machina
  • Ponte dos Espiões
  • Spotlight – Segredos Revelados
  • Straight Outta Compton

Melhor Fotografia

  • Carol
  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • Os Oito Odiados
  • O Regresso
  • Sicario – Terra de Ninguém

Melhor Montagem

  • A Grande Aposta
  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • O Regresso
  • Spotlight – Segredos Revelados
  • Star Wars – O Despertar da Força

Melhor Trilha Sonora

  • Carol
  • Os Oito Odiados
  • Ponte dos Espiões
  • Sicario – Terra de Ninguém
  • Star Wars – O Despertar da Força

Melhor Documentário

  • Amy
  • Cartel Land
  • The Look of Silence
  • What Happened, Miss Simone?
  • Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom

Melhor Animação

  • Anomalisa
  • Divertida Mente
  • As Memórias de Marnie
  • O Menino e o Mundo
  • Shaun, O Carneiro

Melhor Filme Estrangeiro

  • O Abraço da Serpente (Colômbia)
  • Cinco Graças (França)
  • Filho de Saul (Hungria)
  • Guerra (Dinamarca)
  • O Lobo do Deserto (Jordânia)

Melhor Curta-Metragem

  • Ave Maria
  • Day One
  • Everything Will Be Okay
  • Shok
  • Stutterer

Melhor Documentário em Curta-Metragem

  • Body Team 12
  • Chau: Beyond the Lines
  • Claude Lanzmann: Spectres of the Shoah
  • A Girl in the River: The Price of Forgiveness
  • Last Day of Freedom

Melhor Animação em Curta-Metragem

  • Bear Story
  • Os Heróis de Sanjay
  • Prologue
  • We Can’t Live Without Cosmos
  • World of Tomorrow

Melhor Design de Produção

  • A Garota Dinamarquesa
  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • Perdido em Marte
  • Ponte dos Espiões
  • O Regresso

Melhor Figurino

  • Carol
  • Cinderela
  • A Garota Dinamarquesa
  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • O Regresso

Melhor Maquiagem e Penteados

  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • O Centenário que Fugiu Pela Janela e Desapareceu
  • O Regresso

Melhor Canção Original

  • Earned It (Cinquenta Tons de Cinza)
  • Manta Ray (Racing Extinction)
  • Simple Song #3 (Juventude)
  • Til It Happens to You (The Hunting Ground)
  • Writings on the Wall (007 Contra Spectre)

Melhor Som

  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • Perdido em Marte
  • O Regresso
  • Sicario – Terra de Ninguém
  • Star Wars – O Despertar da Força

Melhor Mixagem de Som

  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • Perdido em Marte
  • Ponte dos Espiões
  • O Regresso
  • Star Wars – O Despertar da Força

Melhores Efeitos Visuais

  • Ex Machina
  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • Perdido em Marte
  • O Regresso
  • Star Wars – O Despertar da Força

Top 8: Oscar de Melhor Filme 2016

Do pior ao melhor, um ranking para a categoria mais importante da premiação mais conhecida.

Por Pedro Strazza.

E mais uma vez estamos aqui, em dia de entrega do Oscar. Seguindo a tradição dos últimos dois anos, organizo agora a categoria de Melhor Filme desse ano em um ranking pessoal, que vai do pior ao melhor dos indicados desse ano. Bom lembrar, TODOS os oito filmes nomeados pelos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ao prêmio máximo tem críticas no site, e você pode lê-las a qualquer instante clicando em seus nomes abaixo.

Também deixo o link para o ranking completo dos indicados ao Oscar 2016 que assisti, o qual você pode ver aqui.

Sem maiores delongas, vamos ao que interessa:

8) O Regresso

Talvez uma das maiores bombas a atingir a categoria desde O Discurso do Rei em 2010 e Extremamente Alto, Incrivelmente Perto em 2011, o novo trabalho de Alejandro González Iñárritu (que ficou em primeiro no ranking do ano passado, bom lembrar) é o filme que melhor simboliza o jogo de egos vigente em Hollywood e arrisca se tornar a produção predileta dos votantes da Academia para os próximos anos. Poucas coisas em O Regresso vão na contramão e realizam seu trabalho voltado para a construção do filme, enquanto no geral o que se vê são demonstrações constantes de cineastas que prezam por um cinema "superior" e "profundo" sem contudo nunca chegar a qualquer um destes.

É uma negação de gênero desgostosa, um faroeste incapaz de se assumir como tal, mais interessado em um existencialismo vazio e que dá voltas e voltas sem sair do mesmo lugar. Se o futuro do Oscar de Melhor Filme são produções assim, estamos prestes a entrar num período difícil da História cinematográfica estadunidense.

7) Spotlight - Segredos Revelados

Acho curioso que Spotlight, novo filme de Thomas McCarthy, esteja sendo venerado pela crítica e pelos fãs como "o filme que glorifica o Jornalismo". Claro que a produção, centrada no relato da investigação de uma equipe do Boston Globe sobre abusos cometidos por membros da Igreja, busca validar o processo jornalístico como algo sagrado (inclusive é inegável o tesão do longa pelo método old-school da profissão), mas a obra também não se segura em criticar as mais variadas instituições que formam e comandam a sociedade contemporânea, incluindo aí... o Jornalismo.

Um filme interessante, mas que no fundo não consegue fazer algo a mais da história além da proposta de recontar os acontecimentos com um grande elenco.

6) Brooklin

Quase uma versão soft do épico Era Uma Vez em Nova York de James Gray, Brooklin só funciona graças ao trabalho encantador de Saoirse Ronan, que conduz a narrativa do filme com a leveza e beleza necessárias. Como filme, o longa de John Crowley é bastante feliz em desarmar o espectador sobre qualquer tentativa de atribuir a história ao contexto histórico que se insere, apesar de no fim não resistir de fazer o mesmo com o triângulo amoroso que tem em mãos. Ainda que batido, é difícil não se envolver com a trajetória da protagonista, de suas perdas a suas vitórias.

5) O Quarto de Jack

Ousado em contar uma história pesada sob o viés de um conto de fadas realista, O Quarto de Jack sabe como ninguém se aproveitar do estupendo trabalho de seus dois protagonistas para se conectar com o espectador e no processo esconder suas falhas deste. É mais um filme de ator, com Brie Larson e Jacob Tremblay brilhando neste mais novo conto de libertação do diretor Lenny Abrahamson - que também se destaca na narrativa de espaços concebida.

4) Perdido em Marte

Com tantas ficções-científicas depressivas por aí (todas fruto da dupla Alien/Blade Runner, do próprio Ridley Scott), acho muito legal que uma mais otimista tenha chegado ao páreo de Melhor Filme esse ano. Porque apesar dos perrengues e provações, a jornada de Mark Watney para sobreviver ao planeta vermelho e voltar para a Terra em Perdido em Marte na verdade é uma grande celebração à sociedade (e à NASA, mas deixemos isso de lado), com várias pessoas fazendo de tudo para ajudar no resgate ao astronauta.

Não bastasse isso, Perdido em Marte ainda é um grande festejo sobre a ciência, talvez o maior no cinema em anos. Decerto é um filme para todos os tipos de público.

3) A Grande Aposta

Quem vê A Grande Aposta geralmente se concentra na questão do se as explicações do filme sobre como a crise de 2008 aconteceu são compreensíveis ou não, mas para mim o valor da produção não está aí. Acima de tudo, o longa comandado por Adam McKay brilha por conseguir ser um dos poucos a de fato trazer ao espectador a sensação de quem viveu este momento problemático da economia mundial, primeiro o tornando parte do caos que gerou a crise e depois o chocando com os efeitos dessa festança na vida das pessoas.

Pois mesmo que sejamos todos o personagem de Steve Carell lá no finalzinho, no caminho rimos de toda a loucura testemunhada pelos personagens, despreocupados se isso é algo ruim ou péssimo para a sociedade.

2) Ponte dos Espiões

Novo triunfo na carreira de Steven Spielberg, Ponte dos Espiões é o filme que finalmente faz com que o celebrado diretor acerte em sua trajetória recente pela análise do espírito americano. Com uma ajudinha básica dos irmãos Coen no roteiro e de Tom Hanks e Mark Rylance nas atuações, o longa problematiza a fabricação desse ideal nacional na Guerra Fria ao mesmo tempo que retoma o herói comum do cinema estadunidense clássico, confrontando ambos em um cinema talvez consciente demais de sua importância.

Isso parece não importar muito a Spielberg, que nesse seu esforço de entregar algo grandioso também se preocupa em focar na trajetória de seu protagonista, alternando entre o simples e o complexo com eficiência fabulosa. Ponte dos Espiões é o resquício de uma época antiga, mas que mesmo assim funciona muito bem, obrigado.

Mas assim, o Oscar de Melhor Filme esse ano deveria ir para...

1) Mad Max - Estrada da Fúria

É o filme que revolucionou o cinema de ação como conhecemos no ano passado. É o filme que deu o pontapé inicial na discussão sobre o papel da mulher no gênero cinematográfico e no próprio cinema como um todo. E ainda ficou em segundo lugar no Melhores do Ano de 2015, atrás apenas de Divertida Mente.

Preciso. Falar. Mais?

ESPECIAL: Oscar 2016

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Crítica: Ponte dos Espiões

Spielberg encontra na ambiguidade da Guerra Fria uma salvação para sua visão sobre o espírito americano.

Por Pedro Strazza.

Logo em seus primeiros momentos, concentrados na rotina do britânico Rudolf Abel (Mark Rylance) em mais um dia em Nova York pouco antes de ser preso pelo governo estadunidense sob suspeita de trabalhar para os soviéticos, Ponte dos Espiões já revela a seu espectador a abordagem para sua história, e não apenas em um aspecto formal. Ao invés de elaborar a ação de prisão por um ponto de vista que favoreça os esforços dos agentes americanos, o longa investe na humanização de Abel, aproximando o espectador do personagem por meio de suas ações cotidianas, mesmo que estas sejam voltadas para seu verdadeiro serviço no país.

No fundo, este processo de ignorar o patriotismo subjacente e focar no humano é a grande tônica do filme, que junto de Cavalo de Guerra e Lincoln parece encerrar uma espécie de trilogia realizada pelo diretor Steven Spielberg nesta temática em cima dos Estados Unidos. Mas se nos dois predecessores esta metodologia se fazia em momentos históricos cujo campo era universal e claramente maniqueísta - os exércitos da Tríplice Aliança nunca se desvencilharam de alguma culpa pela Primeira Guerra Mundial, e os políticos a favor da escravidão... bem, eram a favor da escravidão - em Ponte dos Espiões ela se dá no exato oposto na figura da Guerra Fria, um período no qual o maior inimigo da nação americana nunca de fato alcançou o status de vilania ao qual o governo e seus líderes procuraram tanto adequá-lo.

Essa dualidade, presente na história do advogado James B. Donovan (Tom Hanks) sobre seus esforços em trocar o agente russo, designado seu cliente no julgamento nos EUA, por dois estadunidenses capturados pela União Soviética e a Alemanha Oriental, serve para o cineasta tanto como lógica narrativa quanto temática, permitindo que ele se aprofunde na problemática polarização política exercida pelo país por quase cinquenta anos de sua História. Não à toa, o diretor retrata membros do governo, seja de qual lado for, de uma forma bastante negativa, somente interessados em movimentos que privilegiem o avanço de seus respectivos países na briga silenciosa que se desenrola e inconsequentes sobre a perda de vidas no caminho. A paranoia é explícita em tempos assim, e o longa não se segura em mostrar isso em momentos como do corte de uma cena no tribunal para uma sala de aula com crianças recitando o hino nacional para registros de uma explosão nuclear.

Deste estado destrutivo das coisas, Spielberg e o roteiro de Matt Charman e dos irmão Coen resgatam o ideal do homem comum, herói típico das comédias do falecido Frank Capra e que tem no cerne de suas motivações essa busca pela humanidade no sistema. Personificado por Hanks com a dignidade necessária, Donovan se torna no contraponto ideal ao raciocínio natural da época, num primeiro momento incapaz de condenar à morte Abel e depois engajado na tarefa de trazer são e salvo os dois cativos norte-americanos, o oficial consciente de suas ações capturado no ato e o cidadão inocente pego no fogo cruzado e desinteressante para seu governo.

Assim, o que se vê acontecer em Ponte dos Espiões é um choque entre dois tipos de espírito americano, sendo um fabricado e voltado para o belicismo e o outro natural e motivado pela preservação da humanidade nas relações. Esse conflito, como é de praxe da carreira de Spielberg, não escapa de ser escancarado na narrativa ("Eu sou um homem comum"), mas é trabalhado com alguma delicadeza ao ser materializado na dinâmica espelhada dos planos da fotografia de Janusz Kaminski, colocando seu protagonista em lado oposto ao dos oficiais com quem conversa e culminante no clímax da ponte do título, ou naquela exercida nas conversas entre Donovan e Abel, que ressalta sem grande o alarde o que está mesmo em jogo ali com a mesma sutileza com a qual Rylance trabalha seu papel.

É claro que esta lógica na prática nunca chega a desconstruir o maniqueísmo elaborado da época por estar ligada à desconstrução do patriotismo seja pelo lado estadunidense ou soviético. O que importa mesmo a Spielberg no filme é esse antagonismo entre os interesses do indivíduo e da nação, nos mecanismos desta relação que permite ao primeiro submeter sua vida e dedicação aos objetivos do segundo sem se dar conta dos riscos representados por tal ato. A última troca de olhares entre advogado e cliente após o fim das negociações, cujo dilema se faz na própria ambiguidade das vantagens obtidas pelos soviéticos nesta, soa como uma resposta rápida à questão, mas também a prolonga em um caráter aflitivo.

Nota: 9/10

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

ESPECIAL: Oscar 2016

Tudo sobre a 88° edição dos Academy Awards!

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Bolão Oscar 2016


Quem leva, quem perde e quem pode surpreender na premiação de domingo?

Por Pedro Strazza.

Está chegando a hora! No próximo domingo, dia 28 de fevereiro de 2016, acontece no Dolby Theater em Los Angeles a 88° cerimônia de entrega dos Academy Awards, também conhecido como Oscar 2016! E entre piadas feitas pelo apresentador Chris Rock e homenagens a vários membros da indústria cinematográfica estadunidense, as grandes questões permanecem: Quem ficará com a estatueta? Será que Leonardo DiCaprio leva dessa vez? E pelamor, será que a cerimônia dessa vez será minimamente interessante a ponto de não fazer adormecer o espectador casual?

Sobre a última não tenho como opinar, mas nas duas primeiras perguntas talvez possa ajudar. Pelo quarto ano consecutivo, O Nerd Contra-Ataca orgulhosamente apresenta o Bolão Oscar, que tenta ajudar a sua lista de apostas dos vencedores e prever os diferentes cenários possíveis da premiação. Também trouxemos de volta este ano o TROCA, nossa ferramenta justiceira que busca substituir os indicados que não sabem o que fazem na lista por outros mais interessantes e melhores.

Vamos aos indicados?

P.S. Importante: Foram desconsiderados do TROCA filmes que não foram assistidos por minha pessoa e todos os curtas, como Ave Maria, Bear Story, Body Team 12, Cartel Land, O Centenário que Fugiu Pela Janela e Desapareceu, Chau: Beyond the Lines, Claude Lanzmann: Spectres of the Shoah, Day One, Everything Will Be Okay, A Girl in the River: The Price of Forgiveness, Os Heróis de Sanjay, Prologue, Juventude, Last Day of Freedom, O Lobo do Deserto, The Look of Silence, Racing Extinction, Shok, Straight Outta Compton - A História do N.W.A., Stutterer, We Can’t Live Without Cosmos, Winter on Fire - Ukraine's Fight For Freedom e World of Tomorrow. 

Legenda

  • Negrito: O Favorito
  • Itálico: Ainda Disputa
  • (0): Sem Chances
  • (F): Favorito Pessoal

Melhor Filme

TROCA: Brooklin, O Quarto de Jack, O Regresso e Spotlight - Segredos Revelados por Carol, Divertida Mente, Os Oito Odiados e Magic Mike XXL.

Parece brincadeira escrever isso mais uma vez, mas a cada ano que passa a disputa pelo Oscar de Melhor Filme está ficando cada vez mais difícil. Esse ano, a briga não está apenas entre dois filmes, mas sim TRÊS, com O Regresso de Alejandro González Iñárritu disparando como favorito no último minuto. O faroeste no armário do mexicano pode não ter levado os prêmios dos sindicatos de produtores e atores de Hollywood ou entrado na lista de melhores do ano da American Film Institute (AFI), mas suas vitórias no DGA Awards e no BAFTA muito provavelmente deram o gás que ele precisava na corrida pela estatueta mais desejada.

Em seu caminho, o longa tem a comédia sobre a crise de 2008 A Grande Aposta, que levou o PGA Awards (prêmio do sindicato de produtores), e o drama sobre jornalismo Spotlight, vitorioso no SAG Awards (prêmio do sindicato de atores) e no início da temporada o principal candidato a Melhor Filme. O problema é que ambos perderam a força na disputa, o que possibilitou a situação instável que é o final da corrida desse ano pelo principal prêmio da indústria cinematográfica estadunidense.

A bem da verdade, tudo pode acontecer na categoria, incluindo reviravoltas protagonizadas por Mad Max, Ponte dos Espiões e Perdido em Marte, grandes produções que tem o perfil de agrado aos votantes. O que soa ser mesmo improvável a essa altura da votação são vitórias de Brooklin e O Quarto de Jack, duas produções menores que chegam a essa e outras categorias graças ao talento de suas atrizes protagonistas. Mas isso a gente vê daqui a pouco.

Melhor Direção

  • Adam McKay (A Grande Aposta)
  • Alejandro González Iñárritu (O Regresso)
  • George Miller (Mad Max – Estrada da Fúria) (F)
  • Lenny Abrahamson (O Quarto de Jack) (0)
  • Thomas McCarthy (Spotlight – Segredos Revelados)
TROCA: Adam McKay, Alejandro González Iñárritu, Lenny Abrahamson e Thomas McCarthy por Quentin Tarantino (Os Oito Odiados), Ryan Coogler (Creed - Nascido Para Lutar), Steven Spielberg (Ponte dos Espiões) e Todd Haynes (Carol).

George Miller é de longe o melhor dos candidatos, mas 2016 promete mais uma vitória de Iñárritu em Melhor Diretor. Pesa em seu favor a vitória inesperada no DGA e a publicidade em cima das dificuldades climáticas que ele e sua produção passaram para filmar O Regresso, bem o tipo de coisa que os votantes da Academia se encantam com relativa facilidade. Quem talvez surpreenda na noite (além do próprio Miller, que também sofreu para fazer seu Mad Max, mas não vendeu seu filme assim) é Adam McKay, com chances caso seu A Grande Aposta seja no fim o grande vencedor do prêmio de Melhor Filme.

Do outro lado da corrida, Lenny Abrahamson, que surpreendeu todo mundo ao roubar o lugar de Ridley Scott na categoria, está tranquilo em ser o azarão deste ano, contente talvez em ter chegado até onde chegou.

Melhor Ator

TROCA: Todo mundo por Jacob Tremblay (O Quarto de Jack), Michael B. Jordan (Creed - Nascido Para Lutar), Samuel L. Jackson (Os Oito Odiados), Tom Hanks (Ponte dos Espiões) e Tom Hardy (Mad Max - Estrada da Fúria).

No que talvez seja o ano mais fraco da categoria, o Oscar de Melhor Ator enfim irá para as mãos de Leonardo DiCaprio. Ele ganhou tudo: SAG, BAFTA, prêmios dos críticos, Globo de Ouro... aparentemente não há obstáculos a serem encarados pelo ator de 41 anos para na quinta tentativa levar a estatueta para casa.

Ainda assim, na possibilidade bastante remota do prêmio não ir para DiCaprio (tipo 0,001% de chance, sério), quem está na rebarba é Michael Fassbender, cuja atuação em Steve Jobs deve angariar alguns dos votos contrários à escolha principal. Já Bryan Cranston, que entregou a melhor atuação dentre os cinco, vai comparecer à cerimônia apenas à espera de um bom espetáculo de Chris Rock.

Melhor Atriz

  • Brie Larson (O Quarto de Jack) (F)
  • Cate Blanchett (Carol)
  • Charlotte Rampling (45 Anos) (0)
  • Jennifer Lawrence (Joy – O Nome do Sucesso)
  • Saoirse Ronan (Brooklin)
TROCA: Cate Blanchett, Charlotte Rampling e Jennifer Lawrence por  Charlize Theron (Mad Max - Estrada da Fúria), Juliette Binoche (Acima das Nuvens) e Rooney Mara (Carol).

Outro páreo que parece definido é o de Melhor Atriz, de cabo a rabo liderado por Brie Larson. A atriz levou o SAG e o BAFTA, além de ter sido responsável por puxar as outras indicações de O Quarto de Jack. Sua maior concorrente no caso é Saoirse Ronan, outra que trouxe mais nomeações para o filme que protagoniza e tem sido a alternativa em alguns circuitos de críticos e premiações pequenas.

Agora, quem está realmente sem chances na categoria é Charlotte Rampling. Suas polêmicas declarações sobre a questão do #OscarsSoWhite fizeram a atriz perder grande parte dos poucos votos que tinha, quebrando a simpatia de sua figura de azarona na corrida.

Melhor Ator Coadjuvante

  • Christian Bale (A Grande Aposta)
  • Mark Ruffalo (Spotlight – Segredos Revelados) (0)
  • Mark Rylance (Ponte dos Espiões)
  • Sylvester Stallone (Creed – Nascido Para Lutar) (F)
  • Tom Hardy (O Regresso)
TROCA: Christian Bale e Mark Ruffalo por Idris Elba (Beasts of No Nation) e Walton Goggins (Os Oito Odiados).

Melhor Ator Coadjuvante está um páreo interessante esse ano. A princípio, Mark Rylance estava na frente, com Christian Bale e Sylvester Stallone um pouco atrás. No SAG, Rylance e Bale foram indicados e Stallone acabou de fora, mas quem levou o prêmio-termômetro no fim foi Idris Elba, ausente no Oscar sem motivo maior além de "seu filme ser da Netflix".

Dessa forma, a estatueta parece estar nas mãos do eterno Rocky Balboa e Rambo, que tem a seu favor o carinho dos votantes por sua pessoa e sua fantástica performance na sétima interpretação do Garanhão Italiano. Considerando que Rylance e Bale perderam fôlego na corrida, seu maior opositor no momento é Tom Hardy, outro de fora do SAG e que tem como surpreender no fim. Mark Ruffalo, coitado, ficou pra trás há um bom tempo.

Melhor Atriz Coadjuvante

  • Alicia Vikander (A Garota Dinamarquesa)
  • Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados)
  • Kate Winslet (Steve Jobs)
  • Rachel McAdams (Spotlight – Segredos Revelados) (0)
  • Rooney Mara (Carol) (F)
TROCA: Alicia Vikander, Rachel McAdams e Rooney Mara por Cate Blanchett (Carol), Jada Pinkett Smith (Magic Mike XXL) e Kristen Stewart (Acima das Nuvens).

Alicia Vikander é a óbvia favorita aqui (levou a cota de prêmios necessários para garantir este status), mas o Oscar de Atriz Coadjuvante tem todo o cheiro de surpresa de última hora esse ano.

Mas quem poderia levar no lugar da atriz sueca, você se pergunta? A resposta é Kate Winslet, que levou inesperados BAFTA e Globo de Ouro (que, de novo, vale absolutamente NADA na disputa do Oscar) e pode somar mais uma estatueta esse ano graças à vibe dos votantes em premiar seu eterno par romântico de Titanic em Melhor Ator. Só isso para explicar o porquê dela estar à frente dos incríveis trabalhos de Rooney Mara e Jennifer Jason Leigh, que juntas a Rachel McAdams devem ficar a ver navios no anúncio de domingo. 

Melhor Roteiro Adaptado

  • Brooklin (0)
  • Carol
  • A Grande Aposta
  • Perdido em Marte (F)
  • O Quarto de Jack
TROCA: Nada, tá decente.

Melhor Roteiro Original

  • Divertida Mente (0) (F)
  • Ex Machina
  • Ponte dos Espiões
  • Spotlight – Segredos Revelados
  • Straight Outta Compton
TROCA: Ex Machina por Mistress America.

Se A Grande Aposta e Spotlight no momento estão em segundo na corrida pelo Oscar de Melhor Filme, aqui em Roteiro tudo parece certo para que ambos saiam com alguma coisa. Vitoriosos no WGA (o sindicato de roteiristas), os dois frontrunners tem a seu favor o peso de temas difíceis, se destacando ou pela pesquisa do material em mãos (é fascinante perceber que Spotlight não foi baseado em nenhum livro) ou sua abordagem criativa (transformar a tragédia da crise de 2008 em comédia trabalha a favor de A Grande Aposta).

Quem ameaça suas vitórias? Perdido em Marte é a adaptação de um livro com reconhecido séquito, e sua popularidade pode conduzi-lo à vitória em Roteiro Adaptado; já Roteiro Original tem um rumo mais certo, mas não é lá tão difícil imaginar um "inesperado" anúncio de Straight Outta Compton ou Ponte dos Espiões no domingo.

Melhor Fotografia

TROCA: Sicario - Terra de Ninguém por Creed - Nascido Para Lutar.

Vai rolar recorde em Melhor Fotografia sim, e duplo. Não apenas Emmanuel Lubezki será o primeiro na categoria a faturar três vezes seguidas a estatueta, graças a seu trabalho puramente estético e trabalhado em luz natural em O Regresso, como também teremos a 13° nomeação sem vitória de Roger Deakins, eterno azarado na premiação que este ano concorre pelo bom trabalho em Sicario.

Se há alguém que possa desafiar o cinturão de Chivo? Mad Max e Oito Odiados são os maiores oponentes, mas correm por fora.

Melhor Montagem

TROCA: O Regresso e Spotlight - Segredos Revelados por Creed - Nascido Para Lutar e Os Oito Odiados.

Montagem é conhecido por ser a categoria que define vencedores de Melhor Filme no Oscar, e talvez por isso O Regresso mantenha algum lugar à frente na corrida. O favorito esse ano, porém, é A Grande Aposta, que ganhou no sindicato de montadores e tem sido bastante elogiado no meio. O Despertar da Força, enquanto isso, está feliz por estar entre os indicados e espera parabenizar quem quer vença no domingo.

Melhor Trilha Sonora

  • Carol
  • Os Oito Odiados
  • Ponte dos Espiões
  • Sicario – Terra de Ninguém (0)
  • Star Wars – O Despertar da Força
TROCA: Sicario - Terra de Ninguém por Corrente do Mal.

"Se não for agora, não vai nunca mais" deve estar pensando Ennio Morricone, que com 87 anos é dono de um Oscar honorário mas não de um disputado. Quem está em seu caminho é Thomas Newman, outro compositor que está na fila do prêmio há onze indicações, e talvez John Williams, que fez um retorno arrebatador na franquia Star Wars com O Despertar da Força. Johánn Johánnsson, por outro lado, não tem o mesmo favoritismo do ano passado e amargará o segundo ano consecutivo sem a estatueta.

Melhor Documentário

  • Amy
  • Cartel Land (0)
  • The Look of Silence
  • What Happened, Miss Simone?
  • Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom
TROCA: Amy por The Hunting Ground.

A vitória de Citizenfour no ano passado foi mesmo uma anomalia na categoria, pois em 2016 o páreo de Melhor Documentário mais uma vez se resume a duas produções sobre música. What Happened, Miss Simone? poderia almejar alguma vitória, mas o rodo que Amy passou em todas as outras premiações são prova incontestável de seu favoritismo na disputa. Os outros candidatos, coitados, possuem temas polêmicos demais para sequer serem cotados à estatueta.

Melhor Animação

  • Anomalisa
  • Divertida Mente (F)
  • As Memórias de Marnie
  • O Menino e o Mundo
  • Shaun, O Carneiro (0)
TROCA: Nada, tá ótimo.

Em um ano marcado pela ótima variedade de indicados, Melhor Animação é mais uma categoria com resultado já assegurado do início: Divertida Mente manteve a ponta do início ao fim da temporada e tem tudo para trazer mais um Oscar para a Pixar.

É correto afirmar que O Menino e o Mundo ainda tem alguma chance de virar o jogo e sair vitorioso na noite do dia 28 e que Memórias de Marnie, até o momento o último longa-metragem produzido pelo Estúdio Ghibli (em pausa na produção desde agosto de 2014), tem toda a cara de alguém que pode aparecer de última hora na corrida, mas isso tudo está dissolvido em probabilidades muito baixas para qualquer consideração. De garantido temos que Shaun, O Carneiro está bem atrás dos outros indicados e terminará a cerimônia de mãos vazias.

Melhor Filme Estrangeiro

  • O Abraço da Serpente (Colômbia)
  • Cinco Graças (França) (F)
  • Filho de Saul (Hungria)
  • Guerra (Dinamarca) (0)
  • O Lobo do Deserto (Jordânia)
TROCA: O Abraço da Serpente e Guerra por Que Horas Ela Volta? e Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência.

Desde a última edição do Festival de Cannes, o húngaro Filho de Saul domina as apostas dos especialistas da temporada de premiações como grande favorito ao Oscar de Filme Estrangeiro. É uma consideração que não foi feita à toa: com um formato diferente do habitual e um tema amado pelos votantes da Academia - o Holocausto, eterno símbolo universal de tragédia no mundo - o longa de László Nemes tem ampla vantagem aos outros indicados, ainda mais porque seu maior adversário, o brasileiro Que Horas Ela Volta?, nem conseguiu sobreviver à primeira votação da categoria. Agora, só o francês-que-na-verdade-é-turco Cinco Graças pode representar algum perigo a sua vitória, mas não tendo o mesmo poder de fogo do filme de Anna Muylaert tudo parece estar resolvido aqui.

Melhor Curta-Metragem

  • Ave Maria
  • Day One
  • Everything Will Be Okay
  • Shok
  • Stutterer

Melhor Documentário em Curta-Metragem

  • Body Team 12
  • Chau: Beyond the Lines
  • Claude Lanzmann: Spectres of the Shoah
  • A Girl in the River: The Price of Forgiveness
  • Last Day of Freedom

Melhor Animação em Curta-Metragem

A seção de curtas é sempre reservada aos bons e velhos chutes calculados em base nenhuma, mas é válido destacar a disputa entre os animados, esse ano bastante interessante. Não apenas pela ampla variedade temática entre os indicados (temos de ficção-científica a reprodução de guerra entre gregos), Melhor Animação em Curta-Metragem pode marcar a volta de uma vitória da Pixar na categoria, que concorre com Os Heróis de Sanjay e não sai vitorioso por aqui desde 2001. Em seu caminho há o espetacular trabalho de Don Hertzfeldt em World of Tomorrow, que dispara com merecimento ao título.

Melhor Design de Produção

  • A Garota Dinamarquesa
  • Mad Max – Estrada da Fúria (F)
  • Perdido em Marte
  • Ponte dos Espiões (0)
  • O Regresso
TROCA: A Garota Dinamarquesa, Perdido em Marte e O Regresso por Carol, A Colina Escarlate e Os Oito Odiados.

Páreo complicado, mas esta é uma das categorias que Mad Max deve passar o caminhão. Seus maiores adversários em Design de Produção, O Regresso e Perdido em Marte, também levaram prêmios no ADG Awards (premiação do sindicato de diretores de arte), mas o cuidadoso desenvolvimento visual do universo pós-apocalíptico de George Miller é claramente superior e o torna no óbvio favorito.

Melhor Figurino

  • Carol (F)
  • Cinderela
  • A Garota Dinamarquesa
  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • O Regresso
TROCA: O Regresso por A Colina Escarlate.

Mais uma categoria técnica, mais uma vitória de Mad Max. Decerto uma maneira da Academia de compensar a desde já injusta derrota para O Regresso no fim da cerimônia.

Melhor Maquiagem e Penteados

  • Mad Max – Estrada da Fúria (F)
  • O Centenário que Fugiu Pela Janela e Desapareceu (0)
  • O Regresso
TROCA: Não precisa, ficou boa.

Se a equipe de maquiagem e penteados da comédia sueca de nome estranho - algo aparentemente comum no país, vide Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência - chegará ao tapete vermelho pronto para o pós-festa, a briga entre Mad Max e O Regresso parece estar resolvida e pendendo para a insana ação pós-apocalíptica. Immortan Joe agradece.

Melhor Canção Original

TROCA: Earned It e Writings on the Wall por Fine on the Outside (As Memórias de Marnie) e See You Again (Velozes e Furiosos 7).

É talvez o ano mais depressão da categoria, com quatro canções para se ouvir na bad e uma de Cinquenta Tons de Cinza, então espere apresentações de cortar os pulsos na cerimônia do dia 28. O prospecto em Canção Original, pelo menos, é até que positivo... se você desconsiderar que a sonolenta música tema do 24° 007 está entre os favoritos. Mas se tudo der certo quem deve levar o Oscar é Lady Gaga e seu hino contra os abusos sexuais em universidades Til It Happens to You, então você pode respirar aliviado.

Melhor Som

  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • Perdido em Marte (0)
  • O Regresso
  • Sicario – Terra de Ninguém
  • Star Wars – O Despertar da Força (F)
TROCA: Tá bom assim.

Melhor Mixagem de Som

  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • Perdido em Marte
  • Ponte dos Espiões (0)
  • O Regresso
  • Star Wars – O Despertar da Força (F)
TROCA: Ponte dos Espiões por Os Oito Odiados.

Melhores Efeitos Visuais

  • Ex Machina (0)
  • Mad Max – Estrada da Fúria
  • Perdido em Marte (0)
  • O Regresso
  • Star Wars – O Despertar da Força (F)
TROCA: Ficou ótimo, relaxa.

Se O Regresso enfrenta a fúria de Mad Max nas categorias técnicas mais "artísticas", nas de som e efeitos seu adversário é Star Wars. Enquanto que nas primeiras o faroeste inibido tem a vantagem de ter faturado os dois troféus na premiação da Audio Society (principal termômetro na área), na última a corrida está mais acirrada e pode ser resumida a um "Ursa mãe enfrenta o planeta Jakku". O Despertar da Força, porém, está à frente em efeitos visuais, e se bobear pode também acabar com o troféu de Mixagem de Som no processo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Crítica: 13 Horas - Os Soldados Secretos de Benghazi

Relato panfletário de Michael Bay refaz contradições ideológicas em clima de histeria.

Por Pedro Strazza.

Por ser a nação mais poderosa do mundo desde o fim da Segunda Guerra, os Estados Unidos tendem a refletir continuamente sobre seu próprio poder nas artes, e no cinema isso se dá bastante em seus filmes de guerra. Os ideais do que caracteriza o famoso espírito americano, imperialista e nacionalista por natureza, já foram desconstruídos em diversas produções sobre todo tipo de conflito internacional protagonizado pelo país, da urgência de reafirmação dos valores no combate aos nazistas à crítica sem pudor desses na Guerra do Vietnã.

As recentes intromissões estadunidenses nos conflitos do Oriente Médio, porém, parecem ter despertado um novo tipo de discussão sobre a temática, que buscam expor a dualidade ideológica da nação em tempos posteriores à crise, criadas no contínuo financiamento americano ao combate bélico mesmo com a pouca disponibilidade de recursos. Das obras mais conhecidas pelo público, temos o Guerra ao Terror e A Hora Mais Escura de Kathryn Bigelow, que tratam da questão como um vício pela adrenalina, e o polêmico Sniper Americano de Clint Eastwood, que aborda essas contradições como uma metodologia do próprio sistema abatido.

Em termos de aproximação, 13 Horas - Os Soldados Secretos de Benghazi encontra-se bastante alinhado com o último. A adaptação do livro de Mitchell Zuckoff comandada por Michael Bay, que acompanha os esforços de seis soldados das Forças Especiais em proteger uma das bases da CIA na Líbia de uma série de ataques empreendidos por milícias do país, tem a mesma propensão do longa de Eastwood em trabalhar tais contradições da ideologia de guerra estadunidense, mas no conhecido ritmo urgente e desesperado dos filmes de seu diretor.

Este ritmo fica claro já do princípio, quando o longa realiza os mesmos cacoetes dos outros trabalhos do cineasta. Adepto entusiasmado da dinâmica do movimento como elemento central da narrativa, Bay repete em 13 Horas sua predisposição de manter a câmera em pleno deslocamento em conjunto de uma montagem acelerada, acreditando cegamente que a velocidade é a melhor maneira de transportar seu espectador para dentro da adrenalina sentida por seus protagonistas. O resultado alcançado por ele, óbvio, é o exato oposto, com cenas de ação difíceis de se acompanhar e maneirismos estéticos (o plano da bomba, as constantes explosões) que continuam a expor a deterioração desse seu estilo de direção.

O que difere Os Soldados Secretos de Benghazi de seus outros trabalhos recentes, entretanto, é que aqui a metodologia de Bay parece mesmo ter um objetivo a cumprir além do que se configura na sua cabeça como entretenimento. O roteiro de Chuck Hogan não economiza munição em engrandecer os atos dos soldados e de fazê-los heróis de uma situação julgada pelo filme como prova cabal da ineficiência burocrática do sistema, mas também encara a situação com um ar de ironia não assumida, como se a cada reverência ao homem estadunidense ele não conseguisse conter um sorriso. Cenas como a do protagonista interpretado por John Krasinski admitindo ao colega que "devoraria umas panquecas agora" ou de uma diplomata que pelo telefone ordena o envio de um drone com a justificativa de que "americanos irão morrer se ele não for enviado" - ou até mesmo as inúmeras menções a Deus - parecem perder quase toda a carga dramática, em favor de uma sátira difícil de ser esclarecida.

Nas mãos de Michael Bay, esta sátira se torna histérica, e o que acontece a seguir é um piripaque ideológico dos mais curiosos, pois ele, munido de seu estilo "intenso", é capaz de pular do engrandecimento à crítica velada à América em menos de um segundo. Assim, se por um lado vê-se os soldados defendendo cidadãos americanos e os interesses do país com as próprias vidas em um ímpeto de puro nacionalismo, é também possível enxergar o outro lado, as deficiências da máquina de guerra tanto pelo lado governamental - "eu já cansei de ouvir esses discursos vazios", o acúmulo de burocracia nas ações táticas - quanto pelo do agente de campo, assim como dos líbios que são inimigos mas também aliados. Nesse meio tempo, o espírito americano e capitalista é destroçado por 13 Horas, resumido a um grupo de crianças que berram na parte de trás do carro por McLanches Felizes e levam ao desespero uma mãe que acaba de contar ao marido que está grávida mais uma vez.

Existe uma justificativa panfletária para todo esse caos orquestrado pelo filme, na forma de uma condenação à missão e da exaltação dos soldados mortos no caso (e, numa coincidência difícil de acreditar, feita em tempos de eleições presidenciais nos EUA, que tem Hillary Clinton, a secretária de Estado na época do caso Benghazi, como candidato democrata). O cinema gritado de Bay não consegue esconder isso nem por um momento, com pelo menos duas cenas em que a bandeira dos EUA é reduzida a fiapos e um final moralista exacerbado. Mas estas intenções duvidosas da produção sem dúvida encontram um caminho fascinante para serem exercidas, personificada na figura do soldado interpretado por Pablo Schreiber, que do alto de seu posto  de resistência aos ataques pergunta desesperado ao controle de cinco em cinco segundos se o alvo mirado é um inimigo, reforço ou inocente.

E a paranoia do pós-11 de setembro prossegue, firme e forte, atrelada aos Estados Unidos onipotente.

Nota: 6/10

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Crítica: O Quarto de Jack

Filme de atuação, história adota tom ingênuo com reservas.

Por Pedro Strazza.

Arcos de descoberta do mundo são tão inerentes aos contos infantis quanto a inexperiência é de uma criança. Clássicos ou modernos, existe um elemento de ingenuidade em quase todos os protagonistas de tais histórias que os permite encarar com admiração suas aventuras para fora de seu terreno conhecido, algo que qualquer menino ou menina se conecta instantaneamente por viver situações parecidas todo dia. O fascínio pelo novo, pelo desconhecido, por aquilo que é inédito a seu mundo permite de certa forma o crescimento, e tais contos são o que melhor entendem a dimensão do poder da experiência a ponto de manterem-se como objetos de afeto do indivíduo depois de adulto.

Quem compreende muito bem esta relação específica entre público e obra é O Quarto de Jack, adaptação do livro homônimo de Emma Donoghue que se utiliza da ingenuidade como elemento narrativo vital e motor de sua história. Pois mesmo que parta de uma situação genuinamente terrível e ancorada na dura realidade, o filme de Lenny Abrahamson consegue se estruturar como o típico conto infantil ao colocar seu ponto de vista no indivíduo mais inocente da trama.

Acima de tudo, porém, o pequeno Jack (Jacob Tremblay) é a materialização do ideal dos protagonistas das histórias clássicas para crianças, um menino de cinco anos que nunca antes tinha conhecido e experimentado o mundo por estar literalmente preso entre quatro paredes. Desde seu nascimento, o garoto vive confinado a um galpão junto de sua mãe Joy Newsome (Brie Larson), sequestrada há sete anos por um homem desconhecido apelidado de Velho Nick (Sean Bridgers) e que a estupra toda semana. Para preservar o filho do momento cruel que ambos passam, ela inventa a Jack um universo fantasioso e limitado ao quarto, no qual o espaço fora dali não existe e onde todo objeto presente lá dentro tem uma espécie de identidade. Seu plano funciona, mas quando os dois enfim conseguem ser resgatados do lugar Jack começa a sofrer com as quebras de seus parâmetros originais e com o reajuste aos novos.

Com frequência confundido no roteiro da própria Donoghue por um de revelação para adequar a obra ao tom ingênuo pretendido, esse processo de adaptação do personagem principal é trabalhado por Abrahamson pelos espaços ocupados, a princípio no quarto claustrofóbico que ocupa quase todo o primeiro ato do longa e no fim as ruas e quintais suburbanos, cuja ambientação ao ar livre trazem o respiro visual que o espectador anseia o filme inteiro. Nesse meio do caminho, a fotografia de Danny Cohen se encarrega de dar a progressão necessária para essa libertação sentida por Jack e o público, em espaços cada vez mais amplos e menos ameaçadores - e quando a trama precisa passar por lugares abertos, Cohen e Abrahamson filmam em planos fechados para preservar esse espírito, impossibilitando qualquer alívio acidental.

O que contribui mais em O Quarto de Jack, entretanto, é a dinâmica exercida entre os dois atores principais, que dão a humanidade necessária para o envolvimento do espectador no destinos de seus personagens. E isso se percebe não apenas quando os dois estão juntos, mas também em seus reencontros: no momento posterior ao resgate, em que Jack se desespera dentro de um carro de polícia (mais uma vez, o ambiente fechado) na tentativa de chamar a atenção da mãe, o abraço seguinte dos dois traz uma ternura reconfortante, uma harmonia elemental em meio ao caos estabelecido na cena. E se Larson entrega uma performance calcada no frágil graças à maior liberdade que tem aqui em relação a outros trabalhos, Tremblay surpreende com uma atuação delicada e sem exageros, inesperada à sua pouca idade e capaz de sozinho fornecer todo o viés infantil da história.

Consciente desta última, Abrahamson busca então dar cabo da tarefa de circundar a fábula do pequeno protagonista com a realidade do mundo no qual este se situa, e é aí que as coisas desandam. Os dramas que cercam a vida de Jack nunca escapam do tangencial na narrativa, e seu tratamento no campo do subentendido ressalta tanto a superficialidade dos coadjuvantes em cena - a dificuldade do avô interpretado por William H. Macy em olhar para o neto soa gratuita e não disfarça seu papel no roteiro, por exemplo - mas também acaba por ser insuficiente no desenvolvimento do arco de reintrodução vivido pela própria Joy. Em muitos momentos, é como se o cineasta mais atrapalhasse que auxiliasse a personagem, que sobrevive graças à decisão de Larson em manter o emocional como engrenagem principal de sua atuação.

São erros e acertos muito similares aos de Frank, trabalho anterior do diretor que também se sobressaía na performance do protagonista e equivocava-se nos direcionamentos narrativos. Mas se na história do vocalista com uma grande cabeça feita de papel-machê Abrahamson talvez parecesse receoso de conduzir o filme a favor da atuação de Michael Fassbender, em O Quarto de Jack ele está mais aberto a se aceitar como diretor de atores, deixando que seus dois protagonistas tragam a sustentação requerida pelo filme. Agora só falta a ele conceber o resto com maior riqueza.

Nota: 7/10

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Crítica: A Garota Dinamarquesa

Relato de época sai prejudicado por abordagem conservadora de relações de controle.

Por Pedro Strazza.

"Os homens se sentem envergonhados em se submeter a uma mulher" afirma a protagonista Gerda Wegener (Alicia Vikander) para um cavalheiro enquanto pinta seu retrato, logo no início de A Garota Dinamarquesa. Com uma piteira no canto da boca e olhar decidido, a pintora demonstra neste momento estar em total controle da situação, dominando todos os movimentos do nitidamente intimidado homem à sua frente com comandos rápidos e incisivos. Mesmo seu cãozinho, que encontra-se descansando ao lado do cavalheiro, atende a suas ordens silenciosas com velocidade, em sujeição similar à do homem.

A cena acima tem propósitos cômicos, porém se torna em um pontapé comparativo inusitado para toda a história ao qual o filme dirigido por Tom Hooper se propõe a ser. Baseado no livro homônimo de David Ebershoff e dedicado a narrar a sequência de acontecimentos que levou o marido de Gerda e também pintor Einar (Eddie Redmayne) a ser um dos primeiros indivíduos a se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo e assumir em definitivo sua real identidade, Lili Elbe, o cineasta inglês e a roteirista Lucinda Coxon mostram-se mais interessados no impacto desta drástica mudança na vida da pintora que seu cônjugue, em como ela lida com a troca de gênero do amado esposo ao qual nutria um casamento feliz. A jornada de metamorfose de Einar para Lili ainda é central aos fatos e ele decerto tem o protagonismo, mas a narrativa concentra-se em Gerda e suas emoções.

A grande razão para esta abordagem surge de uma concepção simples e ligada ao controle que a protagonista exibe ao pintar o retrato. Gerda de início é mostrada como o indivíduo dominante na relação, seja nos diálogos sobre seu relacionamento (seu relato em uma festa da maneira como o casal se conheceu é bastante revelador neste ponto) ou na submissão nada disfarçada do marido para ela, mesmo que Einar seja entre os dois o pintor melhor pago naquele momento. Na totalidade de seu primeiro ato, parece faltar a A Garota Dinamarquesa apenas a menção ao velho ditado conservador "Por trás de um grande homem sempre há uma grande mulher", realizando na tela toda a dimensão de poder existente da frase.

Este parâmetro, porém, começa a ser desmembrado por Hooper a partir do surgimento de Lili, que não só altera a dinâmica dos dois mas também questiona o papel da mulher em tal relação. Pois apesar de ascender profissionalmente quase que em simultâneo à queda da persona Einar, Gerda perde o rumo conforme o marido se transforma diante de seus olhos e assume seu eu verdadeiro, como se seu norte se desfizesse e a deixasse desencontrada na escuridão de uma densa mata. Não há mais em suas mãos alguém que ela possa apoiar e buscar conforto nos momentos mais difíceis, e Vikander incorpora isso na personagem com a sutileza necessária.

O problema desta elaboração estabelecida pelo longa é que ela esbarra em dois obstáculos. O primeiro, claro, é o machismo inerente à sua base de sustentação, que presume a mulher como mera pessoa de bastidores para o marido. Hooper ainda tenta disfarçar isso ao abrir espaço na trama para a vida profissional da protagonista e seu contraste com a do marido, em trajetória oposta à dela, mas fracassa porque no fim Gerda termina o filme já com um novo homem (o negociante de arte vivido por Matthias Schoenaerts) para dar suporte ao invés de realizada no mundo das artes.

O segundo, e mais grave, é que nessa relação de dominância a obra acaba por fazer da transsexualidade um mero canal para essa, negando sua existência como óbvio terceiro elemento na história. Einar se torna Lili menos por ela ser sua real identidade e mais porque esta o possibilita de retomar o "controle" da situação. O hospital onde ela realiza a cirurgia, inclusive, traz uma materialização curiosa desta fórmula equivocada, onde o homem precisa se tornar mulher para ganhar alguma atenção do próximo.

A abordagem é das mais conservadoras, mas não impede que o filme encontre uma ou duas boas ideias para retratar a metamorfose de Lili, a bem da verdade o atributo mais chamativo da produção. Os esforços de Redmayne para passar esta mudança ao espectador da maneira mais sutil e ao mesmo tempo escancarada (a cena na casa de strip é o melhor exemplo dessa metodologia), o ótimo trabalho de figurino de Paco Delgado em exibir a instabilidade emocional passada pela transsexual por suas roupas e o uso dos quadros de paisagem pintados por Einar para no plano elaborar sua sensação de isolamento do mundo funcionam em seus intentos, mas não escondem os problemáticos tratamentos da produção a temas tão importantes e atuais.

Nota: 4/10

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Primeiras Impressões: Vinyl

Primeiro capítulo não arrisca, mas tem contexto social promissor.

Por Pedro Strazza.

Existe um tanto de garantido na maneira como Vinyl, a nova série produzida por Martin Scorsese, estabelece no piloto a sua narrativa e trama. O primeiro ocorre pelo próprio modus operandi do cineasta, que assume a direção do episódio de quase duas horas de duração e impõe seu estilo conhecido e bastante celebrado; a segunda, por outro lado, se dá pelo próprio contexto da televisão estadunidense e sua atual era de ouro, em voga desde o sucesso de Os Sopranos nos anos noventa.

Porque apesar de se passar no início dos anos setenta e acompanhar uma realidade agora quase surrealista aos olhos de hoje com a disposição de evidenciar esse lado da época, o seriado criado por Scorsese, o roteirista Terence Winter, Rick Cohen e o cantor Mick Jagger não hesita em seguir as convenções para contar a história do rico empresário musical Richie Finestra (Bobby Cannavale), sejam estas de estilo ou roteiro. Não é muito difícil vir à cabeça memórias de outros seriados - para mim especificamente Mad Men - em meio à sucessão de cenas dominadas pelas drogas pesadas e a música, que encontram-se também interessadas em trazer ícones da cultura rock'n roll de maneira implícita (a configuração das cabeças de cervo na parede da sala de reunião, que remetem de imediato à capa de Queen II) ou explícita (as imagens do desastre do LZ 129 Hindenburg intercalado com a capa do primeiro disco do Led Zeppelin). Se tudo isso ocorre por medo de arriscar o sucesso de uma grande produção gerada pelos nomes envolvidos ou apenas por pura ingenuidade, é uma pergunta que o primeiro episódio não responde.

O que Vinyl está mais a fim aqui, na verdade, é de compor sob o viés da insanidade o contexto social e musical ao qual sua história se insere, algo que Scorsese provou inúmeras vezes em sua filmografia. E os anos setenta não poderiam ser mais férteis para tal objetivo, sendo uma década marcada pelo conflito em constante ebulição e transformação em todos os campos possíveis de análise. O piloto se concentra, claro, na música, mas no subtexto da comparação dos lugares visitados pelo protagonista com seus flashbacks - centrados no começo de sua carreira no ramo e de sua amizade com o cantor negro Lester Grimes (Ato Essandoh) - já se percebe um fundo político aliado ao tema, da ascensão marginal do hip-hop como manifestação da discriminação racial e a tensão crescente derivada do processo.

E se há uma coisa que o diretor sabe fazer é atiçar a raiva a ponto de implosão, e pelo piloto Cannavale demonstra bastante habilidade em executar essa fúria pelo overacting.

A grande questão é: pode a vibe efervescente da série funcionar repetindo estruturas e noções conhecidas do público? Temos mais uma vez o protagonista de moral duvidosa e dotado de dilema de identidade, a coadjuvante feminina em ascensão profissional (Juno Temple, ótima) e os escritórios organizados (ainda que sob domínio da cocaína) derivados da TV, combinado à estética cômica e acelerada do cinema de Scorsese. Se Vinyl quer buscar seu lugar ao Sol, ela terá que buscar maneiras de se diferenciar do resto.