sábado, 25 de março de 2017

Crítica: Fragmentado

"Volta" de Shyamalan concilia fábula e horror com leves rupturas.

Por Pedro Strazza.

Se houve um momento crucial à carreira de M. Night Shyamalan nestes quase 20 anos de altos e baixos na relação com crítica e público, este talvez seja a parceria que o cineasta firmou com a Blumhouse Productions de Jasom Blum. Foi uma decisão que atendeu aos dois lados: se a produtora de terrores de baixo orçamento ganhou um nome de peso para impulsionar as já bastante rentáveis bilheterias de suas produções, o diretor voltou a trabalhar seu cinema de fábula dentro dos moldes do terror que o formou, estando agora melhor conectado a regras e convenções de subgêneros baratos que possibilitam uma melhor e mais imediata aproximação de sua narrativa com o público.

Este retorno é benéfico a Shyamalan também por uma questão de auto-consciência: se em trabalhos anteriores a este período suas belas histórias de fé e espírito ora ou outra esbarravam no posicionamento de que tipo de produção ele queria fazer (algo que com certeza gerou as recepções divididas de obras como A Dama na Água, Fim dos Tempos e A Vila), sua filiação ao terror resolve esta questão ao mesmo tempo que o permite trafegar entre gêneros distintos (a comédia, o filme familiar e também o horror) com melhor naturalidade. É um misto de maior habilidade e precisão que, confundido por alguns como uma "volta à boa forma", tornam A Visita e agora Fragmentado muito mais acessíveis a qualquer tipo de público.

É uma mudança de fim comercial, porém, que no fundo não altera a essência de seu cinema, que continua com as mesmas propensões pelo menos desde O Sexto Sentido. Se os aspectos estéticos e relacionados à forma estão sempre evoluindo nos filmes de Shyamalan, sua missão permanece idêntica: encontrar um respiro na rotina, descobrir-se como um ser de potencial e renovar a esperança em si mesmo. São temas que continuam fortes no seu cinema até os dias de hoje, oscilando talvez entre uma maior e menor presença imediata nas tramas de suas produções.

Mas se as temáticas permanecem inalteradas, como o diretor é capaz de se manter relevante sem se esgotar? No caso de Fragmentado, obra que é seu maior sucesso de bilheteria desde Fim dos Tempos, a resposta está na potencialização de sua forma e no intercâmbio de gêneros realizado por ele em um longa a princípio estabelecido como um terror sádico. No filme, três jovens adolescentes - encabeçadas por uma típica vítima de bullying chamada Casey Cooke (Anya Taylor-Joy) - são sequestradas e enclausuradas em um quarto por Dennis, uma das 23 personalidades que habitam o corpo de Kevin (James McAvoy). De início perdidas e desesperadas sobre o porquê de terem sido vítimas de tal ato, as três logo ficam sabendo que estão ali para servirem de sacrifício à Besta, uma nova e mítica persona de Kevin que está para se manifestar em seu interior.

Alternando-se entre a situação claustrofóbica do cativeiro das meninas com investigações da rotina de Kevin durante o evento e do passado de Casey, Shyamalan desenvolve aos poucos e com um tom menos esperançoso sua narrativa de fábula dentro dos limites da câmara que cerca seus dois protagonistas. O suspense é mais uma vez a linha condutora do diretor, que se aproveita aqui dos relances de profundidade da fotografia de Mike Gioulakis - que emerso no meio com Corrente do Mal dá toques labirínticos à produção, especialmente nas cenas de corredor - para potencializar estas possíveis instabilidades espaciais de um cenário fechado enquanto promove o mesmo equilíbrio entre humor e horror que atingiu com A Visita.

E ainda que mais para frente Fragmentado demonstre estar melhor antenado na temática com outro trabalho de Shyamalan (o qual não vale a pena revelar aqui para preservar os efeitos do longa), é justo com o excelente found footage dirigido pelo cineasta em 2015 que ele está mais próximo no fim, seja por questões formais - a melhor transição e equilíbrio entre os gêneros, o ótimo trabalho do elenco, o uso ressaltado como "consciente" da câmera - ou de formulação - a revelação da similaridade entre os traumas responsáveis por isolar Kevin e Casey passa de alguma forma pelo mesmo eixo de união das duas crianças em sua crise familiar. É um alinhamento não planejado pelo diretor que não exatamente tira força dos jogos de tensão da produção mas fica responsável por escancarar demais o processo narrativo do diretor, antecipando viradas e criando quebras não esperadas entre fábula e horror. E para alguém que esteve sempre disposto à metalinguagem como Shyamalan, estas rupturas podem ser prejudiciais.

Nota: 7/10

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