quinta-feira, 27 de julho de 2017

Crítica: Dunkirk

Filme de guerra repete forças e fraquezas do cinema de Nolan em tom de urgência.

Por Pedro Strazza.

Embora tenha estabelecido seu nome em Hollywood pelos quebra-cabeças complexos que constrói com habilidade em suas produções, Christopher Nolan não mudou muito o seu modo de operação desde o seu primeiro trabalho. De uma forma ou de outra, todos os filmes do cineasta, de Following a este Dunkirk, servem a ele em primeira instância como exercício formal, com o diretor focando atenções na elaboração da narrativa e seus mecanismos para depois preencher esta com trama e arcos de personagens. A Nolan, sempre interessou mais em como contar a história do que a história em si, uma tendência de sua carreira somente acentuada conforme ele percebeu as próprias limitações e passou a buscar maior emoção de suas obras, caso de O Cavaleiro das Trevas Ressurge e Interestelar.

Nesse sentido, Dunkirk não deixa de ser outro trabalho de Nolan que sintetiza em suas falhas e qualidades o espírito de seu cinema, mesmo a produção possuindo o ineditismo de ser a primeira em sua filmografia a abordar fatos reais. O episódio histórico da retirada em massa de tropas britânicas da praia de Dunquerque durante a Segunda Guerra possibilita ao diretor construir uma elaborada experiência sensorial à partir da agonia vivida pelos soldados, que na espera por navios de resgate passaram onze dias acuados de todos os lados pelo exército nazista. Mas em meio à pirotecnia e os truques de montagem habituais executados com a primazia de sempre, Nolan acaba criando para sua obra o questionamento sobre esse espetáculo de materialização do inferno bastar ou não como filme, algo que termina por persegui-lo por toda a narrativa.

Não é como se o diretor negasse temáticas - as situações e os diálogos no geral remetem subjetivamente ao Brexit e os conflitos internos políticos do Reino Unido de hoje - mas como já é de praxe Nolan se esforça para tornar a narrativa o centro das atenções de sua produção. E a princípio, essa medida gera frutos: suprimindo diálogos e tornando as forças nazistas invisíveis ao olhar dos soldados (uma ideia mais ou menos repercutida no resto da história), os primeiros minutos do longa mergulham o espectador em uma espiral de caos e sofrimento pautada pelas sensações e o excelente design de som, passando com pressa a noção de que aqueles soldados estão presos e precisam escapar daquele lugar antes que eles sejam destruídos por ele. É uma proposta que, vale acrescentar, é também traço característico da carreira do cineasta, e em Dunkirk isso só se diferencia pelo grau de urgência com o qual essa fuga é tratada - é uma questão de vida ou morte, afinal.

As obras de Nolan, porém, nunca viveram só de uma extrapolação sensorial pura e simples, e é a partir daí que o longa começa a sentir os primeiros abalos estruturais. Como em outros trabalhos do diretor, o desinteresse sob os personagens e seus dramas logo se faz notar na mesma proporção que a produção passa a colocar a intercalação dos diferentes tempos narrativos da trama (e nas maneiras pelas quais elas se relacionam) como elemento central de atração, preferindo acima de tudo a noção de um inferno criado pela dificuldade de identificar a passagem das horas e dos dias.

O desafio é deveras impressionante, pois a edição de Lee Smith permite que o filme condense tramas que se passam em questão de minutos, horas e dias dentro de uma única linha narrativa, mas sozinho ele não resulta em muito além de um deslumbre técnico de primeiro impacto a ser esvaziado na duração do longa. Resta então a Dunkirk o outro lado da moeda no cinema de seu diretor, sobrando em cena personagens desenhados especificamente para cumprir funções narrativas, situações de dilemas banais (as do barco se destacam neste departamento) e um elenco que precisa se virar com papéis limitados em profundidade e abertos em espaço de atuação - uma problemática que (de novo) termina por favorecer os atores veteranos, como Kenneth Branagh e Mark Rylance.

Não deixa de ser irônico que Dunkirk termine refém do frenesi de uma história sobre uma retirada, mas é surpreendente que seja justo a montagem o canal para essa prisão no qual o longa se insere. Se Nolan almeja outra vez se inspirar nos trabalhos de Kubrick e Spielberg para fazer seu filme de guerra (ele tira do primeiro a exacerbação das sensações e do segundo a reafirmação de valores do final), ele termina de novo distante da meta de alcançar o mesmo resultado de suas referências ao tentar manter seu estilo intocado no processo, atrelado a um modo de operação repetitivo dentro de uma lógica de criatividade narrativa. Só isso para entender a inoperância do final, que se alterna entre as mais belas imagens da fotografia de Hoyte Van Hoytema à espera de uma catarse emocional que nunca chega a vir.

Nota: 5/10

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