sábado, 4 de abril de 2015

Crítica: O Ano Mais Violento

Luta contra fim da dominância de sua classe é tema de terceiro longa-metragem de J.C. Chandor.

Por Pedro Strazza.

É de um contexto interessante e quase único na trajetória dos Estados Unidos que a história de O Ano Mais Violento parte. Começo do primeiro mandato do presidente Reagan - que com seu plano econômico iria acentuar a desigualdade social e trazer estabilidade econômica ao país - e do processo de declínio da Guerra Fria, o início dos anos 80 foi uma época de transição para a sociedade estadunidense, que teria suas noções extremas de bem e mau enevoadas após anos de tensão política.
Quem saiu perdendo em um período tão transformador foram justamente os mafiosos, antes dominantes no país por serem uma das poucas "classes" a conseguirem realizar esse jogo de sombras com a população para a manutenção de seu poder. Não mais os únicos a terem o monopólio de tal habilidade e com as autoridades em seu encalço em posse de maior poder de fogo, a tradicional máfia norte-americana entrou em colapso em si mesma. Muitas famílias caíram, e quem sobreviveu ao processo teve que buscar novas maneiras de exercer seu domínio.
Então como poderia ser possível prosperar e criar um império novo em um tempo tão turbulento? Buscar entender isso surge como prioridade no filme escrito e dirigido por J.C. Chandor, que tem em seu protagonista a representação de tal estranheza à época vivida. O empresário Abel Morales (Oscar Isaac), afinal, carrega em sua figura caricatural o peso do imigrante que chegou aos Estados Unidos buscando realizar o tão almejado sonho americano, e mesmo que o tenha alcançado por meios não convencionais - sua companhia de transporte de combustíveis foi um presente de seu sogro mafioso - ele procura crescer financeiramente da maneira mais correta possível.
Fazer isso nos instáveis anos 80, porém, não é tarefa fácil, ainda mais com toda a sociedade agindo contra sua pessoa e empresa. E as características que cercam Abel não cooperam: Além de sua herança latina e pobre, ele tem também a esposa Anna (Jessica Chastain, ótima em denotar no seu personagem a influência paterna) e a concorrência como lembretes de seu elo com o crime, e isso basta para o promotor de sua cidade (David Oyelowo) caçá-lo de jeito polido por seus pecados históricos.
Para piorar, ainda tem a questão da violência, apontada já no título da produção e que surge sempre de surpresa nas esquinas para atordoar os negócios de Abel. Nesse caso, a lei de talião ("olho por olho, dente por dente") é não uma lei como em outros longas do gênero, mas uma tentação para o protagonista, quase um chamado ancestral de imposição de seus domínios. Como Abel - muitas vezes perceptível em sua vontade de aceitar a oferta pela atuação contida de Isaac - se abstém deste é a real questão de O Ano Mais Violento, e sua resolução ao final do filme é só mais uma prova do advento de uma nova era de negócios criminosos.
Conduzido com excelência por J.C. Chandor, que para seu terceiro longa-metragem conta com a fotografia de Bradford Young para ilustrar a solidão de seu personagem principal por meio da palheta de cores de sépia e a denotação dos espaços vazios (dignos de um quadro do estadunidense Edward Hopper), O Ano Mais Violento escapa da ode ao gênero de máfia para conceber uma quase antítese aos clássicos. Abel tem consciência de que não é e provavelmente nunca será um Corleone da vida, e esse conhecimento é a chave para sua ascensão na contramão da queda de seus vários adversários.

Nota: 9/10

Gostou? Assista Também:
  • Até o Fim: Outro protagonista tentando sobreviver ao fim de outro processo.
  • Trilogia O Poderoso Chefão: A queda da máfia pelos olhos daqueles que caem.

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