domingo, 30 de agosto de 2015

Crítica: Corrente do Mal

As consequências do desejo.

Por Pedro Strazza.

Já se entende que algo está muito errado na realidade proposta por Corrente do Mal quando aparentemente há uma ausência quase total de adultos nas cercanias da região onde os jovens protagonistas vivem suas vidas de subúrbio. A falta de uma figura mínima de autoridade para comandar a juventude em uma direção pretendida, um fato por si só aterrorizante para qualquer pessoa, é um indício de que o mundo retratado aqui sofreu uma grande perda, e seus efeitos desde então afetam seus moradores por meio de um temor que não é possível de ser explicado ou combatido.
Esse tipo específico de medo é o que melhor explica o monstro do filme, uma entidade misteriosa cujo método, como o título original bem resume, é o de seguir. A passos lentos e de certa maneira tranquilos, ele persegue o último elo de uma grande corrente de pessoas, que passam o fardo umas as outras pelo sexo e que tem como mais nova representante a jovem Jay Height (Maika Monroe). Assustada e temendo pela vida, ela parte junto de sua irmã Kelly (Lili Sepe) e os amigos Paul (Keil Gilchrist), Yara (Olivia Luccardi) e Greg (Daniel Zovatto) em uma jornada em busca de uma solução para sua maldição.
Essa incerteza sobre os acontecimentos, na verdade, é ao mesmo tempo a grande arma e o grande defeito de Corrente do Mal, porque é enquanto os protagonistas - e, por tabela, o espectador - permanecem na dúvida sobre a natureza do que persegue Jay que o longa consegue de fato aterrorizar com seu nevoeiro de perguntas. A sequência de abertura, no qual traz uma garota em fuga sem qualquer tipo de explicação e termina em um plano terrível, funciona justamente por deixar o público no escuro, apostando apenas no terror demonstrado pela moça e na aparente ameaça invisível que a segue.
Nesse quesito, o filme escrito e dirigido por David Robert Mitchell é bastante feliz em suas escolhas técnicas. Enquanto a fotografia paletada de azul de Mike Gioulakis funciona por do início prender a atenção do espectador ao que acontece no fundo de cena, forçando a sensação de agorafobia em planos abertos e introduzindo a criatura misteriosa muito antes da ação acontecer (algo similar em proposta com o recente Annabelle), a trilha sonora à base de sintetizadores de Rich Vreeland (creditado Disasterpeace) encanta por criar uma atmosfera pesada sem apelar para agudos, que relembra a todo momento do momento desgraçado vivido por esta realidade. A retratação do monstro (capaz de assumir várias formas) também é um ponto forte da narrativa, pois sempre se utiliza de aspectos incômodos do cotidiano - a nudez, a lembrança hospitalar, as roupas íntimas - que marcham reto em direção à sua vítima.
E esse clima de desolação não poderia ser mais adequado, já que a realidade proposta por Robert Mitchell se aproveita do período de incertezas que é os Estados Unidos da recessão. Como em Amantes Eternos e Garota Exemplar, Corrente do Mal transfigura todos os medos e receios provocados pelos efeitos físicos da crise econômica (não à toa, Detroit é palco dos eventos mostrados) em uma figura de terror, que aqui persegue a juventude sem responsabilidades e inconsequente dos erros cometidos no passado. O sexo, esse desejo de consumo supremo dessa fase da vida, torna-se portanto um mal impossível de ser evitado, cujas consequências são impossíveis de se escapar.
O problema dessa construção elaborada é que não sobra muita coisa sem o mistério. Conforme o nevoeiro de incertezas se dissipa e as dúvidas são respondidas, o filme acaba por se revelar um slasher um pouco mais sofisticado e não muito consciente de tal condição, entregue a clichês do subgênero que se acumulam consoante ao avanço da narrativa. O terceiro ato, por exemplo, soa bobo e até risível por carregar essa ingenuidade do roteiro, mesmo que seja muito bem construído do ponto de vista simbólico.
Ainda que ora ou outra caia na tentação do susto fácil - o close no buraco da porta na cena da praia é lamentável - e perca força ao explicar um pouco da natureza da ameaça, Corrente do Mal é inventivo em suas maneiras de gerar medo e na apropriação de seu contexto temporal. Sua eficiência técnica e teórica, porém, poderiam ser muito mais interessantes se este reivindicasse sua posição no gênero e trabalhasse a partir daí todo o seu mistério.

Nota: 7/10

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